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A trajetória da chef Lili Almeida parece roteiro de filme, com direito a momentos de emoção, superação e uma ótima oportunidade surgindo atrás da outra – todas devidamente bem aproveitadas. A baiana aprendeu a cozinhar com a avó, ficou conhecida do público por meio de um reality show de culinária e arrebatou o coração de mais de um milhão de seguidores via redes sociais. E, agora, Lili acaba de lançar um livro. Nada de receita de moqueca, caruru ou vatapá. Comida baiana é a sua especialidade, mas nas páginas de A gente merece ser feliz agora, a chef trabalha com outros ingredientes e modos de fazer.
Com seu carisma único, Lili entrega textos curtos e contundentes, que inspiram positividade. São uma seleção dos temas de que ela tratou diariamente no Instagram, durante a pandemia, enquanto enfrentava uma grande frustração: o projeto de abrir um restaurante que fora adiado por força do necessário isolamento social.
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Suas palavras de esperança eram tudo de que muita gente precisava naquele momento. “Percebi que um simples ‘bom dia’ em um vídeo de 15 segundos mudava o dia de tanta gente. A partir dessa experiência, coisas boas começaram a acontecer no campo físico e espiritual”, conta ela. A seguir, uma conversa com a chef sobre esse novo momento, o da Lili escritora.
Como está sendo, para você, abraçar esse novo papel, de autora?
É uma sensação nova e muito boa. Estou vendo que as palavras fazem bem às pessoas, de verdade. Cada nova habilidade que a gente abraça aparece como uma nova vitória, e isso inspira os outros. Gosto de falar a partir de provérbios, que são frases ancestrais, de uma época em que as pessoas tinham pouco letramento. Porém, são profundas e nos educam até hoje. É uma linguagem simples, que todos compreendem, pois todos sentimos as mesmas coisas – o coração partido, perder alguém. Um mesmo texto impacta de formas diferentes. Uma leitora, por exemplo, escreveu uma poesia para mim. É profundo ver como isso atinge o leitor; onde essa pessoa estava quando minha mensagem chegou até ela.
Como é o seu processo de escrita?
Tenho um banco de frases e textos que li, que algum amigo falou, que vi num cartaz na rua. Se me tocou, vai tocar os outros. Inicio com a frase e vou escrevendo de acordo com o que acredito. Escrevo sobre o que acho que eu mesma preciso ouvir. Dizem que é uma filosofia com linguagem popular. Na pandemia, um médico me escreveu para contar que levava meus vídeos para a UTI, pois a mãe internada estava com Alzheimer e pedia papel e caneta para escrever o que eu estava falando quando ouvia a minha voz.
A conexão com a sua avó é sempre citada. Que lembranças você tem muito vivas dela?
Curioso, nunca me perguntaram isso. Quando ela ouvia uma crítica, logo rebatia com a frase: “Xará, me deixe”. Ou seja, você, xará, está fazendo igual, também erra. A outra frase dela que guardo até hoje é: “Quem come e guarda, come duas vezes”. Serve para tudo na vida. A minha lembrança mais antiga de minha avó é ela cozinhando, recebendo o peixe fresco; essa imagem é muito forte dentro de mim. Minha avó tinha essa inteligência que hoje represento, dessas intelectuais do gueto, como dizem na literatura. São curandeiras, cozinheiras, sem letramento, mães e avós que levam a história adiante pela oralidade. Por isso considero muito importante que mulheres negras escrevam livros, para que esse conteúdo saia da oralidade.
Você fala sobre como a gentileza e a gratidão estiveram sempre presentes no projeto de publicar um livro. Por quê?
Percebo que, quanto mais agradeço, melhor a minha vida fica. Entendi que tinha que me preparar, trabalhar e agradecer. Sobre gentileza, é porque achei a vida toda que era uma pessoa grossa e, quando cresci, me questionei: por que acho isso de mim? Na pandemia, cresceu muito rapidamente o número de pessoas me seguindo no Instagram. Percebi que um simples bom dia num vídeo de 15 segundos, como era o reels na época, mudava o dia de tanta gente. As coisas começaram a acontecer no campo físico e no espiritual. A gentileza muda a vida da gente.
Algumas oportunidades apareceram no seu caminho e você as agarrou. Escrever um livro foi uma delas, ou era um objetivo antigo?
Foi uma oportunidade. A editora veio atrás de mim e achei que fosse apenas mais um trabalho. Nem entendi direito, eles tiveram muita paciência comigo. Aí, finalmente, quando chegou uma mensagem na minha caixa de entrada, de uma foto da pessoa segurando o livro nas mãos, foi uma emoção que não consigo explicar, entendi que tinha mudado de vida. Já estou com outro livro na cabeça; parece que destravou algo. Quero contar minhas histórias, de coisas que vivi e tocam as pessoas, que me trouxeram aprendizados.
Você tem uma luz, né?
Nasci e cresci em uma casa de frente para o mar. Todo dia eu via aquela imensidão de azul; acredito que isso trouxe brilho para os meus olhos.
Na verdade, sempre fui assim, mas era muito insegura. Estudei em colégio particular, com gente branca, e sempre fui bem tratada, mas não sabia quem era, olhava para eles e não me via. Sabia que era uma comunicadora, que sabia quebrar um clima ruim. Aí vi que cuidar da minha vida e buscar saber quem eu era seria o melhor a fazer. Entendi posteriormente episódios de racismo que me aconteceram, mas que tinha que me concentrar no meu sonho, pegar minha a fé e transformar em energia, olhar pra frente, e não no que me machucou.
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Você ainda cozinha?
Só pra eventos de amigos – fiz o jantar de aniversário da Liniker aqui na Bahia. Tenho um amigo especial que mora fora e cozinho quando ele vem. Ainda quero abrir um restaurante onde possa receber as pessoas, cheio de amor para dar, bem baiana mesmo. Esse é um projeto. Trabalhei muito tempo pra pagar conta, agora tenho uma missão: faço o que amo e do melhor jeito que posso.
A cozinha comunica e a comunicação alimenta?
Totalmente. Me libertei quando descobri que meu lance era alimentar as pessoas, por meio da comida ou da comunicação. Quando estudei no Senac Pelourinho, em Salvador, e conheci a biblioteca com a formação alimentar da Bahia, via imagens da minha avó e tia. Fiz ligações que abriram um portal e entendi que ninguém me seguraria. Quis contar como as mulheres negras fizeram, como eram articuladas e revolucionárias. Fiquei mal porque me cobravam o restaurante, mas tive uma oportunidade incrível. Abracei, e várias coisas aconteceram. E vão me levar mais longe, pois a vida é pra frente. A gente não volta, a gente vai.
Donata Meirelles é consultora de estilo e atua há 30 anos no mundo da moda e do lifestyle.
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