Com quase 30 anos de carreira jurídica em grandes empresas, Erica Barbagalo agora assume como vice-presidente de RH para a Bayer no Brasil e para o negócio Agro na América Latina. Para a executiva, ser escolhida para essa posição é consequência das suas boas entregas, mas principalmente por sempre buscar ir além da descrição do seu cargo. “Muitos dos avanços que tive na minha trajetória profissional aconteceram justamente em decorrência disso”, diz ela, que se envolve com pessoas e atividades que não se restringem ao dia a dia do seu trabalho.
A executiva, que ocupava o cargo de VP de Jurídico, Patentes e Compliance da empresa há mais de quatro anos e chegou a ser CEO interina da Bayer, iniciou sua carreira em escritório, antes de migrar para o mundo corporativo. “Quando comecei, não tinha referência de executivos jurídicos, muito menos de mulheres nessa posição”, diz Barbagalo, que hoje defende temas como equidade de gênero e a luta contra o etarismo no seu ambiente de trabalho e também no LinkedIn. “A fase em que as mulheres chegam na menopausa costuma coincidir com o ápice profissional. E as empresas não podem abrir mão de ter essas profissionais e essa experiência fora dos seus quadros.”
Barbagalo entrou na IBM como advogada júnior e, 13 anos depois, saiu como gestora, em 2009. Depois, passou pela Pepsico e pela Monsanto, que foi adquirida pela Bayer em 2018. “Não cogitava ser diretora, a evolução da minha carreira corporativa foi uma construção, embasada nas oportunidades que apareciam ou que eu criava.”
Em entrevista à Forbes, ela conta o que motivou a transição de carreira e sua relação com a menopausa no ambiente de trabalho.
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Forbes: O que te motivou a assumir um cargo fora da sua área de atuação? E como a carreira jurídica te ajudou a construir sua trajetória?
Erica Barbagalo: Desde que comecei a gerir pessoas, tenho cada vez mais me interessado e gostado do tema. Lidar com pessoas e apoiar seu desenvolvimento já eram meus principais motivadores de carreira. É o que tem realmente me movido nos últimos anos. Do meu ponto de vista, as pessoas são o maior ativo de qualquer empresa, afinal são elas que fazem tudo acontecer. Por conta disso, o RH já estava no meu plano de movimentação. É uma função onde posso ter uma visão ampla e causar ainda mais impacto na companhia e na sociedade, através de pessoas. Tenho paixão por estruturar times, observar talentos, ver como se encaixam. Também acredito que a atuação como jurídico corporativo desenvolve uma grande habilidade para lidar com pressão, gerenciar crises, ser ágil, e, em muitos casos, saber transitar em diferentes níveis organizacionais. O poder de influência e argumentação também se aprimora, assim como as estratégias de negociação.
F: E o que você acredita que te destacou para ser escolhida para essa posição?
EB: Sempre procurei me envolver com iniciativas e oportunidades que estavam além da minha descrição de cargo. Muitos dos avanços que tive na minha trajetória profissional aconteceram justamente em decorrência dessas oportunidades. Obviamente eu entregava muito bem os meus objetivos, mas sempre tive muita disposição para aprender, uma curiosidade positiva, então sempre estava me envolvendo com algo em paralelo. Também agregou muito no meu desenvolvimento o fato de fazer associações com outras pessoas. Entendi há muito tempo a importância do networking como uma rede de apoio, de uma troca genuína na qual você tanto dá quanto recebe. Isso tudo foi muito importante para alavancar minha carreira. Além disso, uma das minhas prioridades sempre foi equilibrar vida pessoal e trabalho – minha e da minha equipe. Sempre tive essa atenção com saúde mental, com a importância de realmente estar bem. Reforço com meu time para se observar e relaxar antes que haja risco de que a saúde mental seja prejudicada. É fundamental para mim ter um ambiente saudável, leve, com muita transparência e diálogos francos. Acredito que essa minha visão tenha sido fundamental para ser selecionada para essa posição.
F: Você diz que as grandes alavancadas da sua carreira aconteceram quando você estava envolvida em iniciativas fora do job description. Pode explicar um pouco?
EB: Eu entregava muito bem o que tinha que entregar, mas não parava aí, estava sempre me envolvendo com algo em paralelo e fazendo associações com outras pessoas, o que agregou muito no meu desenvolvimento. Sempre tive muita curiosidade com coisas novas, e precisava de muita humildade para aprender. Saber ouvir, estar atenta às novidades, me possibilitou e possibilita assumir novas responsabilidades ou abrir portas.
F: Como foi sua experiência como CEO interina da Bayer? O que você aprendeu nesse período?
Durante a licença-maternidade da nossa CEO Malu Nachreiner, assumi interinamente suas responsabilidades como CEO da Bayer Brasil, ao lado de Marcio Santos, que assumiu interinamente a função de presidente da Divisão Agro. Refletindo sobre este período, tenho orgulho do que realizamos. Alcançamos marcos significativos para a empresa no país e enfrentamos com sucesso os não poucos desafios que se apresentaram. Também pude reforçar meu orgulho da força da liderança feminina em nossa empresa. A diversidade de perspectivas e habilidades é um pilar fundamental do nosso sucesso. Do ponto de vista pessoal, estive em fóruns e situações de alta gestão que não costumava frequentar, que me acrescentaram em conhecimento, assim como tive experiências extraordinárias em gestão de lideranças, e ampliei minha rede de contatos, especialmente em nossos headquarters.
F: Você é uma defensora da “afetividade” na gestão. O que isso significa na prática? Como isso entra no seu dia a dia?
EB: Liderar vai muito além de impor autoridade. Não é sobre comandar, e sim sobre construir vínculos de admiração e confiança por meio de relações humanas e afetivas. Nos tempos atuais, mais do que nunca, a afetividade é necessária. Um bom líder olha para além dos resultados, cria uma visão para a equipe, com propósito e oportunidade. Enxerga o potencial de cada colaborador e se dedica a desenvolvê-lo. Líder é quem inspira, motiva e encoraja o time a alcançar o seu melhor através da evolução diária de cada um. É aquele que constrói um ambiente de trabalho baseado na empatia, no respeito e na valorização. Na minha trajetória, tive a sorte de conhecer e me inspirar em líderes excepcionais. Pessoas com consciência de que o sucesso de um negócio está diretamente ligado ao engajamento e bem-estar dos colaboradores.
F: A busca pela equidade de gênero e a luta contra o etarismo estão entre as suas principais causas. Como você observa a evolução desses temas desde que começou a carreira?
EB: Quando entrei no departamento jurídico, não tinha referência de líderes mulheres na área, eram pouquíssimas. Felizmente, hoje estamos mudando esse cenário. Como advogada corporativa, sempre observei com atenção as mudanças nos ambientes jurídicos de empresas, e pude constatar uma crescente presença feminina em posições de liderança nos departamentos. Minha geração pode ser considerada uma das pioneiras em ocupar a posição mais sênior em departamentos jurídicos, estabelecendo novos patamares para a liderança feminina. Sobre o etarismo, mulheres maduras frequentemente se sentem invisíveis e esquecidas no ambiente de trabalho. O sentimento de desvalorização, real ou perceptível, afeta a saúde mental de muitas, mesmo as que possuem carreira sólida e plena ciência do seu potencial. Para melhorar essa situação e assegurar que mulheres com experiência e capacidade não tenham sua performance afetada por esse sentimento de invisibilidade, é essencial garantir que todas as gerações de profissionais tenham acesso a oportunidades de aprendizado, desenvolvimento e capacitação. Tenho testemunhado uma significativa evolução na busca pela equidade de gênero e na luta contra o etarismo dentro das organizações. Inicialmente, essas questões eram frequentemente subestimadas ou até mesmo ignoradas em muitos setores. No entanto, ao longo dos anos, há uma crescente conscientização sobre a importância de garantir igualdade de oportunidades para todos e de combater os estereótipos relacionados à idade, principalmente diante do envelhecimento da população brasileira.
F: E qual o papel dos líderes em relação a esses temas?
EB: Os líderes desempenham um papel fundamental. Eles têm a responsabilidade de estabelecer exemplos positivos, fomentar um ambiente de trabalho inclusivo e implementar práticas que garantam a diversidade e a equidade. Líderes visionários não apenas demonstram respeito por todas as identidades de gênero e idades, mas também incentivam a participação ativa de indivíduos de todas as origens, enriquecendo assim a tomada de decisões e a cultura organizacional. Ao adotar uma postura pró-equidade e antietarismo, os líderes influenciam positivamente suas equipes e contribuem para uma transformação duradoura na sociedade.
F: Como foi o início da sua relação com a menopausa na carreira?
EB: Quando senti os primeiros sintomas, como ondas de calor e falhas de memória, tinha em torno de 50 anos e não relacionava muitos dos sintomas com sua verdadeira causa: o climatério. Esse não era um assunto para se comentar, nem mesmo com minha mãe ou mulheres da família, que dirá nas empresas. Menopausa era muito erroneamente associada com final de carreira, com término da fase produtiva da mulher. Na verdade, é só o final da fase reprodutiva, o que pode ser libertador sobre muitas perspectivas.
F: Como você enxerga o tema hoje?
EB: Embora hoje haja um pouco mais de clareza sobre menopausa, esse ainda é um assunto que precisa ser desmistificado. A falta de informação e empatia atravessa não só a vida pessoal, mas principalmente a profissional. Entendi que tinha um papel e podia ser protagonista dessa mudança, junto com tantas outras. Assim, atualmente, se no meio de uma reunião começo a sentir algum dos efeitos, como fogachos, por exemplo, falo abertamente, e eventualmente saio para tomar um ar. Temos mais abertura para falar sobre esse assunto, mas precisamos ampliar ainda mais essa liberdade. A fase em que as mulheres chegam na menopausa costuma coincidir com o momento em que elas estão no ápice profissional. E as empresas não podem abrir mão de ter essas profissionais e essa experiência fora dos seus quadros. As organizações precisam se adaptar rapidamente para reter e apoiar as mulheres nessa fase da vida.
F: O que você gostaria de ter ouvido no início da carreira que poderia ter feito a diferença?
EB: Que eu era capaz de ir além, pois me questionava muito, a síndrome de impostora era grande. Quem me vê hoje não sabe os medos que enfrentei, as crises de ansiedade. Avancei por ter o privilégio de ter uma família que sempre me apoiou emocionalmente, e isso estimulava minha coragem para superar os inúmeros desafios, encarando as crises de ansiedade e pânico.
Por quais empresas passou
Araujo e Policastro Advogados, Tostes Advogados, Unilever, IBM, Pepsico Brasil, Monsanto, Bayer
Formação
Direito pela PUC-SP (1993), com mestrado em Direito pelo USP (2001)
Primeiro emprego
Estagiária no Araújo e Policastro Advogados
Primeiro cargo de liderança
Legal Counsel Latam na IBM Global Services
Tempo de carreira
30 anos
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