A inflação e os gargalos nas cadeias de abastecimento estão inundando os noticiários. O que antes era uma preocupação de nicho parece ter se transformado em uma narrativa significativa, com efeitos na política. Termos como a “Curva de Phillips” e curvas de custo intrincadas no transporte marítimo vieram à tona à medida que a economia mundial lida com políticas monetárias agressivas, políticas de saúde imprevisíveis e estímulos fiscais combinados com lockdowns.
A inflação é “transitória” como resultado do Covid-19? Ou veio para ficar? Qual é o papel do bitcoin no que diz respeito à inflação?
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1 – A inflação é mais ampla do que parece
A mídia norte-americana muitas vezes comenta apenas sobre a inflação quando se trata de um contexto político americano. Raramente o resto do mundo recebe tanta atenção. Uma inflação americana pode valer duas ou três hiperinflações em outro lugar, quando se trata do ciclo da mídia.
E não são apenas os países que são regularmente citados como “gastadores”, ou que são tidos como típicos exemplos de hiperinflação, como a Venezuela. Argentina, Líbano e Turquia são grandes potências econômicas que têm sido afetadas por inflações que mudaram suas histórias e a vida de muitas pessoas. Por exemplo, na Argentina, conhecida por seu amor cultural por cortes finos de carne bovina, os residentes relataram que não podem mais comprar carne.
É importante reconhecer que, nos EUA, falamos de inflação apenas com foco no contexto local, onde ela não chegou a surtir o mesmo efeito que teve no resto do mundo. Globalmente, é generalizada a história de elites políticas e banqueiros que mal-interpretam a narrativa e causam sofrimento econômico. Só agora a narrativa americana está começando a entender uma nova versão dessa discussão.
Os Estados Unidos viram a inflação aumentar recentemente e lideraram o seu crescimento entre o terceiro trimestre de 2019 e o terceiro trimestre de 2021, de acordo com a Pew Research. No entanto, o mundo viu grandes aumentos médios em 2008 e 2011 na taxa de inflação: nesse período, os Estados Unidos (e a maioria das nações desenvolvidas) viram números de inflação baixos, os mais baixos em 50 anos, de 2009 a 2014.
Nesse meio tempo, o Líbano se aproximou da fome e foi constatada uma falta de acesso a produtos básicos, como remédios, devido à dizimação da libra libanesa pela inflação. Países ao redor do mundo estão vendo altas na inflação, levando a ações políticas e protestos como os vistos na Espanha, em que caminhoneiros reclamam sobre os aumentos proibitivos dos preços dos combustíveis.
A inflação é um problema mundial e, como tal, requer uma perspectiva mais global. Há camadas de contexto que vão além de um foco exclusivo nos Estados Unidos.
2 – A inflação é difícil de prever academicamente
O maior exemplo de estagflação nos Estados Unidos, uma economia estagnada com alto desemprego junto com a inflação, também surpreendeu os acadêmicos quando surgiu pela primeira vez na década de 1970.
A Curva de Phillips, a relação entre os salários e a inflação, foi observada e desenvolvida pela primeira vez em 1958.
Em termos gerais, os economistas tendem a ver o desemprego e a inflação como uma compensação: baixa inflação e alto desemprego, ou alta inflação e baixo desemprego. As prescrições de políticas e o mandato “duplo” do Federal Reserve e da maioria dos bancos centrais decorrem disso: garantir que a economia esteja funcionando em direção ao emprego máximo, ao mesmo tempo em que mantêm a inflação dentro de uma certa faixa estável e baixa.
Uma análise do Federal Reserve fala sobre as diferentes implicações da Curva de Phillips quando observada em diferentes horizontes de tempo, incluindo a tendência de que, no longo prazo, a alta inflação parece, por sua vez, “causar” alto desemprego.
Os acadêmicos, entretanto, discordam sobre se a Curva de Phillips está adormecida com a recente curva de queda da inflação no mundo desenvolvido, se está morta ou se é realmente uma relação funcional. Isso leva a uma situação em que, dependendo do período de tempo que você olha e do país, você pode obter uma resposta totalmente diferente.
Os economistas desta geração, criados em um ambiente de baixa inflação e com a “necessidade” de estímulo fiscal e monetário, estão gradualmente assumindo as cadeiras daqueles que foram surpreendidos (e tiveram que reconfigurar a economia em sua totalidade) após um período sustentado de alta inflação e baixo emprego.
Na prática, o Federal Reserve e muitos outros bancos centrais, por meio de estímulos monetários agressivos, estão agindo como se a Curva de Phillips estivesse morta ou pelo menos fortemente adormecida – resta saber se esse é o caso.
3 – É importante decompor as causas mais “temporárias” e mais permanentes da inflação
Quanto da inflação é causada por problemas da cadeia de suprimentos que passarão com o período de ajuste, após essa grande turbulência econômica? Os preços do transporte marítimo, por exemplo, quase dobraram, com navios presos nos portos e escassez de trabalhadores para descarregar uma linha de carga em expansão.
No entanto, podemos esperar que isso diminua exatamente pelas razões “transitórias” frequentemente citadas? Ou seja, que um aumento na demanda (especialmente a demanda de férias) de economias restauradas está impulsionando os preços e a instabilidade em toda a cadeia de abastecimento, mas logo se estabilizará em uma economia “normalizada”?
Não conte com isso: a Covid-19 mostrou uma capacidade incrível de se transformar em novas variantes – mesmo dois anos ou mais depois, a resposta padrão das elites políticas parece ser um estímulo fiscal e monetário sem precedentes para emparelhar com paralisações mais amplas, seja por motivos culturais ou legais (como visto no Canadá e na Europa).
No entanto, esse nível de análise, que já pode nos levar ao médio prazo econômico (2025 e além), também precisa ser complementado por considerações de longo prazo. Certos países viram seu mix de energia mudar radicalmente – a China, por exemplo, tornou-se um importador de alumínio depois que os mandatos de energia proibiram a produção de alumínio no território doméstico. Olhando além da questão temporária, esta é uma mudança estrutural em um componente-chave de manufatura.
Há também a ideia de que salários mais altos estão levando a níveis mais altos de inflação, que é a base da Curva de Phillips. Mantendo todas as outras coisas iguais, salários mais altos estão correlacionados com curvas de inflação mais altas no médio prazo.
Mais importante ainda, há um aumento global na oferta monetária. Nos Estados Unidos, por exemplo, a oferta monetária M2 (uma medida de quanto dinheiro está em circulação, com dinheiro físico, equivalentes de caixa e depósitos bancários líquidos contabilizados, com o diferença em M2 e M1 em grande parte sendo poupanças de longo prazo de pequeno valor e depósitos de poupança) acelerou dramaticamente devido à resposta política à Covid-19.
No longo prazo, existe uma associação bastante robusta entre o crescimento da oferta de moeda e a inflação. É esse efeito que o bitcoin está mais bem posicionado para lidar, e que conversa com a escala de tempo de longo prazo da Curva de Phillips: um mundo onde as respostas políticas que permitem que a inflação esquente acaba levando a um excesso de oferta de moeda, criando uma economia que não responde a estímulos monetários – levando à estagflação – alto desemprego, alta inflação e agitação política.
4 – Qual o papel do bitcoin na inflação?
O bitcoin é considerado uma proteção anti-inflação. No entanto, à primeira vista, as pesquisas não parecem confirmar isso. O bitcoin recentemente, como resultado do investimento institucional, tornou-se bastante pró-cíclico ou alinhado com movimentos mais amplos do mercado.
Se o mercado cair, o bitcoin tende a cair também, o que significa que quando surge uma notícia sobre a inflação, o bitcoin não necessariamente terá um desempenho puro.
Afinal, os mercados irão afundar se houver notícias de que há inflação nos Estados Unidos, já que isso provavelmente pesará no duplo mandato do Federal Reserve e forçará uma mudança na taxa básica de juros ou na postura do banco central americano. Se a taxa básica de juros subir ou se houver aperto monetário, os preços dos ativos cairão – incluindo o bitcoin.
O papel do bitcoin na proteção contra a inflação é mais sutil do que seu impacto financeiro imediato e precisa ser separado de acordo com diferentes escalas de tempo, assim como fizemos com a Curva de Phillips.
É mais uma história filosófica, cultural e tecnológica do que financeira. Seus princípios de ser uma moeda internacionalizada sem política doméstica, e a ideia de impor fortes restrições técnicas ao controle da oferta monetária dão-lhe uma visão mais clara das implicações de longo prazo da Curva de Phillips. A saber, a política monetária que leva à alta da inflação no longo prazo acaba criando as condições para uma economia terrível que punirá os poupadores, os assalariados de baixa renda e qualquer pessoa que denominar seu valor em moeda fiduciária.
Ao chamar a atenção para isso, e manter os bancos centrais responsáveis pela transparência que devem a seus povos, o bitcoin reúne as pessoas em torno da compreensão do que se passa na oferta de dinheiro e na inflação, uma conversa tortuosa que os tecnocratas podem tender a esconder na obscuridade (como Alan Greenspan, o ex-presidente do Fed, dominou com o “falar-de-fed”). Também estabelece as condições para um controle mais permanente dos fatores inflacionários e de crescimento da oferta de moeda de longo prazo – combatendo diretamente uma das principais fontes do que pode ser uma inflação antiga e estabelecida.
O post Alta da inflação nos EUA: veio para ficar? Como o bitcoin ajuda? apareceu primeiro em Forbes Brasil.