O futuro como ele deveria ser

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O escritor Ray Bradbury (1920-2012) disse em um de seus principais livros, “Fahrenheit 451”, que “todos devem deixar algo para trás” como legado. “A diferença entre o homem que apenas apara gramados e um verdadeiro jardineiro está no toque. O aparador de grama podia muito bem não ter estado ali; o jardineiro estará lá uma vida inteira.”

Uma transformação que deixamos no mundo são filhos (exemplo citado inclusive pelo próprio Bradbury). Mas ainda assim, esse pensamento, irrefutável como pareça, soa um tanto incompleto. Afinal, muito do que há de errado no mundo é promovido por nós, seres humanos – que, obviamente, somos filhos de alguém. Há uma dimensão a mais a ser levada em conta – e esta, a meu ver, seria: cumpre transformar, sim, alguma coisa – mas para melhor.

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A noção (ou a definição) de “melhor”, claro, é e será tema para debate. Nem se pretende aqui defini-lo. Filosofias e religiões debatem isso desde que o homem passou a pensar, e não se vê como se chegaria a uma definição única e universal, válida para todo, em todos os contextos e épocas. Mas, observando a realidade tal como se dá aos nossos olhos, é óbvio que há melhoras a que se pode chegar, em diversos contextos. Um desses contextos, desde sempre presente nas discussões em diversos âmbitos, é o do acesso à saúde.

No Brasil, um país de desigualdades presentes, tem no acesso a serviços de saúde de qualidade uma imensa barreira ao avanço rumo a uma sociedade mais justa. Convivemos com carências seculares, como falta de infraestrutura (hospitais, laboratórios, postos de saúde) — mesmo infraestrutura sanitária (esgoto, água encanada).

Não significa que não tenha havido avanços e conquistas. O SUS (Sistema Único de Saúde) é um avanço civilizacional, reconhecido por sua abrangência. O desenvolvimento da tecnologia digital, cuja presença ganhou força ao longo da pandemia e ainda hoje, é uma via para que se leve serviços de saúde a todo o território brasileiro. O Hospital Albert Einstein, por exemplo, tem estabelecido, desde 2001, parcerias com o setor público na cidade de São Paulo, no acompanhamento do trabalho de equipes médicas, em c​apacitação, aprimoramento e gestão.

E, com indisfarçável orgulho, vejo em primeira mão o hiato geracional ser superado, com o recente envolvimento de meus filhos, Fabio e Gustavo, que fundaram a “Future Good, empresa para promover ações sociais – e já com um primeiro projeto: uma cabine de telemedicina no Complexo do Bem, na periferia de São Paulo. Desde muito cedo vejo o envolvimento e o engajamento de ambos em projetos sociais, e a Cabine de Teleatendimento “H.BOX”. Empresa lançada em outubro do ano passado, realiza exames essenciais, como medir temperatura e pressão arterial, glicemia, eletrocardiograma, acuidade visual, audiometria, exames de pele, ouvido, garganta e olhos. Foram mais de mil exames nos primeiros seis meses de funcionamento. Ver dois jovens, inspirados na minha profissão de médico, levarem um serviço de saúde a pessoas carentes destes serviços, desperta em mim uma humildade e uma honra que vai muito além do que cabe em palavras.

Aos jovens se atribui o narcisismo, por vezes desmedido, provocado pela disseminação incontida das redes sociais. Mas como em tudo que diz respeito ao ser humano, este não é, óbvio, o único quadro que se pode formar da juventude. A “rebeldia”, a irreverência, mesmo um certo desrespeito, podem gerar legados positivos, deixar boas obras pelo caminho, construir a ponte entre divisões sociais que, se não podem ser eliminadas, de modo algum deveriam ser tão grandes. Tudo é questão de saber que vêm aí novas gerações, que necessidades terão de ser atendidas ainda por um bom tempo, que melhorias são possíveis, seja qual for a noção de “melhor” que se considere.

Às vezes, o novo vem apenas se a visão anterior for em alguma medida desafiada; se à experiência dos mais velhos for acrescentado o frescor de uma visão formada por exemplos e experiências diferentes. Inovação, se formos considerar sua raiz mais básica, é isso. Os jovens são o maior atestado de otimismo que pode haver, como diz certa sabedoria popular. É deles necessariamente que virá a solução para a desigualdade – e para as crises climáticas, políticas, econômicas e de tantas outras ordens, que estarão entre nós por algum tempo ainda.

Deixamos a eles um legado, que eles – como os jardineiros de Ray Bradbury – vão adaptar e transformar em novos legados, sempre com um mundo cada vez melhor em vista, para estarem aí pela vida inteira.

Claudio Lottenberg é mestre e doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp). É presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.

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