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Na sala de almoço do quarto andar do prédio da National Indemnity Company, em Omaha, Nebraska, um letreiro escrito à mão costumava ser pendurado nas portas duplas fechadas: “reunião em andamento.” Ali dentro, ao lado de máquinas de venda automática e de uma cafeteira, Warren Buffett dava início à reunião anual de acionistas da Berkshire Hathaway, com cerca de 20 pessoas presentes. Os assuntos burocráticos eram resolvidos em apenas cinco minutos. Em seguida, Buffett dizia: “tenho uma hora livre e, se alguém quiser ficar para conversar sobre investimentos, estou disponível.”
Esse encontro modesto dos anos 1970 não lembra em nada o espetáculo atual que atrai dezenas de milhares de investidores de todo o mundo a Omaha. A transformação dessa reunião anual de acionistas reflete a jornada extraordinária da própria Berkshire Hathaway – de uma indústria têxtil em dificuldades a um conglomerado de US$ 1 trilhão (R$ 5,64 trilhões) sob a liderança de Buffett.
Festival do mundo financeiro
Quando Buffett assumiu o controle da Berkshire Hathaway em 1965, a empresa era um negócio têxtil em declínio. Seu primeiro grande passo rumo à diversificação aconteceu em 1967, com a aquisição da National Indemnity Company por US$ 8,6 milhões (R$ 48,5 milhões), marcando a entrada da Berkshire no setor de seguros.
Entre 1969 e 1979, essas primeiras reuniões de acionistas aconteciam mesmo na sala de almoço da National Indemnity, com um público que raramente passava de duas dezenas de pessoas. A maioria era composta por amigos, familiares e investidores iniciais que haviam depositado sua confiança em um jovem Warren Buffett, muito antes de ele se tornar um nome conhecido no mundo das finanças.
À medida que o portfólio e o prestígio da Berkshire cresciam ao longo dos anos 1980, a reunião anual também se expandia. O encontro deixou a sala de almoço e passou a acontecer em locais cada vez maiores: o Red Lion Hilton, o Witherspoon Concert Hall no Museu Joslyn e o histórico Orpheum Theater, com 2 mil lugares, em Omaha.
Na década de 1990, o número de participantes já estava na casa dos milhares. O Holiday Inn Convention Center foi o próximo destino, seguido pelo Civic Auditorium, com capacidade para 10 mil pessoas. Foi nesse período que o evento começou a se transformar: de uma reunião corporativa tradicional para algo mais parecido com um festival de finanças.
Em um golpe de gênio no marketing, Buffett passou a apresentar as empresas do grupo Berkshire nas reuniões anuais. Os participantes podiam comprar chocolates da See’s Candies, visitar a Nebraska Furniture Mart ou procurar roupas da Fruit of the Loom. A parte de exposição fez da reunião anual tanto um fórum educativo quanto uma experiência de compras com produtos das empresas do conglomerado.
A inclusão desses expositores não só demonstrava a diversidade dos negócios da Berkshire, como também criava uma conexão concreta entre os acionistas e seus investimentos. De repente, ser dono de uma parte da Berkshire Hathaway significava fazer parte de uma comunidade com valores e interesses em comum.
O Woodstock dos capitalistas
Quando Bill Gates, cofundador da Microsoft, entrou para o conselho da Berkshire em 2004, a reunião ganhou ainda mais notoriedade. Uma das tradições mais queridas que surgiu nesse período foi o concurso de arremesso de jornal – uma referência ao trabalho que Buffett teve na infância, entregando jornais.
Desde 2012, os participantes competem para lançar jornais enrolados em direção à varanda de uma casa da Clayton Home (empresa da Berkshire) montada dentro do centro de convenções. Até o próprio Gates já participou, com Buffett frequentemente demonstrando a técnica correta ao amigo. Os vencedores ganham picolés Dilly Bar da Dairy Queen – mais uma empresa da Berkshire.
Em 2004, a reunião passou a ser realizada em sua casa atual, o CHI Health Center — antigamente chamado de Qwest Center e CenturyLink Center –, com capacidade para 20 mil pessoas na arena principal e espaço para outras 20 mil em áreas complementares. A edição de 2014 teve todos os ingressos esgotados.
Hoje, a reunião anual da Berkshire Hathaway – apelidada com justiça de “Woodstock dos capitalistas” – atrai mais de 40 mil participantes do mundo inteiro. A parte formal da reunião leva apenas 20 minutos, enquanto a famosa sessão de perguntas e respostas com Buffett e seu falecido parceiro Charlie Munger se estendia por mais de cinco horas, abordando desde estratégias de investimento até economia global.
O que torna essa peregrinação anual a Omaha tão especial não é apenas a sabedoria de investimentos compartilhada por Buffett, mas a celebração do capitalismo de livre mercado feito do jeito certo – em que as empresas focam na criação de valor de longo prazo e não em lucros imediatos.
Charlie Munger certa vez comentou que o que mais orgulha Warren Buffett é ser um fiduciário para milhões de pessoas. E, de fato, por meio da Berkshire Hathaway, Buffett criou um veículo que gerou riqueza para inúmeras pessoas que confiaram a ele suas economias.
A evolução da reunião anual da Berkshire reflete a própria filosofia de Buffett – começar pequeno, pensar grande e nunca esquecer que negócios, no fim das contas, são sobre pessoas. De um encontro modesto em uma sala de almoço a um fenômeno global, o “Woodstock dos capitalistas” é um testemunho de como o capitalismo, quando praticado com integridade e visão de longo prazo, pode gerar valor para todos os envolvidos.
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