Sejamos honestos: a inteligência artificial veio para ficar. IA não é uma novidade, mas nos últimos anos tivemos um desenvolvimento gigantesco, a ponto de, hoje, ferramentas como o ChatGPT serem capazes de escrever um artigo científico quase tão bem quanto um cientista, só para citar um exemplo da minha área.
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Na Medicina, os avanços têm sido muito rápidos. Muitas plataformas médicas já usam chatbots para realizar tarefas como agendar consultas e fornecer informações gerais de saúde às pessoas.
Há muita gente testando o quão corretamente uma ferramenta de IA é capaz de dar um diagnóstico preciso, por exemplo, na área de cardiologia ou ortopedia e, acreditem, ao que tudo indica, homem e máquina têm um índice de acerto praticamente igual.
Acontece que, diferentemente da maior parte das especialidades da Medicina, na saúde mental – e aqui eu coloco todas as áreas Psi, inclusive a Psiquiatria – não existe aquela clássica dualidade “sim ou não”. O que existe é, entre esses extremos, uma infinidade de tons de cinza.
Problemas de saúde mental são muito mais do que “tudo ou nada”. São uma somatória de pequenos sinais que, em conjunto, podem afetar a vida de alguém de forma complicada (é quando dizemos que o quadro é patológico) ou mais gerenciável (como praticamente ocorre com quase todos nós).
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Saúde mental boa ou ruim é mais do que assinalarmos opções em um teste de múltipla escolha. Diz respeito não só ao quanto cada um daqueles itens do teste atrapalha a vida de uma pessoa, mas também diz respeito ao contexto em que ela vive (a sua família, o seu trabalho e até o seu país) e o quanto ele está impactando a vida dela.
Não vejo uma ferramenta de IA, pelo menos as que temos hoje, sendo capaz de fazer a leitura dessas nuances, que muitas vezes passam por um sorriso dado em um momento em que ele não cabia, num olhar enviesado, numa reação da musculatura do rosto ou do corpo quando alguém fala alguma coisa que afeta aquela pessoa.
É bem possível que recursos baseados em IA possam, daqui a alguns anos (ou antes, ninguém sabe) oferecer uma forma mais acessível e econômica de rastrear pessoas que correm mais risco de desenvolver transtornos mentais e fornecer intervenções preliminares.
Sabemos que, no mundo todo, há uma carência real de profissionais especializados em saúde mental. Ter um dispositivo que possa oferecer uma ajuda rápida e barata, ainda que inicial, não é algo que devamos desconsiderar.
Outro benefício são os aplicativos de saúde mental, que têm ajudado muitas pessoas a administrarem sua ansiedade ou relaxarem antes de ir para a cama, contribuindo para uma melhor noite de sono. Mas há um alerta: eles proliferam em uma velocidade que tem dificultado o controle e fiscalização.
Para dar um exemplo, em 2023, a Associação Americana de Psiquiatria estimava haver mais de 10 mil em lojas de apps, sendo que a maioria não havia sido aprovada.
Outro ponto de atenção é com relação à privacidade. Sabe aquela frase “o que acontece no consultório fica no consultório”? O sigilo médico é um dos pilares da relação médico-paciente. Muitas vezes, o que os nossos pacientes trazem para nós são coisas que sequer eles haviam verbalizado para si mesmos. É nossa função – melhor, nossa obrigação – guardar essas confidências. É isso o que garante que possamos estabelecer uma relação de confiança com eles. Quem assegura que as informações salvas por um aplicativo estão 100% seguras?
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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