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A queda generalizada dos mercados na quinta (3) e na sexta-feira (4) continuou na noite do domingo (6). As bolsas asiáticas despencaram. Houve quedas de 13,2% em Hong Kong e de 7% em Tóquio e em Xangai. Na Europa, a bolsa de Londres cai 4,5% e a de Frankfurt recua 5,3%.
No pré-mercado em Wall Street, os índices S&P 500 e Nasdaq Composite recuam cerca de 3,5%. O S&P 500 está prestes a entrar no mercado de baixa (“bear market”), termo técnico que indica uma queda de 20% em relação ao recorde anterior.
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Segundo analistas, a queda dos mercados incinerou US$ 8,2 trilhões (R$ 48 trilhões) em três dias, quase quatro vezes o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Foi uma perda de valor mais intensa do que a da crise do subprime, em 2008.
Essa catástrofe foi provocada pela reação chinesa, divulgada na sexta-feira (4), ao aumento de tarifas dos Estados Unidos anunciadas por Donald Trump na quarta-feira (2). A China foi um dos países mais afetados. Já havia sido punida com tarifas de 20% e, na quarta-feira, Trump anunciou uma alta adicional de 34%. Com isso, a alíquota chinesa cresceu 54%. Um item que chegava aos portos da California custando US$ 100 passou a custar US$ 154, o que tem o potencial de elevar drasticamente os custos dos milhões de produtos importados pelos Estados Unidos.
As reações seguiram durante o fim de semana. Na manhã do domingo (6), a montadora britânica Jaguar Land Rover anunciou que vai suspender as exportações para os Estados Unidos por um mês, enquanto avalia o impacto da tarifa de 25% imposta pelo governo sobre todos os veículos importados.
Em seu anúncio na quarta-feira, Trump informou que a União Europeia teria tarifas de 20%. O Reino Unido, parceiro comercial e estratégico histórico, teria apenas o mínimo de 10%, assim como o Brasil. No entanto, veículos pagam 25%, independente da origem.
A decisão da Jaguar Land Rover mostra que, apesar de os Estados Unidos terem aliviado para os britânicos, o impacto sobre os veículos não passou desapercebido. E as bolsas europeias estão caindo porque espera-se para esta segunda-feira um anúncio de alta de tarifas pela Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia.
Testada e reprovada
Por que uma reação tão intensa dos mercados? Porque esse filme já foi exibido, e o final não foi feliz. Na década de 1930, para preservar a indústria americana da competição internacional e defender empregos, o governo do presidente republicano Herbert Hoover impôs tarifas comerciais protecionistas, apesar de diversos economistas terem advertido que seria uma péssima ideia. A Lei Tarifária de 1930, também conhecida como Lei Tarifária Smoot-Hawley, teve consequências devastadoras.
Em 1929, o colapso da bolsa já indicava os primeiros sinais de uma desaceleração da economia. Houve duas medidas governamentais para tentar conter a crise. A primeira foi uma contração monetária realizada pelo Federal Reserve (FED), o banco central americano. A segunda foi a Smoot-Hawley.
Ambas pioraram bastante uma situação já ruim. E apesar de Franklin Delano Roosevelt, eleito em 1932, ter implantado o “New Deal” e realizado gastos públicos maciços, a recessão só acabaria em 1937, quando os Estados Unidos passaram a gastar fortunas para reequipar suas forças armadas, se preparando para a Segunda Guerra Mundial.
Noventa e cinco anos depois, a história se repete. Nos próximos anos, é bastante provável que o discurso desconexo de Trump, exibindo uma placa com alíquotas de imposto semelhante a um cardápio de botequim, seja citado nos dicionários como exemplo para o termo “tiro pela culatra”.
Tiro pela culatra
A expectativa era de que as tarifas fossem um problema administrável para a economia e para os mercados. Em circunstâncias ideais, o anúncio dispararia inúmeras rodadas de negociação, algumas bilaterais, outras por meio de blocos econômicos.
Essas negociações resultariam em acordos aceitáveis tanto para os países parceiros quanto para os Estados Unidos, e seriam vistos como um esforço do governo Trump para resgatar empregos americanos e transformar a economia dos EUA. Em vez de um país dependente de produtos importados baratos, financiados com a emissão de dólares, a meta era um país focado na produção industrial.
Os riscos eram um aumento da inflação e a manutenção de juros elevados por mais tempo. E uma desaceleração temporária no crescimento econômico enquanto eram feitos os ajustes.
Ledo engano. Trump anunciou a nova (des)ordem mundial e disparou um movimento de caos nos mercados, na economia e potencialmente no tabuleiro do xadrez geopolítico. Além dos anúncios da China e da Jaguar Land Rover, notícias desse tipo vão se multiplicar nas próximas semanas, levando investidores, empresários e consumidores a se desdobrar para entender o que mudou e o impacto disso nos seus negócios e na sua vida.
Nova desordem mundial
A decisão de Trump iniciou a criação deu uma nova desordem mundial. Nos últimos 80 anos, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, houve um processo contínuo, embora irregular, do que se convencionou chamar de globalização. Resumindo, a tendência foi, na maior parte dos casos, abertura comercial, livre fluxo de capitais e bens (nem tanto de pessoas) e integração entre as economias.
Os Estados Unidos não foram totalmente beneficiados nesse cenário, e isso não foi um acidente. Ao longo das últimas oito décadas, a geopolítica americana incluiu gastar dinheiro sem reciprocidade, começando pelos investimentos a fundo perdido na reconstrução de Alemanha e Japão, inimigos recentes.
Bondade? Não, o bom e velho pragmatismo americano. A percepção era que ficava muito mais barato gastar dinheiro (e empregos) e permitir que outros países se tornassem concorrentes privilegiados do que enfrentá-los em mais uma guerra, dessa vez potencialmente nuclear.
Claro que não foi uma competição igual para todos. Nações da Ásia e da Europa levaram vantagem, países da América Latina e da África nem tanto. Porém, no fim do dia, essa estratégia garantiu pelo menos sete décadas de paz.
Mudança no modelo
A primeira eleição de Trump em 2016 foi um divisor de águas. O modelo dava sinais de fadiga devido ao duplo déficit – público e comercial – dos Estados Unidos e devido também à colheita desigual dos frutos da prosperidade. Nunca se gerou tanta renda e nunca tantos seres humanos saíram da pobreza. Porém, se os pobres ficaram menos pobres, os ricos ficaram muito mais ricos.
Isso gerou ressentimento, que foi explorado habilmente pelos políticos de extrema direita. Era mais fácil culpar os imigrantes e os produtos importados do que explicar a dinâmica de uma economia globalizada.
O “Dia da Libertação” de Trump foi apenas o mais recente (e provavelmente o maior) movimento de retração das tendências das últimas décadas. Suas consequências são imprevisíveis, como o próprio Trump. Porém, o cenário anterior de coexistência pacífica e economia globalizada está, por força, dando lugar a algo novo. Que ainda não tem uma forma definida, mas que deve ser menos cooperativo, menos pacífico e menos próspero.
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