Quanto realmente custará aos consumidores o acordo Mars-Kellanova

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Errol Schweizer

Produtos que se tornarão de um dono só Mars_Kellanova

A Mars, Inc., de capital fechado, firmou um acordo definitivo para adquirir a Kellanova, um desmembramento de lanches da Kellogg, por quase US$ 36 bilhões (R$ 197 bilhões na cotação atual), ou mais de 16 vezes o múltiplo EBITDA. Embora os acionistas estejam certamente entusiasmados com um negócio tão lucrativo, o mais provável é que os consumidores nos EUA pagarão um preço muito mais alto por um longo tempo.

A transação inclui todas as marcas, ativos e operações da Kellanova, incluindo marcas queridas pelas famílias, como Pringles, Cheez-It, Pop-Tarts, Rice Krispies Treats, NutriGrain e RxBar. A Mars possui muitas marcas em categorias complementares, como Snickers, M&M’s, Twix, Dove e Extra, além de algumas marcas de lanches e barras de café da manhã, como Kind e Nature’s Bakery.

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A Kellanova emprega mais de 23.000 pessoas em todo o mundo e registrou mais de US$ 13 bilhões (R$ 71 bilhões) em vendas em 2023. A Mars emprega mais de 150.000 pessoas e teve vendas superiores a US$ 50 bilhões (R$ 274 bilhões) em 2023.

A fusão tornará a Mars-Kellanova um dos cinco maiores conglomerados de alimentos e bebidas embalados do mundo, significativamente maior que rivais como Kraft Heinz, Mondelez, Campbell’s e General Mills, ficando atrás apenas de Unilever, Nestlé e Pepsico.

Mas as tendências recentes dos consumidores nas categorias da Mars e Kellanova não têm sido animadoras.

O volume da categoria de lanches como um todo caiu 1%, enquanto as vendas continuam a subir por causa dos aumentos de preços. De acordo com dados da NIQ (Nielsen IQ), o volume unitário da categoria caiu entre 6-8% desde 2019. Doces, biscoitos, crackers e salgadinhos subiram mais de 40% no preço de varejo, bem acima da inflação de preços do setor de alimentos, que foi de 30% desde 2019. O aumento dos preços para os consumidores tem uma forte correlação com os lucros recordes de muitos fabricantes e varejistas.

Executivos de CPG (bens de consumo embalados) admitem prontamente seu papel na inflação de preços, já que repassar os aumentos aos consumidores ajudou a aumentar os lucros, além de compensar o aumento nos custos de suas cadeias de suprimentos.

Errol Schweizer

Os famosos Snickers que inundam as prateleiras globais

“Os consumidores estão se acostumando com esses preços”, disse Steve Cahillane, CEO da Kellanova, a analistas e investidores em uma recente teleconferência de resultados, repetindo declarações semelhantes feitas desde 2022 sobre a resiliência dos consumidores diante dos aumentos de preços. Os investidores também incentivaram e recompensaram esse poder de precificação, alimentando uma espiral de “preço-lucro” que impulsionou ainda mais a inflação.

As categorias de lanches também são altamente concentradas.

As três maiores empresas, incluindo General Mills, Mars e Kellanova, detêm mais de 60% das vendas de barras de cereais, o que torna a aquisição uma potencial preocupação antitruste. As quatro maiores empresas, incluindo a Kellanova, detêm cerca de 60% das vendas de biscoitos e crackers. Da mesma forma, as três maiores empresas, incluindo a Mars, detêm mais de 80% das vendas de doces.

A concentração de categorias significa que, quando as empresas repassam os aumentos de preços aos clientes, há poucos concorrentes importantes além das marcas próprias das lojas que podem vender por um preço menor.

Segundo Alex Turnbull, analista de commodities, “quando você vai de 15 para 10 empresas, não muda muita coisa. Quando você vai de 10 para 6, muda bastante. Mas quando você vai de 6 para 4 – é um conluio”. A fusão Mars-Kellanova garante um jogador dominante a menos no mercado, tornando ainda mais fácil essa coordenação de preços de fato.

O acordo também facilitará a agregação de taxas de varejistas em todo o portfólio de marcas, incluindo taxas de slotting, marketing, posicionamento digital, compra de anúncios e despesas com mídia nas lojas. No setor de supermercados, escala gera escala.

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Grandes varejistas podem trabalhar de forma mais eficiente com menos marcas, mas maiores, que eles podem pressionar por mais receita e depender mais para obter dados. Isso inclui os chamados arranjos de “capitão de categoria”, em que as principais marcas fornecem insights sobre consumidores em troca de colocação de destaque nas prateleiras e prioridades promocionais.

Não é de se surpreender que grandes marcas de CPG dominem tanto o espaço nas prateleiras de grandes varejistas como Walmart, Target, Kroger e Albertsons, e que marcas emergentes de startups tenham taxas de atrito altíssimas, especialmente em categorias de lanches. A concentração de categorias nas prateleiras é tipicamente autorreforçada.

Isso também significa que a verdadeira inovação, vinda de proprietários de marcas diversas que comercializam novas tendências alimentares, será ainda mais difícil de estabelecer nas prateleiras.

Os investidores continuarão hesitantes em investir em novas marcas que lutam para ganhar espaço entre os monopólios do varejo e CPG. A maioria dos varejistas destina poucos recursos à inovação de novos produtos, já que marcas emergentes não conseguem gerar o mesmo nível de vendas e lucratividade por polegada quadrada de espaço nas prateleiras que as marcas incumbentes e de marcas próprias.

Há varejistas independentes e cooperativos que fogem dessas tendências, como The Wedge, Fairway Markets, Earthfare ou Mom’s Organic Market. Mas as poucas redes que controlam mais de 70% de todas as vendas de alimentos embalados, como Walmart, Kroger, Albertsons, Target, Ahold-Delhaize, Publix, entre outros, provavelmente estarão felizes em apenas vender containers de M&M’s com pedaços de Pringles e pepitas de nougat de Snickers com Cheez-It como “inovação”.

Demissões de trabalhadores, tanto de colarinho branco quanto de colarinho azul, também são um resultado inevitável dessas fusões.

Com a queda nos volumes unitários, o gigante dos lanches buscará eficiência na produção, operações e administração. A Mars-Kellanova possuirá marcas com significativas sobreposições de categorias em lanches e barras de café da manhã, incluindo NutriGrain, Rice Krispies Treats, Nature’s Bakery e possivelmente até Pop-Tarts e Kind.

A menos que consigam aumentar os volumes unitários ou que os reguladores antitruste forcem desinvestimentos, terão que cortar custos para atingir suas metas de lucro, combinando equipes e instalações de fabricação. As recentes demissões decorrentes da aquisição da RxBar pela Kellogg e o fechamento das instalações da Pacific Foods pela Campbell ilustram isso.

A aquisição também pode ajudar a Mars a mitigar os riscos em suas cadeias de suprimentos contra ameaças existenciais, como mudanças climáticas, preços mais altos do cacau e o uso crescente de agonistas de GLP-1, como o Ozempic.

Os maiores custos da fusão Mars e Kellanova, no entanto, serão arcados pelos consumidores.

Nem a Mars nem a Kellanova podem afirmar que a maioria de seus produtos são saudáveis ou densos em nutrientes. Um estudo recente documentou que mais de 70% dos 11.000 produtos fabricados pela Kellanova, Unilever, Nestlé, Kraft Heinz e General Mills eram insalubres. Embora a Kellanova tenha a RxBar e a Mars tenha a KIND, os portfólios de cada um desses gigantes dos lanches são principalmente compostos por alimentos ultraprocessados (AUPs).

Os AUPs têm atraído preocupações e críticas significativas, com estudo após estudo apresentando evidências contundentes. Uma dúzia de países, como França, México e Colômbia, aprovou regulamentações de rotulagem e tributação para restringir sua distribuição e consumo, à medida que mais e mais consumidores ao redor do mundo sofrem de níveis epidêmicos de obesidade, doenças cardíacas, hipertensão, diabetes, câncer e outras doenças não transmissíveis relacionadas à dieta. Esses custos externalizados não são levados em conta nos preços dos AUPs nas prateleiras ou no preço das ações dessa fusão de conglomerados alimentares.

A FAO, órgão da ONU, calculou recentemente que esses custos externalizados somam mais de US$ 10 trilhões (R$ 55 trilhões) por ano, corroborando um estudo anterior da The Rockefeller Foundation. Esses custos ocultos são a “matéria escura” econômica do sistema alimentar, 70% dos quais são “impulsionados por dietas não saudáveis, ricas em alimentos ultraprocessados, gorduras e açúcares”. Nos EUA, esses custos relacionados à saúde somam US$ 1,3 trilhão por ano, quase 30% a mais do que as vendas combinadas de toda a indústria de supermercados.

Em outras palavras, ao incluir as externalidades relacionadas à saúde, a indústria de supermercados tem um valor negativo de US$ 300 bilhões (R$ 1,6 trilhão).

Se incluirmos os custos sociais e ambientais, como roubo de salários, trabalho forçado, perda de solo, escoamento de pesticidas e impactos climáticos, o déficit da indústria de supermercados cresce para US$ 550 bilhões (R$ 3 trilhões) negativos.

Os fabricantes de alimentos processados não vão mudar de rumo por conta própria. E os investidores poderiam, em vez disso, estar financiando marcas inovadoras e com falta de recursos, infraestrutura de fabricação de alimentos saudáveis, cadeias de suprimentos de propriedade pública e conceitos de alimentos frescos que atendam às necessidades dos consumidores por conveniência, sourcing ético, saciedade e densidade de nutrientes. Mas um acordo de US$ 36 bilhões envolvendo alimentos embalados apresenta um retorno muito mais rápido, desconsiderando as externalidades.

O acordo Kellanova-Mars ressalta que 75% da dieta americana ainda é composta por alimentos ultraprocessados, densos em calorias e altamente desejáveis. Será necessário um enorme esforço para mudar essa realidade. Enquanto os executivos de CPG incentivam consumidores estressados, exaustos e com pouco dinheiro a comer junk food no jantar, o preço das ações da Kellanova, avaliado em US$ 83,50 (R$ 457) pela Mars, é um verdadeiro tesouro para os acionistas, como um Robin Hood ao contrário, com lucros sendo tirados diretamente dos bolsos dos consumidores. Um lucro inesperado que será subsidiado por inflação de preços, prescrições de Ozempic, hipertensão e prêmios de seguro mais altos por décadas.

*Errol Schweizer é colaborador da Forbes EUA desde 2021, consultor de varejo alimentar e editor do The Checkout Grocery Update. É membro do conselho, consultor e mentor de mais de 20 empresas de rápido crescimento nos setores de produtos naturais, varejo, CPG, cannabis, comércio eletrônico e organizações sem fins lucrativos.

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