Nos 12 meses até o dia 18 de agosto, as ações do Pão de Açúcar (PCAR3) apresentaram uma desvalorização de 3,4% no pregão da B3. Foi o melhor desempenho entre as empresas listadas do setor. Nesse período, ações como Americanas (AMER3) chegaram a perder 92% de seu valor (confira a lista a seguir). E mesmo empresas consideradas acima da crítica (e das crises), como Lojas Renner (LREN3) fizeram seus acionistas contabilizar prejuízos e preocupações. O que está ocorrendo com o varejo, um dos setores mais tradicionais da economia e das bolsas?
O momento desafiador que o varejo brasileiro está atravessando tem causas profundas e estruturais. Não é uma crise pontual. “O setor vinha enfrentando desafios, que foram acentuados pela pandemia e pelo período prolongado de juros elevados”, diz o analista independente Ricardo Schweitzer.
Segundo o analista, a pandemia pegou o varejo de surpresa e obrigou as empresas a acelerar suas estratégias de digitalização das operações. A pressa teve seu preço. “Todo mundo quis lançar um e-commerce e um marketplace, e nem todas essas operações foram bem-sucedidas”, diz ele. “Todas essas empresas se lançaram em projetos de investimento relevantes relacionados ao digital que, por terem sido simultâneos, tiveram mais dificuldades e produziram menos resultados.”
A Forbes conversou com vários analistas de mercado para explicar a crise do varejo. A seguir, as explicações para os problemas setoriais.
Roupas
Exemplo: Lojas Renner (LREN3)
Queda: 36,0%
A Lojas Renner (LREN3) era considerada o exemplo mais bem-sucedido de varejo brasileiro na chamada “linha mole”, as roupas. A gestão precisa de estoques, investimentos pesados na informatização (que permitem reagir rapidamente a mudanças na demanda) e, mais recentemente, a aposta em uma financeira para apoiar as compras dos clientes tornavam a empresa imbatível nos resultados e nos pregões.
Antes da pandemia, a Renner buscou um movimento inteligente: investir em lojas próprias fisicamente muito próximas de shopping centers, de maneira a capturar o público que vai a esses centros de compras sem ter de arcar com os aluguéis caros dos shoppings. Mesmo assim, porém, a empresa vem caindo nos pregões.
O que afetou a Renner, assim como concorrentes como Marisa (AMAR3) e outras empresas não listadas em bolsa, foi a concorrência importada. Mais especificamente da empresa chinesa Shein. Por não ter lojas físicas e depender quase que totalmente do comércio eletrônico, a empresa do país asiático consegue ter custos menores e preços mais competitivos do que as concorrentes brasileiras, que têm de gerir redes.
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Segundo Lucas Lima, analista da VG Research, a Marisa é um exemplo de empresa que não possui tanta diferenciação entre os seus principais pares e não consegue ter uma vantagem competitiva relevante. “Ela depende de um cenário macroeconômico muito favorável com taxa de juros e inflação baixa para conseguir crescer faturamento e principalmente rentabilidade.” Por outro lado, diz ele, “empresas como Mercado Livre conseguem obter ótimos resultados mesmo em cenário macroeconômico desfavorável.”
Como resolver a crise?
Buscar diferenciar-se da concorrência e cortar custos à espera de uma melhora das condições macroeconômicas.
Eletrodomésticos
Exemplos: Magazine Luíza (MGLU3)
Queda: 29,9%
Antes da pandemia, a Magalu foi a empresa de maior valorização no mercado. Suas ações chegaram a subir 1.500% em relação à abertura de capital. No entanto, os tempos mudaram. Em 12 meses, as ações recuaram 29,9% e estão muito abaixo do pico histórico.
Empresas como Magazine Luiza e Via, cujo principal produto são bens duráveis, são extremamente sensíveis ao cenário macroeconômico. “Em momentos de incerteza econômica, as pessoas podem reduzir seus gastos discricionários, impactando negativamente as vendas desses produtos”, diz Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos. “Ninguém vai trocar de geladeira ou fogão em um ambiente desafiador com taxa de juros e inflação elevada, é uma decisão de compra que pode ser facilmente adiada.”
Todas as varejistas que operam com bens duráveis têm uma característica, que é usar os fornecedores de produtos como financiadores do capital de giro. Em português, vender à vista (ou antecipar os recebíveis) e comprar com os prazos mais longos possíveis.
Além de criar um dependência dos fornecedores, a prática aumenta a alavancagem e reduz margens. “Quando decompõe a rentabilidade de uma empresa, ela pode vir de margem, de giro e de alavancagem. O varejo trabalha mais com giro e alavancagem, e a maior parte usa a alavancagem indireta, na forma de capital de giro”, diz Schweitzer. “Se a operação estruturalmente não gera caixa e se ela se financia por antecipação de recebíveis, quando há uma queda na capacidade de originação de recebíveis, ela tem de encontrar outras fontes de recursos.”
Como resolver a crise
Reforçar capital, cortar custos e reduzir a alavancagem à espera de uma baixa dos juros.
Varejo genérico
Exemplo: Americanas (AMER3)
Queda: 92,9%
Boa parte da explicação para a crise da Americanas é a fraude contábil que gerou um rombo estimado em R$ 20 bilhões nas contas da varejista. No entanto, mesmo que isso não tivesse ocorrido, dificilmente as ações da empresa controlada pelo 3G Capital, de Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Herrmann Telles estariam no azul.
Empresa centenária, a Americanas tinha tanto um braço físico quanto uma operação digital. A percepção do setor era que ambos os negócios eram razoáveis, com os negócios digitais um pouco melhores. O que provocou os problemas, além da fraude, foi a dependência crescente do financiamento de terceiros. “Essa alavancagem é um clássico no varejo, ela ainda funciona, mas não é mais tão rentável e tornou-se muito mais complexa do que antigamente, devido a mudanças de comportamento do consumidor, que tem mais acesso a crédito e inadimplência”, diz Lima, da Ouro Preto.
Como resolver a crise?
Não há solução rápida à vista. O setor está enfrentando um desafio estrutural que vai modificar permanentemente seu perfil.
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