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A cientista política Anna Paula Losi é uma maratonista. As corridas de rua, da França à paulistana São Silvestre, fazem parte de uma sagrada agenda que ela não abre mão. Mas, atualmente, a corrida que ela mais tem precisado de fôlego é contra o tempo para ver implementadas políticas públicas e privadas que mudem definitivamente o cenário da produção de cacau, especialmente no Brasil.
Anna Paula é a atual presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), com sede em Brasília. Em 2020, ela se tornou a primeira mulher a ocupar o cargo da entidade criada em 2004 e que reúne as três principais moageiras multinacionais que atuam no país, mais uma local. O grupo é responsável por 95% da moagem de todo o cacau produzido no Brasil.
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São elas, a norte-americana Cargill, a suíça Barry Callebaut e a inglesa OFI (Olam Food Ingredients), mais a brasileira IBC (Indústria Brasileira de Cacau). O Brasil produz atualmente cerca de 2o0 mil toneladas da amêndoas, mas tem potencial para chegar a 400 mil toneladas por ano. O cacau é uma das commodities que tem chegado a preços estratosféricos, com recorde de US$ 11 mil a tonelada no primeiro trimestre deste ano. Desde então desceu um pouco, mas não há sinais de que despenque, justamente porque falta cacau no mundo. Nesta segunda (30), na bolsa de Nova York, o contrato para dezembro terminou a sessão em com a cotação de US$ 7.722 a tonelada.
Anna Paula tem posições firmes sobre o papel do Brasil no cenário internacional e como as empresas que ela representa podem contribuir nesta missão. “Com o apoio governamental, investimentos internacionais e um plano estratégico claro, o país pode não apenas se tornar autossuficiente na produção de cacau, mas também exportar de forma competitiva”, afirmou ela em entrevista à Forbes. Confira:
A entidade que você comanda é formada por poucos atores, sendo três gigantes multinacionais que dominam o mercado. O que querem estas empresas?
Cada empresa tem seus interesses específicos, e competem entre si, mas todas têm um objetivo comum: fazer com que o Brasil volte a ser autossuficiente na produção de amêndoas de cacau. Dependemos da importação de cacau, e estamos passando por um momento crítico. Se não mudarmos o cenário do cacau, corremos o risco de parar fábricas por falta de matéria-prima. Temos trabalhado para que isso não aconteça, mas dependendo do que ocorrer com a produção no Brasil este ano, enfrentamos um risco real de ficar sem produto.
Se isso ocorrer, importar de onde?
O Brasil só pode importar cacau da Costa do Marfim e de Gana, mas esses países também estão enfrentando problemas de oferta. Dependemos da importação para manter as fábricas funcionando, mas a safra deste ano pode ser uma das piores devido a pragas como a vassoura-de-bruxa e a podridão-parda.
Como as empresas estão lidando com isso do ponto de vista institucional?
Cada empresa tem suas estratégias competitivas, mas estamos focando em projetos para aumentar a produção. Temos trabalhado para aumentar a produtividade das áreas já existentes e também em áreas não tradicionais, como São Paulo, Minas e Tocantins. Em dois ou três anos, essas novas áreas podem começar a fazer diferença, reduzindo a necessidade de importação.
O Brasil tem fama de não ter bom chocolate. Como você vê essa questão?
Não concordo com essa máxima de que o chocolate brasileiro não é bom. O que acontece é que o brasileiro gosta de chocolate ao leite, com mais açúcar e leite, enquanto o europeu prefere algo diferente. O cacau brasileiro pode ser melhor fermentado e ter melhores práticas, mas isso está ligado à renda do produtor. Quando o produtor tem uma renda melhor, ele pode esperar o momento certo para colher e fermentar o cacau adequadamente.
O preço da tonelada de cacau chegou a US$ 11 mil e neste mês de setembro flutuou próximo de US$ 7,9 mil na Bolsa de Nova York. Para onde vai esse mercado?
Esse preço flutua muito por causa da realização de lucros. O cenário de oferta e demanda global ainda é preocupante. O International Cocoa Organization (ICCO) estima um déficit de mais de 400 mil toneladas. Não temos visto uma retração no consumo porque o aumento do custo da matéria-prima ainda não chegou totalmente aos consumidores. Mas em algum momento, isso vai impactar a demanda.
Esse cenário abre uma janela para o Brasil voltar a ser um exportador?
O que vislumbramos é que precisamos abastecer o mercado interno. Com 300 mil toneladas de cacau no Brasil, não precisaríamos mais importar. A partir daí, qualquer excedente poderia ser exportado, mas o foco inicial é garantir a autossuficiência.
Com a China se tornando uma nova consumidora de cacau, isso impacta o mercado brasileiro?
O aumento do consumo na China é um fator que afeta o mercado global de cacau. A demanda na China vem crescendo nos últimos anos, e isso acaba pressionando ainda mais a oferta global. No entanto, a China ainda consome menos cacau per capita do que países como os Estados Unidos e os da Europa, então há muito espaço para crescimento. Isso pode, sim, ser uma oportunidade para o Brasil no futuro.
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