“O futuro do trabalho não é uma força, é uma rede”, diz CEO da acaso

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Ricardo Rocha, CEO da acaso, acredita em um modelo de trabalho baseado em habilidades, não em cargos

Ainda na faculdade de engenharia, na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Ricardo Rocha percebeu que os modelos convencionais de educação e trabalho não eram para ele. Mas também não agradavam a maioria dos seus colegas. “Os alunos não gostavam das aulas e contratavam monitores particulares para ensinar a matéria na biblioteca”, conta o empreendedor, de 26 anos.

Ricardo viu ali uma oportunidade de negócio: junto de dois amigos, alugou um espaço do lado da faculdade, contratou os melhores professores de cada disciplina e atraiu os universitários com uma metodologia diferente, mais fluida. “Era sempre um processo de poucos para muitos, mas na realidade, cada um tem um pouco para ensinar e para aprender também.”

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O recifense liderou o empreendimento, que existe até hoje, por apenas dois anos. Mas essa serviu como a primeira experiência de levar inovação para um modelo, na sua visão, falido. Hoje, Ricardo é CEO da acaso, startup que se posiciona como o sistema operacional das organizações do futuro. Cofundada em 2021, já atraiu grandes empresas como Nubank, Santander e Ambev, recebeu um aporte seed no primeiro ano e, agora, está fechando mais uma rodada (valor não divulgado).

Na prática, os fundadores criaram uma plataforma baseada em IA que captura dados sobre os funcionários das empresas e traduz tudo isso para a linguagem de habilidades. Cada funcionário recebe uma jornada de desenvolvimento personalizada (com cursos, mentorias, pílulas etc). Já o RH recebe insights valiosos que o apoiam na alocação de recursos e talentos. “Quase 50% das pessoas preferem pagar contas do que fazer os treinamentos da empresa. Essa realidade não é muito diferente do que era o colégio ou a faculdade. Eu não gosto e não me engajo porque não é feito para mim.”

A startup propõe que as empresas conheçam a fundo o que têm dentro de casa para entender o que precisam desenvolver internamente e o que devem buscar fora. “Na maioria das empresas no mundo inteiro existe um monte de Rebeca Andrade trabalhando como advogada”, brinca o empreendedor. O grande objetivo é que os profissionais estejam nos seus lugares de maior potência, o que traz mais satisfação com o trabalho e também é uma vantagem para as empresas.

Ricardo acredita em habilidades, não em cargos, e em um modelo descentralizado e flexível. “O futuro trabalho não é uma força, é uma rede”, diz ele. Abaixo, o CEO da acaso discute o futuro do trabalho, os desafios do ambiente multigeracional e dos avanços da IA.

Forbes: Se o futuro do trabalho não é sobre força de trabalho, é sobre o quê?

Ricardo Rocha: O futuro do trabalho é skill based, ou seja, é baseado no nosso talento. Tem que ser baseado em pôr as pessoas certas nos lugares certos, sendo desenvolvidas para os lugares de maior potencial delas. E o futuro trabalho não é uma força, é uma rede.

Uma rede considera primeiro que cada ponto tem sua importância, entre cada ponto flui, informação, experiência, processos e trabalho. E cada ponto é móvel, flexível e depende do momento e dos desafios daquela empresa.

Nos sistemas centralizados, a gente tem o CEO e tudo sai dele, se você tira o CEO tudo é destruído. No sistema distribuído, é como se tivesse pequenos pontos e vários CEOs dentro da empresa. Tem o mesmo problema, mas em menor escala. E o sistema em que a gente acredita é um sistema fluido, em rede. Isso não significa bagunça, significa que a gente entende qual é o lugar onde cada pessoa performa melhor, a gente forma essas pessoas constantemente e adapta a organização constantemente para os desafios que existem e que vão surgir no futuro.

Quais problemas você enxerga na forma como o mercado de trabalho é hoje?

Os sistemas por trás tanto do trabalho quanto da educação estão completamente falidos. Focando no trabalho, tem um número que assusta bastante e que já vem se repetindo há pelo menos 3 anos. É um dado da Gallup que diz que 77% de todas as pessoas que trabalham estão infelizes ou desengajadas com o trabalho. Mas o mais assustador é que esse número só cresce.

Como surgiu a acaso?

Na pandemia, eu, Tiago Moraes, Renan Hannouche e Dante Freitas nos juntamos para potencializar o curso do Murilo Gama de reaprendizagem criativa. Nós criamos uma comunidade de mais de 500 mil alunos para falar sobre criatividade e inovação. E percebemos que existia um potencial que não estava sendo explorado pelo mercado de educação. Era sempre um processo de poucos para muitos, poucos professores falando para milhares ou milhões de pessoas e, na realidade, cada um tem um pouquinho para ensinar e para aprender também.

E como a acaso ajuda a resolver esses problemas que você citou?

A acaso nasce e evolui para ser o que a gente chama hoje de sistema operacional para as organizações do futuro. O sistema operacional é o que faz as partes operarem em sintonia, como o iOS do iPhone. Em uma empresa, são as pessoas, os processos, a cultura. A organização do futuro consegue se adaptar agilmente para as necessidades que mudam a todo momento. Para isso, ela precisa ter a aprendizagem contínua como cultura.

As empresas não focam como deveriam nas pessoas que elas têm dentro de casa. Elas não conhecem os talentos e acabam desperdiçando potencial. Pessoas diferentes têm talentos e lugares de potências diferentes, portanto elas precisam receber estímulos diferentes para caminhar numa jornada de aprendizagem única. Quando eu faço isso, a empresa também exerce sua maior potência.

Como isso acontece na prática?

Eu preciso olhar holisticamente para os profissionais que eu tenho dentro da empresa. Mas eu não posso tirar uma fotografia, eu preciso acompanhar continuamente. A tecnologia que a gente criou consegue acessar dados que já existem sobre as pessoas e dados que a gente está gerando a todo momento para que esse profissional se conheça e traduzimos tudo isso em habilidades.

Quando eu conheço o que eu tenho dentro de casa, o segundo passo é guiar essas pessoas em uma jornada de desenvolvimento e aprendizado especializada e que seja coerente com o lugar de potência delas.

Às vezes, a melhor coisa é ter uma conversa com alguém, fazer um curso, ter uma experiência em um projeto. São várias formas de aprender e de se desenvolver.

O terceiro passo é dar para o RH o potencial de pensar estrategicamente como alocar essas skills das pessoas para entregarem o melhor resultado para os desafios do presente e do futuro.

Como tudo isso ajuda o RH na alocação de recursos e talentos?

Quando eu dou essa inteligência para o RH eu viabilizo que ele entenda quais são as skills que eu preciso trabalhar hoje dentro de casa e quais eu preciso trabalhar no futuro para que eu consiga fazer os movimentos corretos, inclusive com eficiência de alocação de recursos.

Por exemplo, uma das empresas tinha o desafio de focar em inteligência artificial. Em vez de perguntar para os 8 mil desenvolvedores se eles sabiam algo de IA generativa, a empresa tomou como verdade que ninguém sabia e foi para o mercado contratar pessoas. Eles não conseguiram contratar e acabaram comprando uma empresa. Eu digo que a gente tem desperdício de talento e recursos porque a gente deixou de alocar as pessoas em lugares que talvez fossem mais propícios para elas e ainda teve que gastar dinheiro.

O que ajudou vocês a conquistar clientes grandes tão rápido?

É uma junção de vários fatores. O primeiro é uma necessidade muito latente de mudar o sistema que as coisas operam hoje, tanto em termos de aprendizado quanto de trabalho. A gente não vê muita diferença entre a educação e o trabalho.

O segundo ponto é que eu acho que a gente tem uma visão muito refrescante em relação ao que é esse presente e o que deve ser o futuro do trabalho. Com 26 anos, eu que nunca tive nenhuma experiência corporativa, estou chegando e falando para a BASF, com centenas de milhares de colaboradores, como eles vão trabalhar.

Quais os desafios e as oportunidades da IA no mundo do trabalho?

Ainda está em pauta a discussão de que a inteligência artificial chegou para roubar nossos trabalhos. Eu acredito que não é bem assim, mas pode ser que seja assim também. Não é sobre a IA, é sobre a nossa relação com a IA. Em uma pesquisa sobre quais áreas dentro das empresas estão com mais medo de serem substituídas pela IA, a primeira é o RH. Mas deveria ser a última porque para mim a IA é um convite para que a gente volte a focar no que a gente tem de melhor, que é ser humano.

Na acaso, a gente recomenda as melhores ferramentas de inteligência artificial para que você consiga aprimorar a sua eficiência operacional. A gente possibilita que as pessoas terceirizem o que é trabalho de máquina para a máquina e foquem no que é trabalho de humano, que exige criatividade, relação, conexão, confiança. E é um convite para que a gente pare de nos avaliar como máquinas, porque a gente é avaliado por velocidade de entrega, eficiência, rapidez, produtividade e isso é tudo KPI de máquina. Então incorporar a inteligência artificial para nos melhorar e não para não substituir depende de incluir essas ferramentas como aliado.

Mas a gente precisa saber usar porque eu não posso jogar uma calculadora na mão de uma criança e esperar que ela vai fazer contas. Da mesma forma, eu não posso dar o ChatGPT na mão de qualquer um de nós e achar que assim a gente vai resolver todos os nossos problemas.

Como as novas gerações estão transformando o mercado de trabalho?

As novas gerações estão chegando e forçando todo tipo de discussão. A geração Z, que é a última a entrar no mercado de trabalho, é uma espécie completamente diferente das outras. A gente está provocando várias reflexões dentro das empresas, e o pessoal está perdido em como nos engajar. Mas não é sobre engajar, é sobre colocar a pessoa no lugar de maior potência dela, dar uma jornada que faça sentido para ela e também para a empresa, e que não precisa durar 10 anos. A geração Z é a que menos permanece em média dentro das empresas, mas isso não precisa ser uma coisa ruim. A gente não precisa olhar para retenção se a gente entender que o futuro do trabalho é muito menos sobre você ter as pessoas dentro de casa e muito mais sobre ter o talento necessário.

Quais os desafios e as oportunidades de ser um jovem da geração Z lidando com empresas grandes e tradicionais?

A questão geracional é um desafio, sim, mas na maior parte do tempo é um grande diferencial nosso. A minha estratégia é estar junto de pessoas experientes, como o Gary Bolles, que me complementam.
Existem diferentes níveis de consciência em relação a esse problema. Eu falo do RH, mas esse problema é um problema de CEOs. Uma pesquisa mostra que 82% dos CEOs estão preocupados com a disponibilidade das skills corretas para resolver os problemas do presente e do futuro. Tem muita gente que olha para um time que está ganhando e acha que não é para mexer, mas time que está ganhando se mexe sim.

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Como você enxerga as discussões em torno do melhor modelo de trabalho?

Muitas vezes, no trabalho remoto, a gente entra numa call e não tem a capacidade de se conhecer. Mas esse modelo traz a flexibilidade para trabalhar em qualquer lugar do mundo, se conectar com qualquer pessoa do mundo, trabalhar praticamente a qualquer hora, é maravilhoso. Mas o presencial também é lindo porque cria uma conexão diferente. Não tem nada como você de fato conhecer uma pessoa em carne e osso. Mas a resposta de qual a melhor forma de trabalho é nenhuma porque essa resposta está em cada pessoa. Parte dessa equação se dá em como as pessoas se sentem mais ou menos conectadas com o que elas fazem.

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