As cortes superiores em todo o mundo têm, em média, 26% de mulheres em suas composições. Parece pouco, mas o Brasil ainda está abaixo. O país tem um percentual de 11,1% de nomeações de profissionais do gênero feminino entre 2000 e 2021, segundo uma pesquisa feita pela Universidade de Oxford em parceria com a Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil). Ao STF (Supremo Tribunal Federal), mais especificamente, só três mulheres foram nomeadas em 132 anos de história: Ellen Gracie, Cármen Lúcia e Rosa Weber foram as únicas entre os 171 juízes que já ocuparam as cadeiras do tribunal – e nenhuma delas é negra.
De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), as mulheres são 45,7% dos juízes substitutos, 39,3% dos juízes titulares, 25,7% das desembargadoras e 26,5% presidentes dos tribunais.
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Rosa Weber se aposenta no final do mês e há uma pressão de movimentos pela equidade para que o presidente indique uma mulher para a vaga. Reivindicações acompanharam o presidente em suas viagens internacionais do último mês, de Nova Déli, na Índia – com outdoors da campanha “Ministra Negra no STF” – à Times Square, Nova York, com a exibição de um curta-metragem do IDPN (Instituto de Defesa da População Negra) sobre o tema.
No último ano, ocorreram duas nomeações de mulheres para cargos em cortes superiores. Edilene Lôbo, em agosto, tomou posse como suplente no TSE e se tornou a primeira ministra negra da corte – evento no qual ela destacou a importância da sua nomeação para a presença de mulheres negras em espaços de poder. E a advogada Daniela Teixeira, indicada pelo presidente Lula para compor o STJ (Supremo Tribunal de Justiça) e a única mulher na lista tríplice da advocacia para a indicação à corte. “Como OAB-SP, conseguimos incentivar nomes que não teriam esse espaço de visibilidade, mas que merecem as mesmas oportunidades”, diz Patricia Vanzolini, presidente da OAB-SP e apoiadora da indicação de Teixeira.
“Eu nunca almejei e, muito menos, me imaginei nesse lugar”, diz Lívia Sant’Anna Vaz, promotora de Justiça há mais de 20 anos na Bahia e cujo nome vem sendo citado como uma das possibilidades para a vaga de Rosa Weber. Ela é um dos nomes que aparece na campanha “Ministra Negra Já”, que destaca os números do Judiciário: as mulheres negras são só 5% dos juízes brasileiros – de acordo com um levantamento do CNJ do começo de 2023 – apesar de representarem quase 25% da população brasileira.
Além de Vaz, a advogada Soraia Mendes e a juíza federal Adriana Cruz são os outros dois nomes endossados pelo movimento.“Sei a responsabilidade de dizer: ‘Eu estou preparada para ser ministra do STF. Eu me reconhecer como uma figura capacitada auxilia minhas irmãs negras e, possivelmente, todas as mulheres, a também se verem neste lugar”, diz Soraia Mendes.
Por que mulheres são menos promovidas no judiciário
A magistratura também tem se movimentado pelo reconhecimento de que mulheres são menos promovidas para cargos de liderança, como para desembargadoras e ministras. Uma carta do movimento “Paridade no Judiciário”, criado por magistradas em prol da igualdade de gênero na magistratura, já foi assinada por mais de 1,5 mil juízes e vê como retrocesso a nomeação de um homem para a vaga deixada por Weber. A atual presidente do CNJ, por sua vez, julgou nesta terça-feira (19) uma resolução que define que a promoção para juízes de segunda instância alterne entre mulheres e homens até que os tribunais atinjam 40% de composição feminina.
A juíza Mariana Yoshida, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul e parte do movimento de juízas em prol da igualdade na magistratura, é uma das acadêmicas pioneiras em pesquisar como as questões de gênero afetam a progressão de carreira de juízas. A pesquisa que ela fez em 2019 pela Enfam (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados) mapeou oito principais barreiras que mulheres enfrentam para ocupar cargos na segunda instância do Judiciário, que vão desde o ingresso desigual nos concursos públicos para a magistratura até atitudes discriminatórias durante a carreira e um maior impacto das promoções nas vidas pessoais das magistradas – que, muitas vezes, requerem que elas mudem suas rotinas familiares ou mudem de cidade.
Quase metade (46,9%) das juízas já deixaram em segundo plano a ascensão profissional pela acumulação de responsabilidades familiares, enquanto 31% recusaram promoções pelo impacto delas em suas vidas pessoais. É o que mostra um estudo da Enfam publicado em março deste ano, com dados de mais de 1,4 mil magistradas do final do ano passado. Em relação à discriminação, 55% já passaram por alguma ação preconceituosa por serem mulheres e 27% já sofreram de assédio moral e 20% de assédio sexual no exercício da profissão. Finalmente, 55% sentem que têm que trabalhar mais do que homens para serem reconhecidas profissionalmente.
As relações profissionais na magistratura e na política também têm um importante papel na progressão de carreira. “Existe uma dinâmica relacional dentro da magistratura que vai ser determinante para você chegar a posições específicas”, diz Yoshida.
Representatividade contribui para a justiça
Para a presença de mais pessoas negras na magistratura, já foram implementadas cotas raciais para que 20% dos ingressantes em concursos federais para juízes sejam negros. No entanto, nos últimos anos, a proporção de magistrados negros que tomaram posse tem caído, indo de 28,4% em 2020 para 20,5% em 2023, segundo dados do CNJ. “Já podemos perceber que as cotas raciais mantiveram o ingresso de mulheres negras na magistratura no mesmo patamar”, diz Yoshida.
A representatividade nas cortes deve retratar a composição da população brasileira, na qual a população negra é maioria (56%), segundo a presidente da OAB-SP. “A falta de representatividade e diversidade impacta muito nas decisões. Não é possível a existência de uma Justiça exercida apenas por uma parcela da sociedade, representada na figura do homem branco, principalmente porque essa simplesmente não é a maioria da população brasileira”, diz Patricia Vanzolini.
Vivências de pessoas diversas e contextos diversos nos tribunais são fundamentais para que a democracia também esteja presente neste poder. “A forma como nós construímos a Justiça também tem a ver com as experiências de vida de cada um. Então, as perspectivas de pessoas negras e, sobretudo, de mulheres negras precisam estar nesses ambientes”, diz Lívia Vaz.
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