As fantásticas fábricas de chocolate no Brasil têm motivos de sobra para rever sua política industrial e adotar novas estratégias comerciais diante da crise, em definitivo, que se anunciou em 2023 e agravou-se no início deste ano. O cacau, negociado na Nyse (Bolsa de Nova Iorque, na sigla em inglês) a patamares de US$ 2,9 mil (R$ 14,8 mil na cotção atual) por tonelada em abril do ano passado, chegou a US$ 11.722 (R$ 61 mil) neste mês. Essas são as maiores cotações dos últimos 50 anos.
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“Mexeu a placa tectônica da indústria”, afirma Alê Costa, o CEO da Cacau Show, rede de varejo que prevê faturar R$ 7,1 bilhões este ano com a venda dos seus chocolates. “O mercado está ‘da mão pra boca’”, diz ele. À frente de uma demanda por 15 mil toneladas de cacau por ano, o executivo admite que irá alterar a composição dos doces para reduzir os custos, embora não se saiba ainda como isso será feito. “Vamos trabalhar um mix diferenciado, com porções menores, para contornar um pouquinho o aumento.”
A princípio, a medida vai na contramão da política da empresa por produtos com maior quantidade de cacau nos seus chocolates, embora seja possível compensar menos cacau na barra, por exemplo, com nozes e castanhas. A Cacau Show investe R$ 25 milhões por ano em pesquisa e lança cerca de 100 tabletes e bombons por ano, em um portfólio com 350 itens, buscando por “mais cacau, menos açúcar e aromatizantes, além de produtos zero lactose e veganos”, como anuncia em suas 4,5 mil lojas — outras 550 serão abertas, com investimento de R$ 500 mil, neste ano. O mínimo de cacau exigido na composição do chocolate, por lei, é 25%.
Como o cacau é negociado em contratos futuros, os preços mais altos ainda não foram repassados ao varejo, como ocorreu no último grande feriado regado a chocolate, a Páscoa no último final de semana de março. De acordo com Costa, a indústria de chocolates não deve conter o aumento por muito tempo. “O cobertor dos preços antigos está acabando”, diz ele. Segundo o executivo, a estimativa é de um repasse de até 50% às gôndolas se a situação não voltar ao normal, o que pode levar parte dos consumidores, segundo ele, a substituir o produto por outros doces.
Procuradas pela Forbes, Nestlé e Mondelez, as duas maiores indústrias de chocolates do país, não quiseram falar sobre o atual cenário desse mercado. “A Nestlé tem o compromisso de realizar ações mitigadoras para ajustar preços com responsabilidade e apenas quando necessário”, respondeu em nota.
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A marca de chocolates Dunke, com sede em Cajamar (SP), cuja média de preço é de R$ 16 a cada 90 gramas do produto final (os chocolates Nestlé, por exemplo, custam em média R$ 8 e os da Lindt, R$ 28), está em fase de preparar os rótulos e a campanha publicitária destinadas à Páscoa de 2025. “Essa Páscoa já teve um preço mais alto, mas o maior repasse será ano que vem”, prevê Ernesto Neugebauer, o CEO da empresa que, aos 66 anos, está há 50 no setor. Neugebauer vem da família responsável pela primeira fábrica de chocolate do Brasil, inaugurada em 1891, em Porto Alegre (RS).
Na compra do cacau, Neugebauer costuma pagar um prêmio de 25% a 35% sobre o valor do produto a 70 produtores de cacau. São cerca de 300 toneladas do fruto por ano, processadas em sua fábrica. Segundo o executivo, a estratégia para absorver a elevação de custo da matéria-prima será, de imediato, cortar o prêmio ao produtor.
“Com o preço alto, tivemos que baixar o prêmio para 12%”, afirma. Mas, espera o executivo, a qualidade do doce não deve piorar por conta disso. “Porque os produtores têm que entregar o cacau no mesmo padrão, segundo os testes de qualidade. O produtor aceitou porque, em valores absolutos, ele ainda está ganhando mais”, explica.
Cerca de 90% do cacau transformado em chocolate pela Dunke vem do Pará, o segundo maior estado produtor, que responde por 52% da oferta nacional. Na safra em curso houve quebra de 20% na produção paraense por causa da falta de chuva na região da Amazônia. Quem atesta o déficit é a produtora Elisangela Trzeciak, 47 anos, que cultiva 52 hectares em Medicilândia, o município que mais produz o fruto no país, a 90 quilômetros de Altamira (PA).
A produtividade da fazenda é de até 1,2 tonelada por hectare. Na teoria, há um ótimo cenário para o produtor: o preço pago a ele aumentou de R$ 16 o quilo, em março de 2022, para os atuais R$ 55, equivalente a uma alta de 200%. O problema é que os produtores paraenses estão sem amêndoas estocadas. “Por enquanto, não tem o que vender”, afirma Trzeciak. “O El Niño trouxe um período de estiagem muito severo, quente e seco. A gente não tem cacau para vender, não temos produção.”
Cadê o cacau do mundo
“A indústria está esperando para ver se as novas safras serão boas”, observa Jaime Recena, presidente da Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas), que representa 70 fabricantes. “Por enquanto, todo mundo está assustado e tenso, observando com muita atenção essa alta do cacau. A expectativa é que, com as novas safras, isso comece a retrair um pouco.”
Comparável à tendência do mercado de azeite, que está supervalorizado em função da escassez de produto após duas colheitas ruins em função da estiagem nos maiores países produtores da Europa, principalmente a Espanha, a escalada de preços do cacau se explica por três quebras de safra por causa do El Niño em países produtores da África. Além da incidência do vírus swollen shoot nos cacaueiros africanos e a falta de investimentos no solo que caracteriza um dos principais setores econômicos daquele continente. Com lavouras envelhecidas e doentes, a produção por hectare caiu para 400 pés da fruta, ante 800 pés ou até mil pés de cacau por hectare, segundo especialistas. Os maiores produtores do mundo são a Costa do Marfim e Gana e costumam produzir juntos 2,5 milhões de toneladas (60% da oferta mundial).
A quebra de safra esperada pela ICCO (Organização Internacional do Cacau, na sigla em inglês) em 2023/24 é de aproximadamente 11% ou 370 mil toneladas, que podem chegar a 500 mil toneladas no pior cenário. A oferta foi estimada inicialmente em 4,7 milhões de toneladas, ou seja, reduzindo-a a 4,4 milhões de toneladas.
Maior reajuste para chocolate finos
No Brasil, a demanda pela amêndoa segue firme. O país produz cerca de 220 mil toneladas de cacau por ano e ainda precisa importar até 15% do que consome, isto é, volumes que chegam a 30 mil toneladas. Em 2023, para suprir a quebra de safra no mercado doméstico, que foi de 15% (30 mil toneladas em déficit a mais), a indústria brasileira precisou importar um volume extra de cacau. Foram 40 mil toneladas por US$ 110 milhões (R$ 581,9 milhões) na balança comercial, exemplo da pressão atual sobre a oferta mundial do produto.
A demanda, nos últimos anos, cresce no embalo de uma maior procura por produtos mais populares, mas também pelo varejo que oferece chocolates de maior qualidade para um público mais abastado e que passou a diferenciar os vários tipos de cacau, como ocorre para aos mercados de vinhos, cafés especiais e azeites.
No total, o Brasil produziu 805 mil toneladas do doce em 2023, volume 6% acima de 2022, de acordo com a Abicab. A conta gerada pela explosão de preços da matéria-prima, no entanto, deve recair sobre o consumidor habituado a produtos refinados, de acordo com Lucimara Chiari, presidente do Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), instituição ligada ao Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).
“Hoje, o preço impacta principalmente a questão da fabricação de chocolates finos no Brasil”, diz Lucimara. “Porque o preço está excelente para o produtor.” Com isso, o produtor consegue vender o total de sua produção a um bom preço, não importa se é o cacau fino ou o fundo de lavoura. “Já está faltando amêndoas de cacau fino, o cacau bean to bar (da barra à chocolateria), para quem faz chocolate fino, com mais de 40% de cacau na composição.”
Lucimara está à frente da comissão que lançou em novembro de 2023 o Inova Cacau, programa que reúne setores público e privado com a meta de atingir a autossuficiência de amêndoas até 2030, levando o país a uma produção da ordem de 400 mil toneladas. A comissão tem agenda marcada para o dia 9 de maio, em Brasília, para discutir a recente escalada de preços na base produtiva. “O produtor tem de aproveitar esse momento em que as cotações estão muito boas e não perder o foco no cacau de qualidade. Tem que reinvestir na propriedade e colocar novas tecnologias na lavoura, porque isso é passageiro”, afirma Lucimara.
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