Risco fiscal faz parte da pauta econômica e política do Brasil desde sempre. Formuladores de políticas públicas, empresas e o mercado financeiro como um todo vivem diariamente os desafios econômicos impostos pela dívida pública.
A preocupação do mercado quanto ao rumo dos gastos do governo, sempre foi motivo para instabilidade. Asseguro a você, é uma preocupação legítima. O fato é que a maioria de nós já “viu esse filme” muitas vezes e, por mais que o fantasma da hiperinflação vivida na década de 1980 e início da década de 1990, seja algo que ficou pra trás há muito tempo, de lá pra cá foram muitos os sustos e, sobretudo, altos custos sociais.
Considero importante que você compreenda o que significa risco fiscal e quais seus principais desdobramentos, pois isso pode ajudar na tomada de decisões quanto aos investimentos.
O que é risco fiscal
A definição ortodoxa, de forma simplificada, define risco fiscal como o desequilíbrio entre receitas e despesas do governo, e a decorrente preocupação de que este não consiga honrar suas obrigações financeiras por gastar muito mais do que arrecada.
Claro que pensando a partir da perspectiva da macroeconomia a definição é bem mais complexa e permeada por questões de ordem econômica com outras do âmbito político e até ideológico. Mas, eu não pretendo trazer aqui todas as questões subjacentes que existem em torno do tal risco fiscal, pois o tema é bem longo.
Mesmo sob pena de ficar na superficialidade da definição, entendo como suficiente para que você entenda o essencial sobre risco fiscal e a forma como ele pode impactar seus investimentos.
O risco fiscal é avaliado pelos agentes econômicos, que consideram a capacidade do governo de pagar suas dívidas. Se o governo é percebido como um bom pagador, o risco é menor, e vice-versa. E para ser percebido como bom pagador, é importante que o governo tenha transparência e um políticas claras, o que nem sempre acontece, gerando incertezas e baixa confiança.
Como o risco fiscal impacta a economia
A relação entre risco fiscal e a política monetária do Banco Central é complexa e multifacetada, afetando não apenas as taxas de juros, mas também o custo de financiamento do governo e a atratividade do país para investimentos.
Percepção de risco e fuga de capitais: quando o risco fiscal do país aumenta, os investidores podem perder a confiança na capacidade do governo de honrar suas dívidas e manter a estabilidade econômica. Essa perda de confiança faz com que os investidores, especialmente os institucionais, retirem seus recursos do país em busca de mercados mais seguros. Com isso, há alta demanda por dólares e, consequentemente, impacto direto na taxa de câmbio.
Inflação e Política Monetária: A depreciação do Real em relação ao dólar, pelo aumento do risco fiscal, tem efeito inflacionário relevante, já que produtos e serviços importados se tornam mais caros. Para conter essa inflação, o Banco Central pode ser forçado a aumentar as taxas de juros. No entanto, se o risco fiscal permanecer alto, os aumentos nas taxas de juros podem não ser suficientes para estabilizar a moeda, resultando em um ciclo vicioso de depreciação cambial e inflação, tal qual o país já viveu no passado recente.
Política fiscal versus política monetária: os teóricos da economia, definem a interação entre a política fiscal e monetária como dominância fiscal ou monetária.
Na dominância fiscal, as políticas monetárias do Banco Central se submetem às necessidades fiscais do governo. Isso significa que a política monetária perde eficácia na contenção da inflação se o governo mantém políticas fiscais expansivas sem o devido controle sobre o déficit.
Na dominância monetária, por outro lado, o Banco Central consegue controlar a inflação independentemente da política fiscal, embora isso possa exigir taxas de juros extremamente altas, impactando negativamente o crescimento econômico
O risco fiscal impacta os investimentos
O risco fiscal afeta tanto os investimentos em renda fixa quanto em renda variável. Em renda fixa, um aumento no risco implica na elevação nas taxas de juros, tornando esses títulos mais atrativos, como temos visto nas últimas semanas.
Ocorre, entretanto, que não existe mágica: se os títulos de renda fixa estão pagando maiores prêmios de risco, é justamente porque o risco é maior. Ou seja, existe menor confiança no país quanto ao potencial de crescimento e estabilidade econômica.
Sendo assim, você não pode perder de vista que o seu dinheiro está sendo melhor remunerado dentro de uma economia fadada a não crescer, e isso tem consequências no médio e longo prazo. Em outras palavras: um dia a conta chega.
No caso dos investimentos em renda variável, como ações, o aumento do risco fiscal produz o que poderíamos chamar de efeito em cascata: a incerteza quanto à habilidade do governo na gestão de gastos leva ao aumento nas taxas de juros, o que eleva o custo do capital para as empresas e reduz suas margens de lucro.
Além disso, a fuga de investidores estrangeiros, preocupados com a instabilidade econômica, pressiona o câmbio, desvaloriza o real, afeta as dívidas em dólar e também o custo de importações, espalhando consequências no mercado como um todo, impactando negativamente o resultado das empresas e o mercado de ações.
Como investir com segurança se o risco fiscal é elevado?
Existe um velho e conhecido ditado popular que diz que o Brasil não é para amadores. Isso se aplica a vários aspectos, incluindo a gestão de sua carteira de investimentos, que precisa ter estratégias bem fundamentadas para mitigar os riscos.
Diversificação de Portfólio: alocar recursos em diferentes classes de ativos e setores, tanto domésticos quanto internacionais, é fundamental para diluir seu risco. A diversificação pode proteger contra a volatilidade econômica e política que caracteriza países com alto risco fiscal, como é o caso do Brasil.
Foco em Ativos de Qualidade: estudar os setores onde pretende investir e identificar empresas com fundamentos sólidos, é essencial. Empresas bem geridas, com balanços robustos e fluxo de caixa estável, tendem a ser mais resilientes em tempos de crise. Títulos do governo, apesar do risco fiscal, seguem como uma boa opção para uma parte da carteira. Especialmente no atual cenário, garantir as boas taxas pode fazer grande diferença em seus resultados quando o ciclo econômico começar a reverter. Atente, porém, para a distribuição dos níveis de risco em sua carteira. Lembre-se que decisões de investimento inteligentes não se pautam exclusivamente pelo prêmio de risco dos ativos.
Investimentos em Infraestrutura e Setores Resilientes: Infraestrutura, saúde e setores essenciais tendem a ser menos voláteis mesmo em tempos de crise, o que pode oferecer uma camada adicional de segurança para os seus investimentos de longo prazo.
Hedge Cambial: caso você seja um investidor mais experiente, sugiro utilizar instrumentos financeiros como contratos futuros, opções de moeda e swaps para proteger seus investimentos contra flutuações adversas na taxa de câmbio. Essa é uma estratégia particularmente relevante em países como o nosso, onde a instabilidade fiscal pode levar a depreciações significativas da moeda. Reforço, porém, que para utilizar esse tipo de mecanismo de proteção é muito importante você estudar e entender em detalhes como isso funciona, pois operar em mercado futuro e derivativos sem conhecimento, pode significar prejuízos substanciais.
Monitoramento Contínuo: você pode não ser um expert em economia, porém, é importante manter-se atualizado com as políticas econômicas e fiscais do país. Mudanças na política fiscal, como aumentos nos gastos públicos ou alterações nas políticas tributárias, podem impactar significativamente o ambiente de investimento. Estar informado permite reagir rapidamente a eventos adversos.
A essa altura você já entendeu que a trajetória fiscal desafiadora do Brasil continua a ser um fator determinante para a confiança do mercado e para o desenvolvimento econômico sustentável do país. Contudo, como pequenos investidores, não temos controle sobre a forma como cada governo escolhe lidar com teto de gastos e tudo o que decorre da gestão fiscal.
O que devemos fazer é focar naquilo que está sob nosso controle, ou seja, a alocação de investimentos compatível com os objetivos, combinada com o acompanhamento contínuo do mercado, de forma a otimizar recursos com as oportunidades disponíveis em cada ciclo.
No mais, o que nos cabe é votar com consciência para que nossos representantes sejam pessoas comprometidas com o crescimento econômico e estabilidade do país, para além de interesses político-partidários e disputas de poder.
Eduardo Mira é investidor profissional, analista CNPI, pós graduado em pedagogia empresarial, coordenador do MBA em Planejamento Financeiro e Análise de Investimentos da Anhembi Morumbi, sócio do Clube FII e sócio fundador da holding financeira MR4 Participações.
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