Quem vê o presidente de uma empresa tende a pensar que sua trajetória foi de crescimento constante, de um caminho sem pedras e de vitória atrás de promoção. Bom, pelo menos pra mim não foi bem assim. E vou contar aqui a história de um soco no estômago que recebi e como ele me ensinou a ver feedbacks como presentes.
O ano era 1996, e eu ocupava a posição de gerente júnior. Foi a época em que trabalhava mais horas do meu dia, já que chegava no escritório antes das 7h30 e saía depois das 22h30. Eu tinha acabado de me casar e minha esposa estava fazendo uma pós-graduação, chegando em casa bem tarde. Aproveitei para me dedicar ainda mais ao trabalho. Queria muito crescer, e fui aproveitando todas as oportunidades que apareciam de novas responsabilidades. O que eu fazia na época hoje é feito por umas três ou quatro pessoas. Achei que estava mandando super bem, e já sonhava com uma promoção.
Leia também:
O que aprendi no dia mais difícil da minha vida
Existe uma equação para construção de um sonho?
Eu viajo todos os dias – e isso me ajuda a trazer equilíbrio
Foi aí que a realidade me atropelou. Um dia, em uma reunião de avaliação de talentos, os diretores discutiram meu trabalho e chegaram num duro diagnóstico: eu não tinha como crescer profissionalmente e dificilmente iria sair do nível em que estava. Tinha chegado no meu nível destino, e era provável que eu passaria o resto da carreira nele.
Hein? Como assim? Trabalhando feito um camelo e é isso que eu ouço? As palavras do feedback foram realmente o tal soco no estômago e voltei para casa muito chateado. Bom, em outro artigo aqui falei da regra das 48h né? Esperar as emoções fluirem por dois dias, e depois aprender e agir. Passado o baque inicial, nos dias seguintes eu percebi que teria dois caminhos: o primeiro seria o desapontamento. Eu poderia ficar indignado com as pessoas, com os chefes que não sabiam reconhecer meu trabalho, jogar tudo para o alto e sair da empresa.
Porém, existia um segundo caminho, de reflexão. Eu resolvi encarar aquele feedback de frente. Em vez de jogar a responsabilidade para outros, eu decidi me questionar porque eu estava trabalhando tanto, mas a percepção externa era diferente. Com auto-análise, percebi que fazia muitos projetos, porém eram tantas coisas, que muitas saíam com baixa qualidade. Dei-me conta de que não soube dizer não, e aceitei projetos demais. Foi uma grande lição para mim.
Olhando para trás, percebo que apliquei um modelo que hoje uso muito, o PIE – Performance, Imagem e Exposição. Trabalhei nas três áreas.
Performance: foi o primeiro ponto que comecei a trabalhar, já que minha perfomance estava muito afetada pela quantidade de tarefas que eu tinha. Fui até meu chefe e negociei meus projetos, mostrando que estava com responsabilidades demais. Não foi uma conversa fácil, afinal, quem quer abrir mão de responsabilidades? Mas ele concordou e remanejamos prioridades. Aprendi a dizer não.
Imagem: depois disso, veio o questionamento da imagem que eu estava transmitindo. Cheguei à conclusão de que eu passava a figura de uma pessoa sobrecarregada, que não tinha tempo para nada, e reagia muitas vezes com má vontade. Isso gera falta de confiança, aquela pulga atrás da orelha do gestor que não sabe se você vai entregar ou não. Aprendi que só você sabe das suas dores. Não adianta esperar que os outros adivinhem o que está passando.
Exposição: por último, tinha a questão de Exposição. Na época, meus projetos não tinham visibilidade com a liderança, que até via meu trabalho pronto, mas não sabiam quem tinha produzido, nem do que eu era capaz. Pensando nisso, com muita coragem pedi ao meu chefe: “você me dá um projeto para que eu possa trabalhar diretamente com o seu chefe?”. Era um pedido arriscado, mas ele me deu um voto de confiança. Tínhamos acabado de comprar uma marca nova. Existia um trabalho grande a ser feito de integração dela ao portfolio da empresa, muita análise das oportunidades e ajustes a serem implementados. Aprendi que não basta fazer um bom trabalho, tem que dar visibilidade a ele.
Não quero dizer que esse processo foi fácil ou rápido, mas com bastante dedicação, fui conseguindo entregar resultados, e em alguns meses meu chefe e o diretor da área começaram a me ver com outros olhos. Pude ajustar a rota e crescer muito mais na minha vida profissional e também pessoal.
A principal lição que levei é que o feedback é um presente. Lidar com feedback negativo é desafiador, dói um pouco, pode até criar revolta, mas é melhor do que ser ignorado. Se a pessoa que está conversando com você tomou o tempo para explicar o que precisa ser aprimorado, isso precisa ser considerado uma ferramenta valiosa. Esse “não” ou esse “wake up call” podem ser catalisadores para a reinvenção. Aprendi a ver o feedback não como uma ofensa, mas como um presente que ajuda a moldar meu desenvolvimento, tanto pessoal quanto profissional.
Até hoje eu tenho uma coleção de feedbacks que preciso trabalhar, e acho que essa é a nuance que nos mostra que estamos em constante evolução. Se você se identificou com algum pedaço dessa história, lembre-se: nenhum feedback é definitivo. E como essa história terminou? Bom, o meu chefe da época é até hoje um dos meus melhores amigos, e guardo com muito carinho uma carta que recebi do diretor dando os parabéns pela minha promoção. Acima de tudo, aprendi que só eu posso me dizer até onde consigo ir.
*André Felicíssimo, presidente da P&G Brasil
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.
O post O feedback mais difícil da minha carreira apareceu primeiro em Forbes Brasil.