Uma Guardiã para 10 Mil Fazendas em Busca de Sustentabilidade

  • Autor do post:
  • Tempo de leitura:9 minutos de leitura

Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo.

 

Dia 18 de março foi especialmente uma data importante para a engenheira ambiental Aline Locks, 42 anos, e que há 20 anos atua no agro. A Produzindo Certo, empresa de inteligência socioambiental da qual ela é CEO – e que nasceu como uma ONG lá em 2004 –, registrou a fazenda de número 10 mil em sua plataforma.

“Chegar a 10 mil fazendas foi um ponto simbólico para nós. Representa que é possível aplicar sustentabilidade de forma estruturada, técnica e com escala dentro da produção agropecuária”, disse Aline, que é CEO da Produzindo Certo, à Forbes na semana passada, quando já eram exatamente 10.030 fazendas no sistema, o que significa cerca de 8,5 milhões de hectares monitorados. Com atuação em 20 estados brasileiros e presença também no México, Paraguai, Colômbia e Argentina, a Produzindo Certo vem estruturando um modelo de assistência técnica em sustentabilidade com base em dados primários, análise remota e monitoramento contínuo.

O número de fazendas representa um avanço expressivo em relação à fase anterior, a de ser uma organização não governamental com o nome Aliança da Terra, que foi fundada pelo produtor americano John Carter e que até 2018 havia atendido cerca de 1.200 propriedades rurais. A virada para o modelo empresarial ocorreu em 2019.

Aline, que em 2021 entrou na lista Forbes das 100 Mulheres Poderosas do Agro, está no projeto desde a sua fundação e diz que a decisão de migrar de ONG para empresa se deu por causa da limitação estrutural da filantropia em alcançar escala e a necessidade de vincular indicadores ambientais às relações comerciais do agro. “A gente via empresas testando pequenos projetos, sem conexão direta com o mercado. Era preciso inserir a variável ambiental como componente das operações comerciais”, afirma ela.

Com o crescimento da operação, a Produzindo Certo abriu sua primeira rodada de captação com investidores em 2024, no valor de R$ 10 milhões, classificada como pré-série A. A previsão de fechamento é para este mês de abril e os recursos estão destinados a três frentes: avanço tecnológico da plataforma, com integração de inteligência artificial para validação automática de imagens, documentos e evidências; estruturação de um modelo de negócios para uma rede de técnicos homologados; e fortalecimento das áreas comercial e de marketing.

Mas o que de fato faz a Produzindo Certo? Nomes como ADM, Bunge, Cargill, Unilever, Danone, Nestlé, Mars, Rabobank, Sicredi e Itaú – que atuam na originação, financiamento ou industrialização da produção agropecuária – fazem parte do portfólio. São elas que contratam a expertise da equipe de Aline para realizar diagnósticos socioambientais nas fazendas da sua cadeia de suprimento. O produtor rural, embora beneficiário do serviço, não é o cliente direto. Segundo Aline, menos de 5% das propriedades da base procuraram a empresa por conta própria.

O protocolo utilizado envolve visita presencial obrigatória à fazenda para coleta de dados por técnicos homologados, aliada ao cruzamento com bases remotas de informações sobre desmatamento, focos de calor, mapas de carbono, embargos, listas de trabalho escravo e outros. A análise, que antes levava até sete dias, hoje é processada em cerca de uma hora, graças à tecnologia da plataforma própria. O relatório gerado inclui diagnóstico, plano de ação, escore de sustentabilidade e recomendações. “Com tecnologia, transformamos essa base complexa em informações claras e acionáveis para as empresas e para o produtor”, diz ela.

Agora, a ideia é acelerar o uso da inteligência artificial nos processos, ainda em fase de desenvolvimento, para a validação automatizada de imagens enviadas por técnicos: fotos de tanques de defensivos, alojamentos, áreas de depósito e outras estruturas poderão ser analisadas por IA em lugar da triagem manual feita hoje por analistas humano. Mas o modelo de rede de extensionistas homologados, treinando profissionais que já atuam em campo por bancos, cooperativas e empresas do agro continuará em uma outra dimensão, acredita ela. A obrigatoriedade da visita presencial ainda é considerada indispensável para atestar conformidades trabalhistas, estruturais e operacionais que não são captadas por sensoriamento remoto.

As empresas têm demandas específicas segundo Aline, entre elas mensuração de emissões de gases de efeito estufa, certificações socioambientais e avaliação de riscos regulatórios, como embargos, passivos fundiários e cumprimento do Código Florestal. Um ponto central das demandas é a medição da pegada de carbono no chamado escopo 3, aquele que envolve a cadeia de fornecedores das empresas, como determina a lógica de compromissos de net zero adotados por grandes corporações.

“As empresas entenderam que, para cumprir seus compromissos de net zero, precisam conhecer com precisão a realidade socioambiental das fazendas que compõem sua cadeia. É aí que entramos: medindo emissões, avaliando riscos regulatórios e organizando essas informações com base técnica e auditável”, afirma Aline Locks.

Segundo ela, com a  medição real das emissões na origem — no nível da fazenda —, a plataforma permite que as empresas substituam a média nacional de emissões por dados precisos, o que reduz o volume de créditos de carbono necessário para compensação. “Se a soja vem com uma pegada medida e mais baixa, o custo da compensação cai”, diz ela.

Não por acaso, ela acompanha com atenção máxima os cenários de adaptação global do agro às regulações ambientais, como é o caso do Regulamento da União Europeia sobre Produtos Livres de Desflorestação (EUDR). Previsto para entrar em vigor até até 31 de dezembro deste ano para grandes e médias empresas, ele trata de commodities como madeira, cacao, café, soja, óleo de palma, gado/carne e borracha. “A regulação traz exigências adicionais que vão tornar o processo mais burocrático e caro, e o custo tende a ser repassado ao produtor”, afirma Aline.

Um dos refinamentos em curso que vem ajudando nesta tarefa, e que deve ganhar escala, foi a criação do Reg.IA (Consórcio de Agricultura Regenerativa), o primeiro da América Latina. Nesse modelo, produtores que implementam práticas como cobertura permanente do solo e redução de insumos químicos recebem um prêmio de 2% sobre o valor de venda do milho e da soja, pago por empresas como BRF e Milhão Ingredientes. A Bayer, Agrivalle e o grupo de pesquisa GAPES participam como mantenedores. A Produzindo Certo executa o protocolo, realiza as medições e entrega os laudos que fundamentam os pagamentos.

A empresa também conduz projetos para avaliar indicadores de solo, carbono e biodiversidade em áreas agrícolas, mas evita estruturar projetos com foco exclusivo na geração de crédito de carbono. “No Brasil, é muito difícil gerar crédito de carbono a partir da atividade agropecuária. As práticas mais comuns, como plantio direto, já são adotadas há décadas e não configuram mais adicionalidade, o que inviabiliza economicamente os projetos”, diz Aline.

Outro tema no radar é a conexão entre sustentabilidade e financiamento agrícola. A plataforma já monitora 100% das fazendas para critérios como desmatamento e condições de trabalho, por exemplo, agora trabalha para que o laudo técnico da Produzindo Certo sirva como comprovação válida para obtenção de crédito rural com taxas diferenciadas, como prevê o Plano Safra, que oferece redução de juros para propriedades que demonstrem boas práticas ambientais. “O crédito rural é um insumo estratégico para o produtor. Se conseguirmos conectar sustentabilidade com acesso a financiamento, criaremos um incentivo real para quem já faz a coisa certa no campo”, afirma Aline. A empresa está em tratativas com o governo para a validação do laudo como documento oficial.

O post Uma Guardiã para 10 Mil Fazendas em Busca de Sustentabilidade apareceu primeiro em Forbes Brasil.

Deixe um comentário