Por Que os Vinhos da Borgonha São os Mais Caros e Cobiçados?

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Os grandes vinhos de Bordeaux são caros. Os da Borgonha (centro-leste da França, entre Dijon e Lyon) não têm preço. Eles custam milhares de euros, claro, mas não basta ter dinheiro para consegui-los. Na lista dos 50 vinhos mais caros do mundo, elaborada pelo site Wine-Searcher, aparecem 44 rótulos da Côte-d’Or, onde está o crème de la crème da Borgonha.

As vinícolas de maior prestígio costumam trabalhar com sistema de alocação. Ou seja, como têm produção limitada, decidem o tamanho da cota que cada cliente tem direito a comprar. Há sempre fila. Na França, os cavistes, como são chamados os donos de lojas de vinho, por sua vez, também costumam fazer alocação dos poucos grandes borgonhas que conseguem entre seus clientes fiéis. Pouco sobra para quem vem de fora. No Brasil, assim como em vários outros países, o que chega para as importadoras desaparece na hora.

Por essas e outras, alguns borgonhas se tornaram os vinhos mais cobiçados da atualidade. Sucesso todo calcado na elegância, na complexidade e no caráter dos seus melhores tintos e brancos (a região também produz espumantes e até rosés, mas esses não são tão bem cotados). “A produção dos melhores vinhos da Borgonha tem vários segredos”, comenta a sommelière Gabriela Bigarelli. “Uma tradição secular e uma combinação perfeita entre clima, terreno e luminosidade estão entre os principais deles. Essa combinação perfeita é única e capaz de gerar uvas com características excepcionais.”

A criação do Terroir da Borgonha

A Borgonha inventou o conceito de terroir, que considera as características do solo, do clima, da topografia, da insolação e outros fatores físicos como diretamente ligadas à qualidade do vinho produzido ali. Essa ligação foi fartamente estudada pelos monges cistercienses que se instalaram na região durante a Idade Média. Como sua doutrina pregava o trabalho duro, eles passavam todo o tempo, entre a lavoura e a vinícola, estudando quais uvas se davam melhor em quais pedacinhos de terra.

Com isso, a região se tornou uma colcha de retalhos, sendo que cada pedacinho tem um nome. Cada climat (o terroir de um vinhedo específico) produz um vinho diferente do vizinho, apesar de a Borgonha ser uma das poucas regiões vitivinícolas da Europa a trabalhar principalmente com vinhos monovarietais: chardonnay para os brancos e pinot noir para os tintos.

Dessa colcha de retalhos surgiu futuramente o sistema de denominações de origem controlada. Por esse sistema, os melhores vinhos viriam dos terrenos classificados como grand crus e, na sequência, quase tão bons quanto os primeiros, os vinhos dos premier crus. Abaixo, vêm as denominações de vinhos village, aquelas que fazem vinhos com uvas de uma única comuna, como Corton ou Nuit Saint-Georges. E, na base da pirâmide, as denominações regionais, como Bourgogne, Côte de Nuits ou Côte de Beaune.

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Gabriela Bigarelli: “a produção dos melhores vinhos da Borgonha tem vários segredos. Uma combina- ção perfeita entre clima, terreno e luminosidade”

“Costumo explicar para meus alunos que a denominação genérica é como dizer que uma pessoa é brasileira”, diz a sommelière Alexandra Corvo, proprietária da escola Ciclo das Vinhas. “Para um gringo, que não conhece nada de Brasil, isso basta. Se eu estiver falando com um baiano, posso acrescentar a informação de que a pessoa é da cidade de São Paulo. Porém, se eu estiver conversando com outro paulistano, vou contar que ela é da Mooca ou dos Jardins. Essa última informação é muito importante. Ela influencia muito no jeito da pessoa, mas não adianta passar essa informação para quem não sabe o que é a Mooca ou os Jardins.”

A Borgonha, excluindo Chablis, que fica separado, é uma tripa de vilas e vinhedos ao longo de duas estradinhas paralelas. É dividida em Côte-d’Or, Côte Chalonnaise e Mâconnais. O trecho tradicionalmente mais valorizado é a Côte-d’Or, onde estão 32 dos 33 grand crus existentes na Borgonha. A Côte-d’Or se divide em Côte de Nuits, ao norte da cidade de Beaune, que produz praticamente só tintos da uva pinot noir, e Côte de Beaune, ao sul, que produz grandes brancos, mas também alguns tintos de muita qualidade.

Cada uma dessas sub-regiões se divide em várias vilas, daí os villages. Entre as vilas da Côte de Nuits, Vosne-Romanée se destaca. Lá estão alguns grand crus muito famosos, como o La Tâche, o La Romanée, o Romanée-Conti, o Romanée-Saint-Vivant e o Echézeaux. O Romanée-Conti e o La Tâche são propriedade exclusiva (monopole) do Domaine de la Romanée-Conti e o La Romanée é monopole do Domaine Comte Liger-Belair.

Outras vilas valorizadas da Côte de Nuits são Gevrey-Chambertin, Morey-Saint-Denis e Vougeot, onde fica o famoso grand cru Clos de Vougeot, o maior vinhedo murado da Borgonha. Ele conta com 80 proprietários diferentes, alguns com não mais do que duas fileiras de videiras. Há ali também um castelo que virou museu.

Na Côte de Beaune, as três vilas a se prestar atenção são Chassagne-Montrachet, Puligny-Montrachet e Meursault. “Esse é o chamado triângulo dourado, onde estão os maiores brancos da Borgonha”, diz Bruno Pepin, diretor comercial da Maison Louis Latour, negociante que tem sede em Corton, na Côte de Beaune, e vinhedos por toda a Borgonha, alguns inclusive no triângulo dourado.

Quando o termo maison aparece no rótulo, sempre se trata de um negociante, ou seja, uma vinícola que coloca sua marca em vinhos feitos a partir da compra de uvas, mosto e até vinhos de terceiros. Quando aparece domaine (a Louis Latour tem vários), trata-se de uma propriedade onde os vinhos são produzidos com uvas próprias.

Todos esses nomes escritos anteriormente são apenas uma pequena amostra da complexidade da tarefa que terá pela frente aquele que se propuser a ser um conhecedor dos vinhos da Borgonha.

“É preciso decorar os nomes das denominações, vilas e vinhedos premier cru e grand cru, e o nome dos produtores”, comenta o sommelier Tiago Locatelli.

A qualidade dos vinhos depende do terreno, mas também da habilidade do produtor. Então, é preciso combinar essas duas informações. São 84 denominações de origem e mais de 6 mil produtores.

A Borgonha representa hoje o que o mercado de luxo mais busca no vinho: exclusividade.

“Bordeaux você consegue comprar”, diz Júlia Frischtak, especialista em vinhos com experiência em marketing e importação no Brasil e na Inglaterra. “Borgonha, nem sempre. Mesmo para revendedores ou importadores fiéis, as alocações são pequenas. De alguns vinhos, como, por exemplo, do tinto Jacques-Frédéric Chambolle-Musigny Premier Cru Les Amoureuses (cerca de 2 mil euros na França), em muitos anos, só chegam três garrafas ao Brasil. Outros nem chegam.”

O Jacques-Frédéric Chambolle-Musigny Premier Cru Les Amoureuses nem faz parte daquela lista dos 50 mais caros. Como ele, nessa mesma faixa de preço, existem centenas de tintos e brancos espalhados pela Côte-d’Or. A lista exibe a média de preços em revendedores oficiais para garrafas de 750 mL de diferentes safras, excluindo edições especiais.

Surpresa! No topo, não está o Grand Cru Romanée-Conti do Domaine de La Romanée-Conti (US$ 24.235). Ele é o segundo mais caro. O primeiro é o Leroy Grand Cru Musigny (US$ 37.156), do Domaine Leroy (valores do dia 12 de novembro).

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Romanée-Conti: uma das menores denominações da Borgonha, monopólio do Domaine de la Romanée-Conti

Madame Leroy

Dos 30 vinhos da Borgonha que estão na lista, 28 são do grupo Leroy, vinhos do Domaine Leroy, em Vosne-Romanée, a mesma vila da Côte Nuits onde está o Romanée-Conti, e do Domaine D’Auvenay, em Meursault, no sul da Côte de Beaune.

À frente desse grupo está a mulher hoje considerada a grande dama da Borgonha, Marcelle Leroy, de 92 anos, mais conhecida como Lalou Leroy – ou apenas Madame Leroy.

Lalou Leroy é proprietária também da Maison Leroy, tradicional negociante da Borgonha. Possui ainda metade do Domaine de La Romanée-Conti, onde, até 1992, dividiu a administração com seu sócio Aubert de Villaine.

Nesse ano, saiu da direção do Romanée-Conti e começou a comprar vinhedos para um projeto pessoal. Hoje possui vinhedos nos melhores terroirs e seus vinhos são hiperbem cotados. Atualmente não são importados para o Brasil, mas já foram no passado. São vinhos fantásticos.

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Vinhedos franceses formam figuras geométricas coloridas quando vistos de cima

Na lista, estão também rótulos das seguintes vinícolas: Domaine du Comte Liger-Belair (Vosne-Romanée), Domaine Coche-Durey (Meursault), Georges & Christophe Roumier (Chambolle Musigny), Domaine Leflaive (Puligny-Montrachet) e Jean Yves Bizot (Vosne-Romanée). Todos com vinhos de, no mínimo, US$ 5.226.

Como boa parte deles não chega ao Brasil ou chega em quantidade ínfima, muita gente acha que pode ir prová-los in loco.

“Toda semana, recebo um pedido para marcar uma visita ao Domaine de La Romanée-Conti”, conta Pryscila Musso Gashi, proprietária da Viti Wine Tours, empresa de receptivo para o enoturista na Borgonha e regiões próximas.

“Respondo que é impossível. Muitas vezes, a pessoa insiste e diz que paga o que for. Não é uma questão de preço. Eles não têm infraestrutura para receber turistas.”

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O Domaine du Château de Meursault, na Côte de Beaune, é uma das maiores vinícolas da Borgonha e também uma das mais preparadas para receber turistas. A casa produz tanto brancos como tintos

Visitar o Romanée-Conti ou os domaines da Madame Leroy é praticamente impossível, mas Pryscila consegue marcar visitas a muitos domaines importantes que não são abertos ao público, como o Domaine Michel Gros, em Vosne-Romanée. Consegue também atenções especiais, como visitar os vinhedos do Domaine Jean Noël Gagnard, que costuma só oferecer degustação na loja da vinícola para quem vai sozinho.

“Se [além do aprendizado] o objetivo também for turismo, levo, por exemplo, ao Château de Pommard, com uma bela infraestrutura para receber o turista. Um lugar lindo”, adianta Pryscila.

Um toque brasileiro na Borgonha

Em meados de 2024, dois irmãos de Brasília, Rafael e Juliano Silveira, o primeiro da área de comércio eletrônico de vinhos e o segundo da gestão de investimentos, apresentaram em São Paulo os ótimos vinhos da Maison Arnaud Boué, uma pequena vinícola na Borgonha, em Aloxe-Corton, que eles compraram em 2020. Na verdade, entraram de sócios do enólogo Arnaud Boué (foto), arrematando 98% da empresa e deixando Boué na administração da propriedade.

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Rafael e Juliano Silveira: “A ideia é criar um legado”

Brasileiro comprando vinícolas no exterior não é novidade, mas, na Borgonha, sim. O preço da terra na Borgonha costuma ser impraticável. Para se ter uma ideia, em setembro passado, o grupo francês LVMH comprou 1,3 hectare de vinhedos por 15,5 milhões de euros. Os irmãos estão comprando terras para fazer vinhos com uvas próprias. Os brasileiros não declaram quanto pagaram pelo terreno.

Alguém pode argumentar que a transação da LVMH envolvia parcelas de grand crus de muito prestígio, mas a dos brasileiros também. Os irmãos já têm parcelas de premier cru em Nuits-Saint-Georges e de grand cru em Corton, que renderam tintos muito elegantes, por sinal. Compensa investir na Borgonha? “Nossos objetivos não são a curto prazo”, diz Rafael. “A ideia é criar um legado.”

Reportagem publicada na edição 126 da revista, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.

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