Conheça a seguir seis cozinheiros brasileiros que se destacam no exterior e ampliam o repertório de sabores nacionais conhecidos lá fora:
Alberto Landgraf
Bossa | Londres
Oteque | Rio de Janeiro
Alberto Landgraf quer levar para o bairro londrino de Mayfair um Brasil moderno, que vai além de clássicos como feijoada, moqueca e caipirinha – mas tem versões desses preparos também. “Em várias áreas, o Brasil já trabalha em um nível de elegância e finesse – e, entre aspas, compete de igual para igual com o que tem fora. Na gastronomia, faltava isso”, diz o chef à Forbes diretamente de seu novo restaurante, o Bossa, inaugurado no fim de maio do ano passado em Londres. O serviço do jantar corre ao fundo enquanto ele fala, por videoconferência, de dentro de uma sala reservada envidraçada. Conta que montou o restaurante em 11 meses e treinou a equipe três dias antes de abrir as portas.
Tudo muito corrido porque, ao aceitar o convite para o empreendimento, já tinha comprometido a agenda com eventos internacionais (cozinhou em mais de uma dúzia de países nos últimos dois anos). Fora que precisa cuidar do seu Oteque, no Rio, 76ª posição no ranking The World’s 50 Best Restaurants 2023.
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Parte da equipe do Bossa foi do Oteque – ao todo, seis dos 24 funcionários do restaurante inglês. Muitos ingredientes também pegaram a rota Brasil-Reino Unido e são essenciais para o conceito da nova casa. É o caso do açaí, que vira um dip acompanhando o pastel de caranguejo, ou do tucupi, que entra no prato de vieiras e trigo-sarraceno. “Disse agora em uma entrevista para um jornal, The Telegraph: eu não estou trazendo essas coisas porque são brasileiras, estou trazendo porque são de qualidade e quero mostrar que o Brasil tem essa qualidade”.
Paranaense de Cornélio Procópio, Alberto passou por cozinhas de chefs como Gordon Ramsay, Tom Aikens e Pierre Gagnaire, no Reino Unido e na França. De volta ao Brasil, chamou a atenção em São Paulo com seu Épice e, depois, com o Oteque no Rio. Sente que, abrindo um restaurante fora, já como chef reconhecido no Brasil, traça uma história diferente de outros brasileiros que se destacam no exterior. “Quero mostrar mais do que a cozinha brasileira; quero mostrar sabores, coisas inusitadas. O que eu mais escuto aqui é: ‘Isto é tão único!’.”
Raphael Rego
Oka | Paris
“Foi um sonho de menino realizado”, diz o carioca Raphael Rego, de 40 anos. Depois de 24 anos morando fora do Brasil – 17 deles na França –, o chef do parisiense Oka voltou ao Rio de Janeiro no ano passado convidado a cozinhar em uma comemoração pelos 100 anos do Copacabana Palace.
Para o jantar, Raphael levou na bagagem ingredientes típicos do Brasil, como jambu e pimenta biquinho, produzidos na França por parceiros do Oka. “Faço uma cozinha autoral com uma ligação forte entre os dois países”, compartilha o chef, que conquistou uma estrela no guia Michelin. “É uma mescla de técnicas francesas e insumos brasileiros, e vice-versa: de técnicas brasileiras com insumos franceses. Acho incrível, por exemplo, ver uma pimenta biquinho e um feijão-preto cultivados na França encontrarem um tucupi que vem de um produtor de Belém ou uma farinha de Recife. O Brasil é uma biblioteca de sabores.”
Mesmo distante, Raphael diz que acompanha a cena da gastronomia por aqui. Inclusive já recebeu chefs brasileiros para eventos em seu restaurante, como Janaína Torres Rueda, Morena Leite e Thomas Troisgros. “Os cozinheiros brasileiros que estão fora têm a obrigação de levar a continuidade do trabalho feito no país. Fico lisonjeado de poder representar a nossa cultura aqui como outros fazem mundo afora.”
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Alessandra Montagne
Nosso, Dana e Tempero | Paris
Nascida no Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, e criada pelos avós na cidade mineira de Poté, Alessandra Montagne viajou a Paris aos 22 anos para uma temporada de estudos de francês. Acabou ficando e ali construiu uma trajetória de sucesso na gastronomia. Hoje, à frente de dois estabelecimentos parisienses, acaba de ser anunciada como uma das chefs de um novo restaurante do Louvre, lançou um livro sobre sua trajetória e serve com orgulho pão de queijo com caviar. Também vem sendo convidada para participar de eventos no próprio país, como o jantar que fez com Kafe e Dante Bassi, do restaurante Manga, de Salvador, em 2023.
Foi um longo caminho até ser reconhecida fora e dentro do Brasil. “Tudo que eu tive foi na raça”, diz. “Quando cheguei aqui na França como estudante, fazia faxina e cuidava de criança e velhinho para ganhar dinheiro.” Ela começou a se interessar por gastronomia ao ver como os franceses valorizavam o ato de comer e os produtos de cada terroir. E foi incentivada a entrar para o ramo por amigos que provavam sua comida.
Abriu o primeiro restaurante, o Tempero, em 2012. Lotou de cara e logo tinha espera de semanas para reservar. “Eu me descobri no Tempero. Ali me desenvolvi, ganhei uma um milhão de amigos, consegui ter confiança em mim”, conta. “Isso me deu um gás, uma força de vontade para ir mais longe.” E ela foi.
Um dia, cozinhava em um evento quando o chef multiestrelado Alain Ducasse entrou na cozinha perguntando quem tinha feito um prato – uma barriga de porco cozida lentamente e depois pururucada. Tinha sido Alessandra. Ducasse então elogiou o preparo e passou a chamar brasileiros para participar de outros projetos, além de tê-la recebido para uma temporada no restaurante que ele então comandava no hotel Plaza Athénée. “O Alain me reconheceu como chef quando eu mesma não me reconhecia. Devo muito a ele.”
Hoje Alessandra mantém o Nosso, de proposta mais gastronômica, e três unidades do Tempero. Recentemente, voltou ao Brasil para um evento e se emocionou ao ser recebida por outros chefs que acompanhavam sua trajetória a distância. “Eu me senti abraçada por todo um país. Fui acolhida no Brasil como já me sentia acolhida na França. Depois disso, comecei a ter vontade de colocar mais coisas brasileiras no meu menu degustação. Como a coxinha, que eu vendia na rua em Poté. Aqui tenho que explicar o que é, mas todo mundo ama.”
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Rafael Cagali
Da Terra e Elis | Londres
Assim o guia Michelin descreve a cozinha de Rafael Cagali: “As cores explodem, a apresentação é impressionante e o menu se desenvolve lindamente à medida que você avança de um prato para outro, aguardando ansiosamente a próxima combinação cativante de sabores”. Por seus pratos “habilmente elaborados e altamente originais, fundamentados nas tradições brasileiras”, o Da Terra, restaurante do chef paulistano em Londres, recebeu a cotação de duas estrelas, equivalente a uma “cozinha excelente”.
No menu do Da Terra, o Brasil se mistura à Itália, onde nasceu um bisavô de Rafael (e onde ele trabalhou com o chef Stefano Baiocco, detentor de duas estrelas Michelin). Também há influências da Espanha, onde ele trabalhou com Quique Dacosta (três estrelas Michelin, cotação máxima). E contribuições de outras experiências do brasileiro, como a de ter atuado no The Fat Duck, restaurante de Heston Blumenthal, em Bray, na Inglaterra. “Tive a oportunidade de estar com gente muito capacitada”, diz.
Apesar de vir de uma família ligada ao ramo dos restaurantes no Brasil, Rafael não tinha planos de trabalhar na área. Aos 20 anos, estudante de economia – e em crise com a escolha de carreira –, ele resolveu passar uma temporada em Londres aprimorando o inglês. Conseguiu um trabalho em uma cozinha fazendo de tudo, inclusive lavando pratos, foi migrando para outras áreas e acabou fisgado pela gastronomia.
Então saiu para estudar e buscou vagas em restaurantes renomados antes de abrir o próprio estabelecimento, em 2019. “A primeira estrela Michelin, oito meses depois da abertura, já mexeu muito comigo”, relata Rafael. “O Da Terra ficou mais conhecido, mais movimentado.” Em 2021, veio a segunda estrela. “Brinco que ter duas estrelas é como jogar a Champions League, porque você está em um nível superior. Isso coloca uma pressão, porque você é o foco da atenção. E a clientela muda, passa a ser mais exigente. Você tem a responsabilidade de estar tudo perfeito a todo momento.”
Hoje, além do Da Terra, Rafael tem o Elis, mais casual.
Manu Buffara
Manu | Curitiba
Pop-up Fresh in the Garden | Atol de Baa
Pop-up Bleu Coupole | Paris
Ella | Nova York
Eleita a melhor chef mulher da América Latina em 2022 pelo ranking The World’s 50 Best, a paranaense Manu Buffara não para em um só continente. Continua criando um menu degustação baseado em ingredientes locais e sazonais em seu restaurante Manu, em Curitiba. De novembro de 2022 (e até novembro de 2023), comandou o Fresh in the Garden, uma colaboração com o hotel Soneva Fushi, no Atol de Baa, nas Maldivas. Em outubro, abriu um pop-up em Paris, no restaurante Bleu Coupole da Galerie Printemps, e por lá deve ficar até abril de 2024 – quando pretende inaugurar o Ella, seu restaurante em Nova York. Nesse meio-tempo, ainda trabalha na divulgação de seu livro, Manu: Recipes and Stories from my Brazil, publicado pela editora Phaidon.
Em Paris, a ideia é revisitar receitas do Manuzita, pop-up de sanduíches feitos com ingredientes produzidos no Manu: do pão brioche aos recheios. Para isso, a chef já sabe que vai levar na bagagem priprioca, açaí e rapadura – e juntá-los com insumos locais para fazer recheios de siri, ostra e frango frito. A chef e seu braço direito, Lucas Correia, vão treinar a equipe do Bleu Coupole para executar o menu, que tem a missão de ampliar o repertório de sabores que representam o Brasil no exterior. “Entrar na Europa com um pop-up em Paris superou qualquer sonho”, diz Manu.
Sua casa em Nova York também deve cumprir essa missão de levar a gastronomia brasileira para fora. Ali, a chef pretende manter o conceito de muitos vegetais e frutos do mar do restaurante Manu, mas, em vez de focar em insumos do entorno de Curitiba, deve abranger outras áreas do Brasil, de Norte a Sul.
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Ivan Brehm
Nouri e Appetit | Singapura
Nascido no interior de São Paulo, em Campinas, Ivan Brehm rodou o mundo antes de se estabelecer em Singapura, onde mantém dois restaurantes: o Nouri (uma estrela Michelin), e o Appetite, que funciona como um centro de pesquisa. “Tive o prazer de trabalhar em alguns templos da alta gastronomia e de aprender muita coisa boa direto da fonte”, diz o chef. “Lugares como o Fat Duck, na Inglaterra, Mugaritz, na Espanha, e Per Se, em Nova York, foram cruciais para a minha formação gastronômica.”
Ivan vê na cozinha uma forma de ativismo. “A alta gastronomia hoje em dia é mais entretenimento do que alimento, mas acredito que também pode ser uma ferramenta positiva e deliciosa para entendermos o mundo e o momento em que vivemos”, afirma. “O que propomos é cozinhar pratos inovadores e cheios de narrativa, que realçam nossa história compartida e elementos mais universais do ser humano.”
Em suas criações, Ivan mostra muito da cozinha do Brasil – e de como ela dialoga com outras cozinhas: “Servimos moqueca, acarajé. Utilizamos jambu, palmito, tapioca. Existe muito que une a gastronomia brasileira com o resto do mundo, e fazemos pratos que realçam essas conexões. O vatapá brasileiro, por exemplo, carrega dentro do seu DNA influências do Sudeste Asiático e da África.”
Segundo o chef, há proximidade entre as culturas do Brasil e de Singapura. “O clima facilita muito. Os mercados estão cheios de vegetais e frutas que conhecemos bem.”
Reportagem publicada na edição 110 da revista, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.
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