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Há cerca de 30 anos, os amigos de infância Julio Capua (que em 2024 figurou na 168ª posição da lista de Bilionários Brasileiros da Forbes, com patrimônio de R$ 1,92 bilhão) e Guilherme Benchimol (fundador da XP, na 36ª posição da mesma lista, com R$ 9,75 bilhões) não tinham R$ 5 mil para comprar uma moto KTM 250. Eles amavam acelerar entre as árvores, nas trilhas da serra fluminense, mais especificamente no Vale do Cuiabá, em Itaipava, onde o avô de Julio tinha um sítio da década de 1950. Resolveram ratear. “Mas claro que não deu certo, pois não tinha como andarmos juntos!”, recorda sorrindo o carioca de Botafogo, hoje com 45 anos, casado e pai de uma garota de 7 e de um menino de 12. “Minha mãe, que sempre foi mais fácil, viu aquela situação e me deu uma moto.”
De fato, o início da relação de Julio e Guilherme extrapola a amizade. “A gente ficou meio irmão. Depois de uns quatro anos da separação dos meus pais, a minha mãe foi casada com o pai dele durante quase 10 anos. Passávamos o fim de semana juntos, íamos para a casa da minha mãe em Angra dos Reis (RJ). Então, começou a coisa de mergulharmos, esquiarmos na água, a gente tinha muita afinidade, jogávamos tênis também.” Com o término do casamento dos pais de Capua e Benchimol, eles migraram para o motociclismo off-road, incentivados por amigos que faziam enduro.
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A paixão por natureza e pela prática esportiva outdoor foi decisiva em outra curva da vida de Julio. Em 2002, ele estreou de moto no Rally dos Sertões, competição duríssima que cruza diversos estados brasileiros. Gostou tanto da brincadeira que acabou comprando a prova em 2018. Com a ideia de ampliar o leque de modalidades disputadas no Sertões, adicionou bicicleta e kitesurf – e foi por causa dele, do kite, que Julio conheceu a Praia do Preá, no Ceará, lugar da Terra com a melhor condição de vento e de mar para tal prática, uma praia quase deserta vizinha à agitada Jericoacoara.
Ali, Julio, ex-CFO da XP, teve uma epifania: transformar um enorme vazio no primeiro destino turístico planejado brasileiro, com a preocupação não só de desenvolver a região para hotéis de diferentes categorias e empreendimentos imobiliários com pilares sustentáveis, mas também de criar boas condições de vida para as comunidades do entorno, bem como para as milhares de pessoas que foram atraídas para esse canteiro de obras. Assim, fundou o Grupo Carnaúba, em 2020.
O primeiro passo foi dar contornos a um condomínio de alto padrão, o Vila Carnaúba – pé na areia e com o ingresso proibido para veículos a combustão. Com o investimento inicial de R$ 150 milhões em uma área de 12 milhões de metros quadrados, bancado por Julio e um grupo de empresários, as primeiras casas e a estrutura inicial do beach club Carnaúba Wind House para os sócios-fundadores foram entregues no meio deste ano.
Nas palavras do cofundador e presidente do Conselho do Grupo Carnaúba, o Wind House é “um produto imobiliário inovador, versátil e stress free: estrutura de clube, conforto de hotel e sensação de pertencimento de casa”.
A seguir, trechos da entrevista com Julio Capua.
Forbes – Quais foram as suas principais influências profissionais?
Julio Capua – Meu pai foi um dos sócios-fundadores do Banco Garantia. Mas é natural que a gente demore muito tempo para descobrir o que vai fazer da vida. Além da experiência de mercado do meu pai, o meu avô, engenheiro civil, teve construtora e fábrica de cimento branco – ambas as influências foram muito fortes para mim.
Que faculdade você decidiu cursar?
Não queria ir direto para o mercado. Queria ter uma experiência antes. Então, fiz engenharia de produção, na PUC do Rio de Janeiro. Optei por engenharia porque achei que era um curso que te ensina a resolver problemas e a pensar. Gostava muito de física na escola. Sempre fui um bom aluno. Era um curso de cinco anos, mas, como sou um cara muito ansioso, fiz em quatro anos e meio. No último ano, comecei a trabalhar no financeiro da SC Johnson [indústria química norte-americana, no Brasil desde 1937], onde passei por diversas áreas. Me formei com 21 anos e logo depois fiz uma pós em finanças.
Em que áreas e por quanto tempo trabalhou na SC Johnson?
Entrei na Ceras Johnson, na área de planejamento financeiro. Depois fui para uma área de suporte financeiro a vendas, ajudava a definir campanhas comerciais, a definir os preços por canais. Passei para suporte financeiro a marketing, ajudei a lançar produtos, e virei gerente dessas áreas todas. Fiz meu primeiro M&A [sigla para Mergers & Acquisitions, ou Fusões e Aquisições] da vida quando a Johnson estava comprando inseticida da Bayer no mundo, fiz toda a parte de valuation [avaliação de empresa].
A ideia original era ficar de dois a três anos, mas acabei ficando sete. Gostei muito das pessoas, do lugar… Foi legal pois, apesar de ser uma empresa grande no mundo, no Brasil, era pequena, tinha escritório de 150 pessoas. Mesmo jovem, eu tinha acesso a todo mundo, até ao CEO. Foi bom para ganhar maturidade, mas sabia que não era aquilo. Nessas multinacionais, a partir de uma hora, tem muita política, as coisas são lentas. Quando pensei em sair, a dúvida era fazer um MBA no exterior que, em 2004, estava super na moda.
Desistiu do MBA por causa do convite do Benchimol para ir para a XP?
Sim, o Guilherme já estava em Porto Alegre desde 2001, após sair da Investshop. Ele montou a XP com o Marcelo Masonave e eu fui para lá em 2004. Na época, a XP fazia de receita uns R$ 80 mil por mês, com lucro de R$ 20 a R$ 30 mil. Comprei 15% da XP com o dinheiro com que eu ia fazer o curso de MBA. O Guilherme me convenceu que era melhor morar no Sul do que fora. Eu já tinha uma renda para ter uma vida boa em Porto Alegre. Tudo era barato, eu pagava R$ 600 de aluguel. Voltei para o Rio só em 2007, quando abrimos uma filial da XP lá.
Por quanto tempo você ficou na XP?
Fiquei 16 anos na XP. Até 2020. Comecei a sair em 2019, mas saí de verdade em 2020. Na minha história lá, basicamente toquei as áreas de retaguarda durante muito tempo, não só a parte financeira, mas a área de risco, jurídico, compliance, partnership, backoffice. Fiz as nossas rodadas de fund-raising, os M&A todos – até chegar à venda para o Itaú.
Quando vocês perceberam que a coisa estava no caminho certo?
A primeira vez que achamos que demos um pouco certo foi em 2006, quando a Ágora tentou comprar a gente para tocar a parte de varejo deles. Foi a primeira vez que falamos “olha, pode ser que isso aqui valha alguma coisa, tem alguém querendo comprar a gente, olha que loucura”. Era uma proposta de R$ 20 milhões, algo assim – para a gente, algo inimaginável. Se tivéssemos feito esse deal, eu teria ganhado R$ 3 milhões e virado funcionário da Ágora. Ainda bem que a gente não fez.
O que aconteceu para sair da XP?
Estava lá há 16 anos, já tinha feito meu ciclo de mercado, e a venda para o Itaú foi muito desgastante. Eu que estava no front da negociação. Fiquei quase dois anos nisso, assinamos em maio de 2017. Superestressante, vai e volta, quase morre 20 vezes no caminho. Quando a gente achou que estava tudo certo, passamos um grande sufoco no Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], quase vetaram a transação, tive que ir a Brasília umas 40 vezes para fazer reunião com os conselheiros do Cade. Passamos no Cade em março em 2018. Depois dessa aprovação, o Banco Central também tem que aprovar.
Tivemos que voltar para a mesa, refazer a transação inteira com a chance de ela morrer de novo, mas, enfim, aprovamos com o BC uma nova transação em agosto de 2018. Foram quase dois anos nessa missão. Teve uma saída boa sob a ótica financeira, mas achei melhor sair e fazer coisas sozinho. A XP já estava muito grande, 4 mil funcionários, empresa com muitas formalidades, muita reunião, muito comitê. Empresa grande não me dá esse prazer todo. Claro que uma empresa grande tem que ser assim, com muito processo e regra. Eu é que estava querendo coisa nova, problema novo. Aí, acabou aparecendo o Sertões. No fundo, começou como uma paixão, um hobby, desde 2002, quando fui de moto.
Como foi a evolução dos enduros para o Rally dos Sertões?
Enduro é trilha mais fechada e anda mais devagar. Aí o Alex Buchheim, em 2001, fez o Sertões com outros amigos e voltou dizendo que tínhamos que fazer, que rasga o Brasil, que é uma aventura. Em 2002, fui com ele. Largamos de Goiânia e fomos até Fortaleza em 10 dias, andando no meio do nada, com o sonho de ver o mar. Adorei a experiência.
O que mais marcou no seu primeiro Sertões?
É impressionante porque foi em 2002 e lembro de vários detalhes. Cada largada para uma especial [trechos cronometrados] era uma adrenalina. Lembro de uma noite, perto de Xique-Xique [BA], na barraca, até duas horas da manhã tinha música alta. Quando parou, e achamos que daria para dormir, entrou uma tia varrendo e era impossível dormir com aquela vassoura! (risos). No último dia, em Crateús [CE], a gente, mão de vaca para caramba, não tinha dinheiro para nada, não fazíamos reserva antecipada dos hotéis – chegávamos e víamos o que sobrava. E lá só sobrou um quarto no hotel, com uma cama de casal, e um banheiro nojento com barata para todo lado, não deu coragem de tomar banho. Deitamos com a roupa de moto, tiramos o colete e as botas – e colocamos travesseiros entre nós. Daquelas noites que você reza para acabar logo.
Como você passou de competidor para sócio?
Ah, aquelas coisas da vida… Destino. Participei de 2002 a 2006 todos os anos, depois não deu mais por causa da XP, já não dava para sair com tanta facilidade. Em 2008 fiz só metade; 2011 e 2012 fiz com o Guilherme. Em 2013, 14, 15 e 16 não deu mais para ir, XP pegando fogo. Depois do deal do Itaú, em 2018, a duas semanas para o Sertões, me dei este presente: fui de moto pela última vez. E foi nessa ida que eu conheci melhor o Marcos de Moraes, que era o dono do Sertões, mas não estava mais com muita vontade de tocar o negócio, queria mais competir. Então, juntei com os amigos, Alex Buchheim, Carlinhos Ambrósio e Sylvio de Barros, e compramos.
Nos últimos 5 anos, renovamos a marca, reposicionamos o Sertões não só como um rali, mas como uma marca de lifestyle, essa coisa de viver as belezas naturais do Brasil, de conhecer o nosso país. Demos também um “booster” na área social: levar medicina de qualidade para essas regiões, com quatro carretas médicas e voluntários do Einstein. Um terço das crianças das escolas por onde passamos precisavam de óculos e não tinham. Depois, expandimos para outros esportes. Hoje tem o Sertões de mountain bike, já fizemos dois anos: em Ibitipoca [MG] e Pirenópolis [GO]. Aí, veio a ideia de fazer o rali de kite (Sertões Kitesurf), que obviamente se juntava com o projeto do Carnaúba, uma corrida de kite, de cinco dias, velejando 500 quilômetros. O Brasil é o único lugar do mundo em que você pode fazer isso. Já fizemos três edições, e este ano vai ter de novo.
Quem te apresentou a Praia do Preá?
É culpa do Joaquim Monteiro de Carvalho, meu amigo e CEO do Sertões. Ele ficava me perturbando que eu tinha que aprender kite, que tinha a ver comigo, que eu ia adorar… Aí, o Guilherme e o Alex estavam começando a fazer e fomos juntos para o Rancho do Peixe, no Preá, em 2014. Aprendi muito rápido o kite. Passava de quatro a cinco horas por dia na água, tendo aula, porque a minha ansiedade de aprender logo era muito grande. Em três dias, eu estava velejando sozinho; no quarto dia, já fui do Rancho até Jeri.
Como a prática do kite levou ao projeto Carnaúba no Preá?
Voltei algumas vezes, mas a logística de pousar em Fortaleza era sempre difícil, muito longe. Até que em 2018 começou a ter voo comercial no aeroporto de Jeri, a 10 quilômetros da praia. Me deu o estalo de que, pela facilidade do acesso, achava que tinha uma oportunidade de a região se desenvolver muito, óbvio que com a âncora do kite, mas mais relevante para o turismo no Brasil. Em 2019, começo a fazer diligências pelas terras, a qualidade jurídica delas, a parte ambiental, até que decidimos por um terreno, eu e meu sócio americano, o Cristhian Bendixen, de 500 mil metros quadrados, que é a atual Vila Carnaúba.
Sacramentamos a compra em maio de 2020, no auge do lockdown. Fomos muito corajosos. Custou R$ 33 milhões. Depois, fui muitas vezes para a região, a praia toda à venda, a gente já tinha um bom histórico de ter pagado um terreno grande, e notamos que dava para fazer muito mais do que um simples condomínio. Tivemos a visão de fazer uma cidade planejada. Fizemos uma rodada, entre amigos que gostavam da região, levantamos R$ 150 milhões para comprar mais terras. Assim, surgiu o Grupo Carnaúba. Ano passado, levantamos um fundo com a XP e conseguimos mais R$ 150 milhões. Hoje somamos 12 milhões de metros quadrados e temos o direito de preferência sobre mais uns 8 milhões de metros.
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Quantos empregos serão gerados?
Vamos gerar 10 mil empregos diretos e indiretos ao longo dos anos. Planejamos um bairro Minha Casa, Minha Vida e outro grande bairro residencial, horizontal, com qualidade de vida, parques, pracinha e ruas largas. É uma missão entre 10 e 20 anos. Se der tudo muito certo, e o vento soprar a nosso favor, pode ser até mais rápido. Na parte hoteleira, já fechamos com Anantara; agora queremos levar um hostel da rede Accor e o Club Med. Temos conversas com o Nomade, de Tulum [México], com o Fasano, com o Beach Park, e outras marcas bacanas para construir esse destino.
O que o kite ensina que pode ser útil na caminhada de um empreendedor?
Qualquer esporte novo, no comecinho, tem perrengue. E no kite ainda mais: é na água, tem pipa, tem prancha, um monte de coisa nova para gerenciar. Então, é necessário ter resiliência. No mundo dos negócios, tirar qualquer coisa do zero também é muito difícil – se você não tiver resiliência, você não consegue. Não pode ter preguiça. Você tem que saber que vai levar muito caldo sim, mas é o preço que você paga para conseguir sair da inércia. Hoje, a vida dentro do Grupo Carnaúba está bem melhor, temos uma cultura formada, mas estamos a cada mês melhorando os processos. Mas no início foi caótico. Lidar com esse caos de começar com alguma coisa, e não se apavorar, não desistir, é superimportante.
Entrevista publicada na edição 116 da revista, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.
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