Na fazenda de sua família, na Austrália, Claudine Ying cultiva abacates e mais de 30 tipos de frutas. Foi aprendendo sobre a qualidade do solo, água e terra, que ela se inspirou para lançar um fundo de capital de risco com a missão de “ajudar os agricultores em primeiro lugar”.
“Primeiro foi a agricultura, depois a comida”, diz Ying, sócia da CGV Ventures, à Forbes de seu escritório em Hong Kong. “À medida que você aprende mais e adquire mais conhecimento, percebe que são coisas que não podemos dar como certas”, completa.
Investir na agricultura pode parecer algo inesperado vindo da filha mais velha do bilionário Michael Ying, ex-presidente da varejista de moda Esprit, listada na bolsa de Hong Kong. No entanto, ela afirma que atuar na agricultura foi uma progressão natural de um “hobby familiar”. Em 2020, ela, que é uma ex-educadora, lançou a CGV juntamente com Mimi Lau, ex-tesoureira e diretora executiva da Goldman Sachs, que agora atua como parceira do fundo. Como parte do escritório da família Ying, a CGV investe em startups em estágio inicial que desenvolvem tecnologia para as indústrias de alimentos e agricultura, conhecidas como foodtechs e agtechs, respectivamente.
Inscreva sua empresa ou cooperativa no Forbes Agro100 utilizando este link
Siga a ForbesAgro no Instagram
Até o momento, o portfólio da CGV abrange dez empresas, sendo nove com sede nos Estados Unidos e uma em Hong Kong. Seus investimentos incluem a Brightseed, sediada em São Francisco, na Califórnia, uma homenageada na lista Forbes AI 50 do ano passado, que arrecadou US$ 68 milhões (R$ 325 milhões na cotação atual) em uma rodada de financiamento da Série B em maio, liderada pelo fundo estatal de Singapura, Temasek, a startup de óleos alternativos Zero Acre Farms, apoiada pelo Virgin Group, do bilionário Richard Branson, a Collaborative Fund e a Footprint Coalition, do ator de Hollywood Robert Downey Jr. A CGV se recusou a revelar o valor de seus ativos sob gestão ou os retornos anuais.
É um fundo em crescimento, diz Ying, e encontrar um “ponto de ancoragem” entre os investimentos potenciais envolveu considerável tentativa e erro. O processo de filtragem de centenas de ideias “inovadoras, mas malucas” ajudou a refinar os critérios de busca para soluções upstream e midstream ao longo da cadeia de suprimentos de alimentos. Ao olharem para um horizonte de investimento de cinco a sete anos, a CGV avalia se a ciência por trás dos produtos das startups foi desmistificada, se a solução é “imprescindível” e se o fundador possui a experiência e habilidade para executar o projeto com sucesso.
Ainda assim, não há uma receita fixa para investir em empresas de tecnologia avançada para alimentos e agricultura (foodtech e agtech), diz Ying. Atualmente, a CGV não tem preferência por um país específico, tendo se reunido com empreendedores da China, Brasil, Europa e Israel, entre outros lugares. Ying experimentou produtos de empresas candidatas ao portfólio para avaliar sua aptidão de mercado – por exemplo, antes de apoiar a Zero Acre Farms, tanto Ying quanto Lau cozinharam com os óleos fermentados multiuso da empresa e disseram ficar impressionadas com os resultados. “Eu tenho um filho que é alérgico a muitas coisas, então basicamente só podemos usar azeite e óleo de abacate”, afirma Ying. “Este óleo cultivado da Zero Acre Farms é um divisor de águas para nós”, completa.
Um destaque do portfólio da CGV é a Farmwise, uma agtech que desenvolve máquinas de remoção de ervas daninhas automatizadas e alimentadas por inteligência artificial. Seus sensores ajudam a dar “olhos” aos tratores, que podem identificar plantas indesejadas. Para conhecer melhor as operações da startup, Lau se ajoelhou nos campos em Salinas, na Califórnia – conhecida como a “saladeira” do mundo – e ficou impressionada com a tecnologia da Farmwise, que consegue distinguir instantaneamente entre brotos úteis e inúteis, muitas vezes difíceis de discernir a olho nu. A CGV apoiou a Farmwise em 2022, ano em que a empresa fechou uma rodada de financiamento da Série B de US$ 45 milhões (R$ 215 milhões), e que à época contava com excesso de demanda que poderia garantir a expansão de suas operações em fazendas nos Estados Unidos.
“Passamos por muitos fundadores, e em muitos deles não investimos. Mas todos nos impressionaram com sua paixão”, diz Lau sobre a Farmwise. “Eles escolheram perseguir algo muito incerto… porque empregar tecnologia na agricultura não é fácil.”
Olhando para o futuro, Ying e Lau dizem que estão considerando investimentos na Ásia, começando por Hong Kong. O único investimento da CGV no território autônomo chinês é na startup de carne à base de plantas Good Food Technologies, que arrecadou US$ 1,5 milhão (R$ 7,2 milhões), em uma rodada de financiamento semente liderada pela Gobi Partners em março do ano passado.
Entre os países asiáticos em crescimento, como Singapura e China, os graves riscos de segurança alimentar superam as preocupações climáticas em impulsionar o interesse em proteínas alternativas, de acordo com Mirte Gosker, diretora administrativa do think tank de proteínas alternativas Good Food Institute APAC. “Construir um sistema alimentar mais seguro, sustentável e justo não é apenas uma opção na Ásia… é uma necessidade”, diz Gosker.
Leia também:
Número de agtechs cresce 8% no Brasil e chega a 1.703 em 2022
Para onde as startups do agro devem olhar ainda neste ano
6 foodtechs brasileiras que estão revolucionando o mercado de refeições saudáveis
Com mais de 8 bilhões de pessoas no mundo, os sistemas alimentares globais precisarão fornecer alimentos para cerca de 9,7 bilhões de pessoas até 2050, de acordo com estimativas da ONU. Fatores geopolíticos ao longo do último ano também têm impactado a segurança alimentar, como a invasão da Rússia à Ucrânia – ambos países compõem uma das regiões “celeiros do mundo” – o que afetou as exportações de óleo de girassol e trigo, principalmente.
As dificuldades na cadeia de suprimentos também desempenharam um papel na queda do financiamento de agtechs e foodtechs ao longo do último ano, em meio a uma queda contínua na atividade de capital de risco. Em 2022, o financiamento global para agtechs e foodtechs despencou 44% em relação ao ano anterior, totalizando US$ 29,6 bilhões (R$ 141,8 milhões), de acordo com um relatório de março da AgFunder, uma empresa de capital de risco focada em agtech, e a empresa estatal de investimento de Singapura, Temasek. Em 2021, avaliações elevadas de empresas de tecnologia contribuíram para um recorde de US$ 51,7 bilhões (R$ 247,6 milhões) em financiamento de agtechs e foodtechs.
Nos próximos anos, uma área chave que precisa de mudanças é a educação, afirma Ying. São necessários empreendedores e inovação em foodtech e agtech, mas os estudantes podem não se sentir atraídos pela área. “Nunca vemos um mundo onde seja apenas tecnologia ou apenas robôs”, diz Ying. “É necessário cultivar ainda uma audiência mais jovem, ou um grupo de talentos mais jovens, para manter na agricultura a paixão pela inovação e qualidade.”
A educação faz parte natural da trajetória de Ying, cujo primeiro empreendimento envolveu o ensino. Em 2014, ela fundou o Bebegarten Education Center, um centro de educação infantil em Hong Kong, e o vendeu em 2018 para o grupo de educação em inglês Monkey Tree. Ying se formou em Educação na Universidade de Hong Kong, e antes disso já havia trabalhado na Fundação Yanai, organização sem fins lucrativos de sua família que oferece assistência educacional e médica a jovens na China continental.
Investir em foodtech e agtech é uma questão de sobrevivência, de acordo com as sócias – como Ying destaca, a agricultura e a segurança alimentar são “princípios fundamentais” para o nosso futuro.
“Todos nós precisamos comer”, diz Ying. “E não podemos continuar com imagens do passado onde [a agricultura] é trabalhosa e realizada sob o sol escaldante. Ainda há um pouco disso, mas a agricultura é algo significativo e pode ser realmente uma boa opção econômica.”
(tradução: João Pedro Isola.)
O post Caça às agtechs e foodtechs: como uma bilionária chinesa investe no agro apareceu primeiro em Forbes Brasil.