“Ainda somos em pequeno número”, diz head da Syngenta sobre mulheres no agro

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Divulgação/Abag

A nova vice-presidente da Abag, Grazielle Parenti

Dona de uma fala clara, articulada e potente, Grazielle Parenti é uma influência feminina em constante ascensão no agro brasileiro. A atual head para a América Latina em sustentabilidade e assuntos corporativos da Syngenta – uma das maiores multinacionais de defensivos, sementes e soluções biológicas –, tem trilhado um caminho que vai muito além de seu papel na empresa, abraçando uma gama de atividades correlatas.

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As duas mais recentes, neste início de 2024, foi assumir em janeiro a vice-presidência na Abag (Associação Brasileira do Agronegócio) e neste mês de fevereiro tomar posse como conselheira de administração e líder do comitê de sustentabilidade e riscos da Alvoar Lácteos, empresa criada com a fusão das marcas Betânia, Camponesa e Embaré, tornando-se a quinta maior companhia de lácteos do país, com capacidade para processar 4,8 milhões de litros de leite diariamente.

Parenti tem currículo recheado de experiências, que vai das multinacionais a entidades em foi a primeira mulher a assumir a presidência – saga que ela conta em detalhes na entrevista concedida à ForbesAgro. “Mas ainda somos em pequeno número”, diz ela. Por isso, sua prioridade no âmbito das relações públicas tem sido destacar o papel da mulher na representação do setor agropecuário e gestão de propriedades rurais, empresas e entidades, buscando aumentar essa participação em números, por onde for, no Brasil e lá fora. Confira o que ela diz:

Como vê a evolução da presença feminina no agronegócio, ultimamente? Tenho quase 30 anos de carreira e gostaria que tivesse evoluído mais rápido. Pensava que, quando fosse adulta e minhas filhas já estivessem no mercado de trabalho, a vida seria mais fácil para elas. Mas ainda somos em pequeno número. Essa não é uma transformação que acontece em 10 ou 20 anos — leva uma geração, talvez duas. No entanto,  sim,  certamente, a valorização e o espaço da mulher no setor são coisas que evoluíram ultimamente. Comecei a trabalhar como trainee, lá atrás, numa dessas grandes tradings, sai e depois voltei para o agro. Lembro que a gente sempre tinha que parecer com os meninos. Quanto menos diferente, melhor. Hoje, vejo que pelo menos isso mudou. Fico muito feliz.

Faço parte do grupo ForbesMulher Agro (FMA) e vejo muitas mulheres incríveis liderando grupos econômicos rurais. Antigamente, se você tinha três filhas e um genro, quem ia cuidar do negócio? O genro. Hoje não. Cada vez mais, há mais mulheres na liderança das fazendas, não só na parte financeira, que é fundamental, mas também na produtiva. As mulheres sempre têm interesse pelo novo. Elas estão sempre conectadas com esses temas, que são caros para mim, como inovação e sustentabilidade, do ponto de vista ambiental e social.

Vejo também uma transformação importante. Ao olharmos para os grupos organizados, a governança é um tema que as mulheres lideram de forma muito consistente. Por quê? Muitos dos grupos econômicos são familiares. Queremos que as famílias se deem bem. Num momento de sucessão, não é para haver discórdia. Organizar uma sucessão, trabalhar pela governança na preparação de sucessores, essa é uma agenda que as mulheres têm tocado muito bem. Vejo um papel muito relevante delas nesse quesito. Estou falando de grupos econômicos mais estruturados, e isso é uma coisa bem marcante, na maior parte dos casos que tenho visto são elas que têm cuidado desses assuntos.

De que modo essa presença da mulher em posições de liderança é mais forte hoje do que há 10 anos? Visivelmente, em termos de números, hoje se vê mais mulheres em posição de liderança em grupos familiares, inclusive onde antes não havia. Minha posição de liderança na Abag é um exemplo. Antes de entrar na Syngenta, eu era da indústria de alimentos. E, também, fui a primeira mulher presidente da ABIA (Associação da Indústria de Alimentos do Brasil) durante dois mandatos. O setor de alimentos, que a gente pensa ser uma coisa tão próxima do universo feminino, nunca tinha tido uma mulher presidente da associação.

Hoje estou na Abag, que é uma associação que compõe outros setores e a cadeia completa do agronegócio. Os espaços precisam ser conquistados. Não é fácil, porque o mundo não é fácil para as mulheres, mas temos realizado conquistas, o que me traz alegria. Quando a gente vai, por exemplo, na Agrishow, há uma quantidade maior de mulheres. Muitas pessoas acham que agronegócio é só a fazenda, mas não, tem toda uma cadeia completa. Empresas de implementos, tecnologias, bancos segmentados. Há uma série de outras ocupações, digamos assim, dentro do agronegócio e onde cada vez mais você vê a presença feminina.

Essa é a diferença de quando, por exemplo, eu entrei lá atrás, há quase 30 anos, como trainee, visitando fazendas em Mato Grosso e Goiás, parecendo uma extraterrestre. Hoje em dia, nossa presença já é uma coisa muito mais comum e no caso, por exemplo, da empresa onde trabalho, valorizada. Há programas de desenvolvimento de lideranças para entender as particularidades e os momentos na vida das pessoas. Tem mulher que decide ter filhos, outras que querem cedo, outras mais tarde, ou não. É preciso haver adaptabilidade.

O papel da mulher em grupos familiares consolidados é algo mais visível, mas como tem observado as propriedades menores, nos estratos mais baixos da atividade rural? Já visitei assentamentos de produtoras de cacau que ficaram viúvas e estavam lá tocando a sua pequena propriedade no sul do Pará, sozinhas com as suas filhas e sem nenhuma instrução. E aí a filha faz agronomia. Quando você fala de grandes grupos, as pessoas também vão fazer faculdade, mas vão além, estudam fora. Mas não podemos desmerecer as mulheres que estão em situação menos privilegiada, que precisam sobreviver e dão um jeito. O privilégio que a condição financeira traz certamente propicia muitos benefícios, mas não podemos deixar de reconhecer o papel das outras mulheres que, menos visíveis, são igualmente importantes.

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Qual deve ser o papel da Abag no setor? Uma associação que se chama Associação Brasileira do Agronegócio tem um papel gigantesco. Quando você está numa indústria específica ela tem a sua associação setorial, que trabalha por regulação, pelo detalhe. A Abag é mais transversal, pega a cadeia inteira e tem uma visão diferente. É a visão do todo e isso faz muita diferença.

O papel da Abag é fundamental na ponte entre o setor privado e a sociedade, para trazer as mensagens do agronegócio de forma ampla, do seu impacto, da força que ele tem na economia. Não é só geração de emprego, não é só número de produção agrícola, mas a mensagem certa disso. O agro é um setor cada vez maior e ainda temos uma oportunidade de posicionamento relevante. A Abag tem esse papel de carregar o nome das pessoas e entidades ali presentes, fazendo essa ponte, aproximando o agro da cidade e o agro brasileiro do mundo.

Precisamos falar de práticas regenerativas, proteção ambiental, biodiversidade, a importância de despertar o interesse das pessoas da cidade pelo trabalho no campo, pelo agronegócio. Moro em São Paulo, estou aqui nessa cidade. Tenho muitos amigos que não têm a menor ideia do que acontece no agro. A gente tem esse papel da informação.

Pode comentar um pouco a sua carreira anterior à Abag, seus projetos paralelos e comitês dos quais faz parte? Sou administradora de empresas e comecei minha carreira na área de marketing, porque achava que era o que eu saberia fazer. Mas sempre fui muito interessada nos temas de relações internacionais e política. Sou gaúcha e cresci em Brasília. Sou daquela “safra” de gente do Sul que foi para o Centro-Oeste.

Após 10 anos de carreira, tendo sido trainee de uma das big four, a Dreyfus na época, fui trabalhar em agência de marketing. Em seguida, outras oportunidades apareceram em minha vida: relações institucionais, governamentais, representação. É importante ter voz. Isso é uma coisa que associo muito com os temas das mulheres. Não é só ser mulher. É ser uma mulher e ser ouvida. Por isso relações públicas foi uma área que me interessou muito. Faz mais ou menos 20 anos que comecei a trabalhar em grupos grandes, como a Votorantim, que também tinha um pedaço de agro, a laranja, mas eu trabalhava para todas as unidades de negócio.

Depois, segui para o setor de bebidas, na Johnny Walker, Smirnoff, Ypioca. Trabalhei na época da aquisição da Ypioca como uma marca icônica, brasileira, de um produto nacional. Então, me aproximei de novo do agro para entender a produção de cana-de-açúcar. Em seguida fui para a Lacta, na cadeia do cacau. Fiz bons mergulhos na produção de cacau no Pará e Bahia. Na sequência, fui para a BRF como vice-presidente global de relações institucionais e sustentabilidade, já trabalhando a agenda do net zero.

Peguei esse boom do ESG, quando todo mundo queria falar sobre ele. Não dá para falar sobre produção de alimentos sem falar sobre sustentabilidade. Essas coisas estão conectadas. Fiquei na BRF por um ano e meio, até o convite da Syngenta. É uma empresa líder, que tem intimidade muito grande com o produtor do Brasil, seu maior mercado. Quando a gente ouve falar de práticas de agricultura regenerativa no mundo inteiro, a gente olha pra cá, para dentro, e vemos que somos nós brasileiros a fazer isso há 10, 20, 30, 40 anos, sempre em evolução. O produtor brasileiro se interessa muito por inovação, então esse é o core da Syngenta.

Fora isso, no meu trabalho associativo, agora na Abag, é a mesma coisa: ninguém faz nada sozinho. Podemos ser competidores, mas 80% ou 90% dos temas que a gente quer porteira afora são os mesmos: regulação justa, oportunidade de trabalhar e vender os nossos produtos. Hoje, além da Abag, estou na CropLife, na Fiesp, faço parte de outros grupos de mulheres e conselhos de empresas. Acredito muito na diversidade e na importância das mulheres estarem sempre antenadas.

Como seu trabalho na Syngenta cruza com suas atribuições na Abag? Não estou lá só para defender a empresa, mas também o nosso setor, o agro do Brasil. É poder opinar e trabalhar por temas amplos, que às vezes não impactam a gente diretamente, mas impactam o produtor rural. É continuar tendo liberdade de trabalhar, de funcionar, de trazer as mensagens certas, de apoiar nesse momento de transição acelerada as tecnologias e tudo mais. Os trabalhos se complementam, se retroalimentam.

O que espera do futuro do agro brasileiro? Tenho um orgulho danado de trabalhar no agronegócio. Acho que é o lugar certo, na hora certa, onde o Brasil fez a diferença nos últimos 40 anos e fará nos próximos 40.

Também vejo como muito relevante o papel geopolítico do agronegócio brasileiro. O papel estratégico que o país tem na produção de alimentos, na produção de energia renovável e agricultura tropical – que é o que a gente faz –, não tem só o seu valor, mas é também uma referência. Metade do mundo tem clima tropical. Então, como a gente capitaneia e lidera essas conversas e obtém o protagonismo na mesa de decisão sobre grandes acordos e regulações? Nosso trabalho é muito da porteira para dentro. Mas agora, num sentido mais amplo, é colocar o Brasil no lugar que merece geopoliticamente, ou seja, no protagonismo da produção de alimentos e energias renováveis.

Quais são os seus hobbies? Gosto de viajar e meu trabalho me leva para vários lugares. E ficar ao ar livre. Como me criei em Brasília, estar ao ar livre e fazer atividades é muito importante para mim. Tenho uma casa no interior de São Paulo, onde fico com meus bichos, minhas coisas, animais, jardim. Além disso, sou de uma família de mulheres. Tenho irmã, filhas, amigas. Tudo que está relacionado com a causa feminina é uma coisa para a qual acho tempo. Além disso, estou num monte de grupos de mulheres. Tudo o que tem a ver com mulher me interessa. Literatura de mulheres, por exemplo.

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Qual é o seu autor e livro favoritos? Gosto muito das escritoras nigerianas que minha filha me apresentou. Uma delas, a Chimamanda Ngozi Adichie, tenho o livro “Hibisco roxo”. Acho ela uma referência. Mas também tem muitas mulheres atuais aqui. Por exemplo, a Natalia Timerman, a Carla Madeira e a Giovana Madalosso. Faço parte de um clube de leitura de mulheres. A gente não lê só livro de mulher, também lê livros escritos por homens, os clássicos e tudo mais. É um espaço de troca. Uma vez por mês a gente senta e discute. É uma roda de conversa muito íntima. Acho um privilégio das mulheres ter esse espaço de abertura, discutir coisas, e nunca é só sobre o livro, é sobre a gente, sobre a vida.

Que conselhos daria para as mulheres que atuam como empresárias no agronegócio? Se você não encontrou outras mulheres, procure porque tem. Encontre as suas amigas no negócio. Nunca tenha receio de se posicionar, mas não é só estar na mesa, é ter voz e construir o seu espaço. Cada uma tem seu jeito, umas são mais assertivas, outras menos. Sempre que ouvimos sobre liderança feminina, a mensagem é que precisamos nos preparar, estudar. Mas todo mundo precisa estudar, independente de ser homem ou mulher.

E também a gente sabe que nada é fácil. Não é sempre que todo mundo gosta da gente, ou está a fim de ouvir o que temos para falar. Mas se você tem consistência, constrói credibilidade, é correta, é uma pessoa leal — lealdade é uma coisa que a gente fala pouco —, você acaba conquistando o seu espaço. Podemos ser executivas, empresárias, presidentes de empresa, mãe full time. Isso é uma decisão pessoal de cada uma.

Lembra de algum perrengue nesse sentido? Quando minhas filhas eram pequenas (hoje elas têm 20 anos), tivemos uma festa na escola, com atividades horríveis às 10 horas da manhã. Eu odiava aquilo. Eles pediram para bordar uma saia, era uma festa de homenagem aos avós, mas eu não sei bordar, infelizmente, e até gostaria de ter aprendido. Falei para minha filha que não sabia fazer aquilo, para ela falar com a avó, com a mãe da sua amiga, com alguém que fizesse. Então, ela falou para mim assim: ‘é mãe, mas você sabe fazer PowerPoint e ninguém sabe fazer PowerPoint’. Isso foi há 15 anos. E é isso, não dá para ser perfeita. Você não equilibra todos os pratinhos ao mesmo tempo, na mesma altura. Durante a sua vida, vai ter momentos em que alguns pratinhos vão estar mais altos, outros vão estar mais baixos, e a gente tem que aceitar isso.

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