Em tempos normais, o agricultor ucraniano Oleksandr Kryvtsov não seria uma celebridade nas redes sociais. Krystov, frustrado pelo fato de muitas das suas terras agrícolas estarem contaminadas com minas terrestres, resolveu o problema com as próprias mãos, transformando o seu trator num veículo de desminagem controlado remotamente. Vídeos e imagens de seu trator azul claro desminando campos perto de Hrakove, na Ucrânia, se tornaram virais no início deste verão europeu.
À medida que a maré vira contra a Rússia na sua guerra contra a Ucrânia, ela depende cada vez mais de enormes campos de minas terrestres para impedir a Ucrânia de libertar o seu território. Hoje, uma área aproximadamente do tamanho da Flórida, na Ucrânia, está contaminada. Uma grande parte dessas minas terrestres encontra-se em terras agrícolas de alta fertilidade, cuja presença é um obstáculo ao investimento, à segurança alimentar e um perigo para a vida humana.
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A Ucrânia tem um plano ambicioso voltando, cada vez mais, sua atenção para o desafio da desminagem de grandes áreas do país para retomar a produção agrícola. O ambicioso plano é desminar, pelo menos, os 470 mil hectares mais valiosos de terras agrícolas nos próximos quatro anos. Mas, segundo algumas estimativas, as minas terrestres permanecerão ali adormecidas durante décadas, se não séculos.
A escala do problema não pode ser subestimada. Mas outro país pós-soviético, que tenta desbravar novos caminhos face a um problema aparentemente insuperável de minas terrestres, poderia fornecer parte da solução.
O Azerbaijão recapturou grandes áreas do seu território reconhecido internacionalmente, que tinha sido tomado pelos separatistas armênios nos últimos dias da União Soviética e ocupado durante três décadas, até 2020.
Tal como a Ucrânia, essas terras estão agora fortemente contaminadas com minas terrestres da era soviética. E tal como a Ucrânia, essa terra também tem um potencial agrícola que o Azerbaijão espera explorar. Graças aos esforços contínuos de desminagem, cerca de 50 mil hectares foram plantados com culturas de cereais no ano passado, de acordo com o Ministério da Agricultura do Azerbaijão.
O Azerbaijão fez da desminagem uma prioridade máxima porque centenas de milhares de antigos moradores que foram expulsos de suas casas esperam regressar e reconstruir cidades em ruínas. Essa região de guerra também já foi conhecida por seus produtos agrícolas.
“Como resultado da libertação dos territórios do Azerbaijão, estamos agora na fase ativa de desenvolvimento dessas terras no que diz respeito às infras-estruturas, incluindo o desenvolvimento agrícola. Porque o potencial agrícola nas áreas libertadas é realmente impressionante”, disse Ilham Aliyevo, presidente do Azerbaijão no início deste ano.
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Esta necessidade urgente de desminar os territórios libertados é uma das “questões mais importantes” do Azerbaijão. Ela foi reiterada pelo presidente Aliyev durante o Fórum Global de Mídia do Azerbaijão, no mês passado. Dirigindo-se a centenas de delegados internacionais na cidade de Shusha – também numa área ainda fortemente contaminada por minas – onde cerca de 300 azerbaijanos foram mortos ou feridos por minas terrestres desde que o Azerbaijão recuperou a região. É uma história semelhante à Ucrânia, com uma reviravolta sombria. De acordo com a Save The Children, uma ONG, um em cada oito feridos na Ucrânia são crianças.
Mas um dos maiores obstáculos à desminagem é o custo. Embora o custo de produção de uma mina terrestre seja relativamente barato, de US$ 3 (R$ 15) a US$ 75 dólares (R$ 370), de acordo com a Cruz Vermelha Internacional, o custo de remoção de uma única mina pode variar de US$ 300 (cerca de R$ 1.500) a US$ 1.000 dólares (R$ 4.800). Mesmo para o Azerbaijão, um país relativamente rico devido aos seus abundantes recursos de gás natural, isto representa um grande desafio. Para a Ucrânia será ainda pior. “Recebemos propostas de várias empresas internacionais para trabalhar nesta área, mas infelizmente o preço foi muito elevado…em média, 8 a 10 vezes [o custo local]”, disse o presidente Aliyev.
A ANAMA (Agência Nacional de Acção contra as Minas do Azerbaijão) – criada em 1998 com o objetivo de desminar o país com o apoio das Nações Unidas, desenvolveu abordagens inovadoras para a desminagem. Ao longo dos anos, também foi apoiado pelo governo dos EUA. Hoje a agência está formando novos voluntários entre os deslocados internos.
“Eles estão limpando as suas próprias terras”, diz Samir Poladov, vice-presidente da ANAMA. “Sabem que estão fazendo esse trabalho por conta própria. E terceirizar os mesmos empregos para empresas estrangeiras custaria 10 vezes mais.”
A ANAMA também esteve envolvida noutros projetos, tais como iniciativas de microcrédito para ajudar a restaurar os meios de subsistência dos deslocados internos.
Este é um modelo que poderá funcionar bem na Ucrânia, onde muitos agricultores como Oleksandr Kryvtsov já estão resolvendo o problema com as próprias mãos para limpar as suas terras, frustrados pelo ritmo meticulosamente lento da desminagem. No Azerbaijão existem ainda outras frustrações.
“As autoridades armênias falharam consistentemente ou recusaram-se a entregar mapas detalhando onde as minas foram colocadas. Nos casos em que o fizeram, os mapas estão incompletos. Com demasiada frequência, os profissionais de desminagem são forçados a trabalhar com registros imparciais, tornando o seu trabalho ainda mais lento e mortal do que seria de outra forma.” A Armênia há muito nega esta acusação e afirma que destino dos mapas ficou vinculado às negociações sobre os prisioneiros de guerra do conflito de 2020.
Se a Ucrânia sair vitoriosa na sua guerra com a Rússia, é improvável que Putin seja mais aberto no fornecimento de mapas de minas. Em ambos os casos, o caos do campo de batalha, as mudanças nos padrões climáticos, as inundações e outros problemas podem fazer com que tais mapas tenham utilidade limitada. Especialmente nos casos em que minas terrestres foram plantadas há anos, senão décadas atrás.
O Azerbaijão também recorreu à Apopo para ajudar na sua luta contra as minas terrestres. Ela é uma organização sem fins lucrativos, registrada nos EUA, com sede na Tanzânia. A Apopo é famosa na comunidade de desminagem pela utilização de cães e de ratos gigantes africanos no processo de desminagem. Ambos os animais têm narizes sensíveis que podem ser treinados para farejar indícios de explosivos. Alguns ratos da Apopo também foram treinados para detectar tuberculose em pacientes. Os ratos trabalham por amendoim – literalmente. “No Azerbaijão, há vontade de experimentar coisas novas e soluções inovadoras”, disse Itamar Levy, diretor da Apopo, que trabalhou nos esforços de desminagem no Azerbaijão e na Ucrânia.
Este ano, uma missão ucraniana visitou o Azerbaijão para compreender melhor a abordagem do país à desminagem. Representantes do Médio Oriente também visitaram o Azerbaijão para compreender melhor essa estratégia. Foi formada uma empresa conjunta, a Saud-Azeri, para aplicar o conhecimento e as tecnologias do Azerbaijão noutras partes do mundo. Cerca de 61 países em todo o mundo ainda estão contaminados com minas terrestres – principalmente provenientes de guerras que terminaram há anos. Em muitos casos, as minas terrestres estão localizadas em terras agrícolas de primeira qualidade. Por isso, elas representam uma ameaça à segurança humana e alimentar em todo o mundo.
“O Azerbaijão está pronto para apresentar um novo pacote humanitário, incluindo equipamento de limpeza de minas. A desminagem é uma das direções importantes da cooperação com os nossos parceiros. A Ucrânia precisa de receber este equipamento. A produção também deve ser baseada na Ucrânia, para que possamos limpar a nossa terra das minas russas”, disse o presidente ucraniano, Volodomyr Zelensky, num discurso de agradecimento ao Azerbaijão no início deste mês.
Contudo, em ambos os países, a batalha contra as minas terrestres levará anos, senão décadas. No caso da Ucrânia, alguns analistas mais pessimistas sugerem que poderá levar séculos, a menos que sejam tentadas soluções inovadoras para descontaminar os cerca de 30% do território ucraniano que está atualmente minado. Mas é preciso garantir que agricultores como Oleksandr Kryvtsov possam um dia voltar a plantar.
* Texto originalmente publicado na Zenger News, primeira agência digital de notícias do mundo, presente em cerca de 110 países. (tradução; ForbesAgro)
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