Mais de 90% dos CEOs globalmente relatam escassez de talentos e falta de habilidades relevantes para o futuro do trabalho como um dos maiores desafios que afetam seus negócios, segundo um estudo da Accenture.
No Brasil, o gap de profissionais de tecnologia deve ultrapassar 300 mil pessoas no próximo ano, mostra uma pesquisa do hub de inovação BrazilLab, que conecta empreendedores com o Poder Público, com a Fundação Brava. É a maior lacuna de profissionais digitais na América Latina.
E dá um certo poder para os talentos da área optarem pelas melhores oportunidades – o que envolve remuneração, benefícios e modelos de trabalho –, ainda que sejam em empresas de fora do país. “Eles buscam principalmente flexibilidade e salários competitivos”, diz Cristiano Soares, country manager da Deel, plataforma de contratação global, no Brasil, acrescentando que a maioria trabalha de forma totalmente remota.
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Um engenheiro de software contratado por uma empresa nacional recebe, em média, cerca de US$ 42 mil anualmente (US$ 3,5 por mês), segundo o Glassdoor, plataforma que oferece médias salariais sobre cargos e empresas. Mas em uma organização estrangeira, esse número é de cerca de US$ 76,5 mil (US$ 6,3 mil por mês), segundo dados da Deel.
Brasileiros olhando para fora
A Deel viu o número de brasileiros contratados por companhias de outros países aumentar 97% entre junho de 2022 e o mesmo mês deste ano. Isso posiciona o Brasil no top cinco entre os países com mais profissionais contratados globalmente – depois de EUA (com 67% das contratações), Filipinas, Argentina e Reino Unido. “O Brasil está se destacando no mundo pela qualidade de seus engenheiros de software. O nível de educação aqui é realmente alto e pode ser facilmente comparado a universidades nos EUA”, diz Soares.
Depois de ser abordada no LinkedIn com propostas de emprego de empresas de diferentes países, foi exatamente o combo flexibilidade e salário competitivo que atraiu a engenheira de software sênior, Mariana Santana, para a companhia americana de desenvolvimento de software ArcTouch, que cria aplicativos e sites para empresas. “Já estava me preparando para ir trabalhar em uma empresa em Portugal, mas acabei optando por essa porque não precisei me mudar e ainda iria receber um salário muito bom sendo CLT.”
A empresa tem sede nos EUA e também um escritório em Florianópolis (SC), mas Mariana, que trabalha remotamente, só vai conhecer o espaço em novembro, mais de um ano depois de entrar na empresa. A brasileira iniciou a carreira no Itaú e hoje tem uma rotina bem diferente da esperada para um profissional CLT. “Quando eles começam a trabalhar nos EUA, já são 13h ou 14h daqui, quando tem horário de verão”, diz ela, que lida com clientes americanos e hoje consegue fazer seus horários.
Além do salário e benefícios, recebeu todo o equipamento necessário para desempenhar suas funções – de computador e tela a itens ergonômicos. “Eles não têm pena de investir nos funcionários e em equipamentos.”
Mariana se encaixa no perfil dos profissionais mais contratados por empresas estrangeiras no último ano – 57% têm entre 25 e 34 anos e são engenheiros de software, desenvolvedores ou gerentes de projetos.
Contratar profissionais brasileiros também é uma estratégia usada por empresas de outras regiões que buscam lançar seus serviços na América Latina. “Eles contratam principalmente representantes de vendas, suporte ao cliente e gerentes de contas.”
Brasileiras também contratam fora
Mas ao mesmo tempo em que faltam profissionais no país e brasileiros são contratados por empresas de fora, empresas locais fazem o movimento contrário, buscando estrangeiros para preencher o gap. Segundo a Deel, houve aumento de 50% no número de empresas brasileiras contratando globalmente dentro da plataforma entre 2022 e 2023. Em ambos os casos, as duas principais posições são engenheiros e desenvolvedores de software. “É uma dinâmica de duas vias, em que as empresas brasileiras contratam no exterior ao mesmo tempo em que as companhias estrangeiras contratam aqui”, diz Soares.
Empresas brasileiras estão contratando, principalmente, profissionais dos Estados Unidos, Argentina, México e Colômbia. O número de americanos contratados cresceu 34%.
Isso acontece porque companhias locais buscam expandir seus negócios para outros mercados. E também porque querem contratar os melhores profissionais, acessando um pool de talentos em que os brasileiros competem com profissionais de outros países.
Se a escassez de talentos impacta o Brasil – o 6º país com maior contingente de profissionais altamente qualificados –, “pode ser até mais crítica em outros países”, diz Luciana Lutaif, líder da prática de talentos e organizações da Accenture. A executiva cita dados do estudo da empresa que mostram que 62% dos profissionais altamente qualificados estão localizados em três regiões – Ásia Pacífico, América Latina e África.
Até 2030, mais de 85 milhões de empregos não serão preenchidos por falta de pessoas qualificadas, segundo pesquisa da consultoria global Korn Ferry. Isso pode representar uma perda de US$ 8,5 trilhões em receita anual para as empresas.
Como atrair os melhores talentos tech
“As empresas precisam repensar sua estratégia de talentos”, diz Lutaif, da Accenture. Segundo ela, um dos pontos principais é investir na experiência do colaborador. Isso envolve não apenas recompensas financeiras, mas também outros fatores decisivos para atrair e reter talentos, como desenvolvimento de carreira, bem-estar físico e mental, sentimento de pertencimento, conexão entre o propósito pessoal e da empresa, ambiente inclusivo e de colaboração.
Para a executiva, a estratégia de talentos deve estar conectada à estratégia de negócio. “É preciso entender quais as competências necessárias para entregar os resultados futuros e quais as lacunas de competências que precisam ser preenchidas”, diz.
Depois disso, o desafio é ser criativo e encontrar soluções que não necessariamente envolvam contratar profissionais de mercado, já que a disputa por esses talentos é acirrada. “Investir na capacitação dos próprios colaboradores pode ser uma alavanca importante, uma vez que esses profissionais já estão adaptados à cultura da empresa e conhecem seus clientes, produtos e serviços”, diz Lutaif.
Ela sugere experiências práticas, cursos intensivos, parcerias com empresas especializadas e aprendizado em sombra com profissionais mais experientes. Uma outra estratégia é criar áreas com profunda expertise que podem atender diversas áreas e localidades da organização.
O estudo Net Better Off, da Accenture, com mais de 3.200 altos executivos e 15.600 trabalhadores em 15 indústrias e 10 países, concluiu que existem seis fatores que atraem e retêm os talentos digitais. São eles:
Empregabilidade: uma marca com boa reputação de mercado, que seja bem-vista pelos clientes e pela sociedade, e que tenha compromissos voltados à diversidade e sustentabilidade.
Propósito: definido pelo sentimento de satisfação de contribuir para o negócio, para as questões sociais e para a tarefa que lhe foi encarregada.
Relacionamento: um ambiente onde há colaboração, respeito ao indivíduo, empatia e aprendizado constante.
Conexão mental e emocional: o compromisso não é selado por uma hierarquização de poderes entre empresa e empregado, e sim por um elo formado pelos valores e missões congruentes entre ambos.
Bem-estar: a preocupação genuína da empresa em relação à saúde física e emocional dos funcionários.
Recompensa financeira: um bom retorno do investimento do tempo e esforço do funcionário, uma maneira de evidenciar o reconhecimento do trabalho feito.
Carreiras de Inteligência Artificial em alta
Houve um aumento de 633% na contratação de funções ligadas à IA, como cargos relacionados a desenvolvedores de software, dados e machine learning, segundo a Deel. Já existem cursos de graduação em engenharia de IA, por exemplo, mas ainda há poucos profissionais especializados na área. “Muitos dos profissionais que estão trabalhando em IA hoje não necessariamente têm um diploma relacionado a isso”, diz Soares, country manager da empresa.
A Accenture contratou mais de 200 profissionais para a área de inteligência artificial, com um trabalho que envolve qualificar esses profissionais, como parte de um investimento de US$ 3 bilhões ao longo de três anos na área de Data & AI.
A maioria dos novos contratos relacionados à IA, segundo a Deel, estão na Alemanha (aumento de 52%), nos Estados Unidos (aumento de 44%) e no Reino Unido (aumento de 41%). Companhias desses países são as que mais contratam talentos especializados em IA no Brasil, Canadá e Argentina – sendo que Buenos Aires é uma potência na América Latina.
Especialistas listam aqui maneiras de aproveitar a alta demanda por talentos tech e direcionar suas carreiras para essa área.
Como trabalhar com IA
Os mais jovens precisam buscar uma base sólida na área. “Devem aproveitar novos cursos de graduação disponíveis no mercado especializados em IA”, diz Cristiano Soares, country manager da Deel no Brasil. Para aqueles que já têm uma carreira e conhecimentos técnicos de outras áreas, é uma questão de reciclagem, tendência hoje chamada de life-long learning. “É fundamental investir na sua formação e se manter atualizado com as últimas tendências tecnológicas.”
O que as empresas buscam
Além das habilidades técnicas, as empresas valorizam cada vez mais as habilidades interpessoais como chave para o sucesso em qualquer empresa. Mas as hard skills continuam sendo essenciais para a carreira. “Quando se trata de se candidatar a uma vaga em empresa internacional, o inglês será um requisito obrigatório”, diz Soares, da Deel. Ele também ressalta a importância de soft skills – habilidades socioemocionais –, como flexibilidade, crítica para trabalhar a distância e em empresas ao redor do mundo, adaptabilidade em relação a mudanças em ambientes de crescimento rápido e boa comunicação. “Os profissionais brasileiros, em particular, são conhecidos pela criatividade na resolução de problemas e facilidade em lidar com pessoas de diferentes culturas.”
Como se tornar um desses talentos tão procurados pelas empresas?
Como disse anteriormente, é fundamental investir na formação e manter-se atualizado com as últimas tendências tecnológicas, além de demonstrar habilidades interpessoais, como adaptabilidade, comunicação e trabalho em equipe.
Seja protagonista da sua carreira
Na onda do life-long learning, essencial para qualquer carreira – e especialmente naquelas que envolvem as transformações constantes do universo da tecnologia –, é preciso também buscar ativamente essa atualização “O conhecimento hoje está disponível em abundância e de forma gratuita. “Não espere que seu empregador te dê todas as ferramentas para aprender”, diz Luciana Lutaif, líder da prática de talentos e organizações da Accenture. Segundo ela, aprofundar-se em temas do seu interesse ainda pode aumentar sua satisfação no trabalho.
O post Falta de profissionais em TI: o que as empresas precisam fazer para conseguir os melhores apareceu primeiro em Forbes Brasil.