Afinal, a reforma tributária é boa para o setor automotivo?

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Foto: divulgação

Polo Automotivo de Goiana, em Pernambuco, é o centro da polêmica da PEC 45

Promulgada pelo Congresso Nacional na última quarta-feira (20), a Proposta de Emenda à Constituição da reforma tributária reestrutura e descomplica um sistema concebido sob a ditadura militar e implementado em 1967. Efeito imediato foi a elevação da nota de crédito soberano do Brasil, de BB- para BB, pela agência de classificação de risco S&P Global Ratings.

“Embora a reforma seja implementada gradualmente, ela traz uma revisão significativa do sistema tributário e provavelmente se traduzirá em ganhos de produtividade no longo prazo”, disse a S&P em comunicado.

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Entretanto, no artigo que interessa ao setor automotivo, a PEC 45 desnuda um racha na Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) ao estender até 31 de dezembro de 2032 o Regime Automotivo do Nordeste e Centro-Oeste, cujos principais benefícios são a isenção total de IPI para a Stellantis, instalada em Goiana, Pernambuco. Além disso, há o desconto de 32% no imposto sobre produtos industrializados para Caoa (dona das marcas Chery e Hyundai) e HPE (que controla Mitsubishi e Suzuki), respectivamente estabelecidas em Anápolis e Catalão, no Estado de Goiás.

Criado em 1997 e renovado em 2010 e novamente em 2020, o regime contemplará também a chinesa BYD, que investirá R$ 3 bilhões em Camaçari, na Bahia, para produzir modelos híbridos e elétricos a partir do próximo ano.

A discussão vem de antes, mas atingiu seu auge em novembro. As negociações caminhavam para que a extensão do benefício favorecesse apenas os veículos híbridos e elétricos que viriam a ser produzidos nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. Contudo, em uma mudança de última hora, os carros flex foram incluídos na norma.

A alteração irritou Toyota, Volkswagen e General Motors, que publicaram uma carta aberta no dia 8 de novembro reivindicando a exclusão dos parágrafos 3, 4 e 5 do artigo 19 da PEC 45, que, segundo as montadoras, “representam um retrocesso do ponto de vista tecnológico e ambiental, além de uma renúncia fiscal prejudicial ao desenvolvimento do país”. As três estão instaladas em diferentes regiões do Estado de São Paulo.

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Diz o trecho da PEC 45 sobre o crédito presumido de que trata o acordo: “incentivará exclusivamente a produção de veículos equipados com motor elétrico que tenha capacidade de tracionar o veículo somente com energia elétrica, permitida a associação com motor de combustão interna que utilize biocombustíveis isolada ou simultaneamente com combustíveis derivados de petróleo”.

Em resumo, as três defendem que a extensão deveria contemplar apenas os modelos híbridos ou 100% elétricos – e não modelos dotados de motorização térmica, ainda que abastecidos com biocombustíveis, como os que a Stellantis produz em Goiana com os logotipos de Fiat (Toro) e Jeep (Renegade, Compass e Commander).

Revolta

Consultada após a promulgação da PEC 45, a Toyota alegou saudar os esforços pela sua aprovação. “Isso não nos exime, contudo, da missão de impedir que passe despercebido que a prorrogação dos incentivos fiscais à indústria automotiva do Nordeste – sobretudo os incentivos que não estão conectados à novas tecnologias nem beneficiam empresas entrantes no mercado – representa a manutenção de um desequilíbrio setorial existente, que afeta de modo importante a competitividade das empresas instaladas em outras regiões do país, incluindo suas cadeias de valor, além de desestimular a adoção de tecnologias de eletrificação, essenciais para a agenda de transição energética do país”, argumenta a companhia japonesa.

Em tom mais ruidoso seguiu Fabio Rua, vice-presidente da GM América do Sul: “O resultado da votação sobre a manutenção dos abusivos incentivos para carros a combustão até 2032, desde que fabricados em apenas dois estados brasileiros, não foi ruim apenas para o equilíbrio na competição do setor.  Perdem os consumidores, perde o governo e perde o planeta. O grande constrangimento será explicar a razão pela qual o Brasil, que tem se posicionado como o líder contra as mudanças climáticas, resolveu praticamente perenizar subsídios para fabricação de veículos poluentes. Tínhamos tudo para sair na frente no processo de descarbonização da nossa frota e, infelizmente, acabamos de colocar na nossa constituição que esta não é uma prioridade do nosso país.”

A Volkswagen preferiu não se manifestar.

A Stellantis emitiu comunicado dizendo que “apoia e aprova a reforma tributária, especialmente pela legítima continuidade do regime automotivo para as todas as montadoras instaladas no Nordeste e Centro-Oeste. A empresa sempre defendeu medidas que colocassem o país no caminho do desenvolvimento e da competitividade. A Reforma Tributária de agora cumpre esse papel e encaminha o Brasil nessa direção, permitindo um futuro ainda mais próspero e menos desigual para o nosso País.”

Em linhas gerais, o conglomerado (também dono das marcas Peugeot, Citroën, Abarth e Ram no Brasil) argumenta que custos logísticos e a necessidade de desenvolvimento regional justificam a manutenção dos incentivos.

Forbes Motors também consultou advogados e especialistas para responder, para além da guerra fiscal entre as montadoras: afinal, a reforma tributária é boa ou não para o setor automotivo?

Felipe Peralta, advogado tributarista da CSA Advogados:

“O Congresso promoveu um intenso debate sobre a extensão do prazo para o cálculo de créditos presumidos de IPI sobre as vendas promovidas por montadoras instaladas nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o que acabou por beneficiar apenas as empresas que já estão estabelecidas nessa região, garantindo a elas uma boa vantagem competitiva em relação às demais que operação em outras localidades.

Além disso, com a profunda alteração do regime de tributação da origem para o destino, os benefícios de ICMS concedidos pelos Estados para atração de montadoras aos seus territórios irão acabar em 2032 junto com esse tributo, fazendo com que o viés estritamente tributário deixe de ser central para a decisão de instalação e manutenção de fábricas em determinados entes federativos. Isso tende a gerar um movimento de realocação de investimentos em todo o território nacional, promovendo a aproximação das indústrias aos seus respectivos mercados consumidores caso não existam propostas atrativas para utilização do Fundo de Desenvolvimento Regional.

Outro ponto que há décadas aflige o setor endereçado pela reforma é o acúmulo de créditos de ICMS, em especial para aqueles contribuintes com elevado volume de exportações. Atualmente, a monetização desses créditos encontra diversos entraves operacionais e limitações financeiras por parte dos Estados. Com a reforma, há a promessa de que o ressarcimento será efetuado em, no máximo, 60 (sessenta) dias, o que é significativamente inferior ao que se pratica nos dias de hoje.

O setor pode ser também impactado pelas mudanças nas atividades das locadoras, que são importantes clientes das montadoras. Pela regra atual, a atividade de locação se encontra em uma espécie de limbo tributário, deixando de pagar tanto o ISS quanto o ICMS nas suas atividades. Pela neutralidade da reforma, as receitas de locação de veículos passarão a ser tributadas pelo IBS e pela CBS, o que pode aumentar o custo da operação para os consumidores finais.”

Henrique Erbolato, sócio no Santos Neto Advogados:

“Considerando os clientes que temos no setor, as impressões que recebemos são, em primeiro lugar, um aumento da complexidade inicial (até final do período de transição em 2033) com a concomitância dos regimes (antigo e novo); porém, o setor viu com bons olhos a reforma pelo fato de, a princípio, simplificar e unificar a legislação dos tributos indiretos (ICMS e PIS/COFINS).

Ponto importante para as montadoras é a guerra fiscal. Toyota, General Motors e Volkswagen manifestaram descontentamento pela manutenção e extensão (já que a previsão era somente para carros elétricos) do incentivo tributário para a fabricação de veículos movidos a combustão nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste até 2032. Isso inclui também novas empresas chinesas, por exemplo. Não foram propostas formas de compensação para as indústrias que não estão lá instaladas.

Outro ponto importante para indústria e consumidor: imposto seletivo. A grande preocupação da indústria é se os carros terão a incidência do imposto já que, a princípio, emitem poluentes. A Anfavea possui essa preocupação também. Portanto, qual será o critério e quanto eventualmente isso encarecerá o custo para os montadores e, por consequência, para os consumidores?”.

Milad Kalume Neto, Diretor de Desenvolvimento de Negócios da JATO do Brasil Informações Automotivas:

Foi bom para o setor. Irá desonerá-lo, tornando a cadeia como um todo bem menos complicada de se entender. Eliminará algumas “burrocracias” comuns no Brasil, mas espera-se um resultado concreto apenas em 2033 e após algumas Leis Complementares necessárias para o processo, onde certamente haverá maior discussão. A transição completa da cobrança no destino ocorrerá apenas em 2078.

Mantiveram incentivos ao setor automotivo e para as baterias nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste sem alterações. Este ponto, sob meu ponto de vista, acabou sendo bom para incentivar o desenvolvimento industrial da região. Particularmente, direcionaria investimentos para novas tecnologias energéticas. Mas, foi o que ficou estabelecido. Ao menos deixaram claro que até 2028 as empresas deverão iniciar a produção de veículos elétricos ou híbridos.

No fim será bom para o Brasil. Resta agora direcionar a nossa produção local para atendimento aos interesses globais e não ficarmos ilhados, novamente parados no tempo e sob pena de comprometermos todo este investimento que será realizado.”

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