À medida que a indústria brasileira da cannabis cresce, aumenta a oferta de cursos de especialização e pós-graduação na área. Ou será que, justamente por haver cada vez mais ofertas de cursos, o mercado se desenvolve tão rapidamente, mesmo com a regulação limitada no país? Seja como for, o fato é que os cursos de formação e desenvolvimento representam hoje uma fatia milionária dentro do setor no Brasil. A Forbes conversou com as seis instituições de ensino mais relevantes na área e apurou que o faturamento médio de cada uma depois de, em média, dois anos de atividade, varia entre R$ 3 milhões e R$ 10 milhões.
Entre opções de curta, média e longa duração, existem mais de 80 cursos de cannabis no Brasil, de acordo com o anuário 2022 da Kaya Mind, empresa de análise de dados do ramo. A maior parte deles (42%) atende especificamente aos profissionais do âmbito medicinal, visando preencher uma lacuna que persiste na formação universitária dos médicos brasileiros, que ainda hoje passam pela universidade sem nunca ter aprendido como os canabinoides interagem com o sistema endocanabinoide – modulando nosso humor, sono, apetite, memória etc.
Dos mais de 550 mil médicos que atuam no Brasil, apesar de não haver dados oficiais, estima-se que apenas 15 mil sejam prescritores de cannabis. A ínfima parcela de profissionais que se sentem aptos para prescrever cannabis medicinal é a principal barreira para o desenvolvimento da medicina endocanabinoide no país, depois, claro, da omissão do poder legislativo em regulamentar a questão, contemplando os mais de 200 mil brasileiros que são pacientes de cannabis atualmente e outros mais de 10 milhões de cidadãos que padecem de alguma patologia para a qual a cannabis apresenta eficácia e segurança, como dor crônica, epilepsia, espasticidade, náusea, estresse e ansiedade.
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Vasto mercado
A procura por cursos de especialização para médicos tende a crescer com o tempo e o aumento da necessidade desses profissionais, que começam a entender a utilidade da nova terapia canabinoide em seus consultórios. “Pouquíssimos médicos no Brasil têm algum conhecimento sobre o tema e 60% dos pacientes acima dos 60 anos vão apresentar alguma doença que pode responder aos canabinoides. Assim, temos uma demanda muito clara, em contrapartida a uma oferta muito baixa de médicos que saibam prescrever”, afirma a neurologista especialista em cannabis Paula Dall Stella.
Além de atuar no Núcleo de Cannabis Medicinal do Sírio-Libanês e ser professora na pós-graduação de neuro-oncologia do hospital, Dall Stella fundou, em 2021, a Sativa Global Education, uma escola de aprendizagem e aperfeiçoamento sobre cannabis medicinal e sistema endocanabinoide, que já formou mais de 400 alunos, com faturamento médio de R$ 4 milhões. Certificada pelo Ministério da Educação (MEC), a escola escolheu nomes potentes para compor seu corpo docente, como o professor Ethan Russo, que participou dos processos regulatórios do primeiro medicamento de cannabis aprovado no mundo, o Mevatyl.
Caprichar na escolha dos professores – com sumidades no assunto, como Manuel Guzmán, Mariano Garcia e Paola Pineda – também foi a aposta de um dos primeiros cursos de especialização para médicos que surgiu no Brasil e hoje atende a públicos internacionais, com tradução simultânea em português, inglês e espanhol.
Quando a neurocirurgiã Patricia Montagner começou a prescrever cannabis, em 2015, buscou especializar-se e não encontrou nenhuma oferta a contento. Surgiu a ideia, então, de criar a WeCann Academy, que desde o lançamento da operação, em 2021, até agora, já faturou mais de R$ 10 milhões em uma jornada de aprendizagem que tem duração de sete semanas.
Entretanto, os alunos podem ficar um ano inteiro dentro da comunidade, discutindo casos clínicos com os experts, esclarecendo dúvidas e participando de aulas quinzenais de atualização, um ponto-chave no ensino endocanabinoide, de acordo com Montagner. “O raciocínio clínico em torno dessa terapêutica é muito diferente do racional alopático habitual, e o conhecimento está em franco desenvolvimento. Ainda não é possível transmitir esse conhecimento com excelência com aulas gravadas e conteúdos estáticos.”
Boom de cursos sobre cannabis
A principal dor dos profissionais que atuam ou querem atuar com cannabis no Brasil ainda é a falta de informação, mas o mercado já está se movimentando para suprir essa demanda, gerando um boom de cursos voltados não apenas para ensinar o médico a prescrever, mas também a profissionais de outras áreas, como direito ou psicologia. Em todos os casos, o ideal é conhecer o tema de A a Z, incluindo a história da planta, botânica, agronomia, artes, empreendedorismo etc.
A pós-graduação lato sensu multiprofissional da Inspirali, coordenada pela médica especialista em cannabis Jackeline Barbosa e pelo professor Lauro Rodriguez Pontes, passa por todas essas esferas de conhecimento da cannabis, e já formou cerca de 250 especialistas (gerando faturamento de R$ 5 milhões), em sua maioria de medicina, odontologia, farmácia e demais áreas da saúde.
Mas não apenas. Gente da agronomia à antropologia compõe o perfil dos estudantes, e ainda tem “os que se especializam seja por já terem se beneficiado pessoalmente ou por familiares que precisaram acessar a cannabis como terapêutica”, conta Barbosa.
Depois que o profissional passou pela fase de “apresentação” da cannabis e suas diversas possibilidades, um mesmo curso para um veterinário, um farmacêutico e um médico certamente não atenderão cada necessidade satisfatoriamente. Por isso, os cursos de nicho serão o próximo passo das instituições de ensino a ser implementados no decorrer de 2023 e em 2024.
Nichar para expandir
A Universidade Unyleya já conta com quatro pós-graduações em cannabis (medicinal, direito, farmácia e medicina canabinoide) e vai lançar nos próximos meses aulas de odontologia e veterinária, as duas novidades mais buscadas por novos alunos. “Possivelmente, até o fim do ano lançaremos mais uns seis ou sete cursos em outras áreas da cannabis. Estamos de olho em tudo o que for relevante e pretendemos implementar nosso faturamento nesse nicho”, abre os planos Ciro Hasslocher, CEO da instituição de ensino a distância que já formou mil alunos nesse nicho e faturou em torno de R$ 4 milhões.
Nem só de cursos de longa duração vive o mercado de especializações em cannabis. Cursos livres, de curta e média duração, também fazem sucesso. Destaque para os cursos da Open Green (que vai desde habeas corpus de cultivo para advogados até culinária canábica), os da Kaya Mind (de imersão no mercado e para comunicadores), o da Dr. Pet Cannabis (que já formou mais de 1,8 mil veterinários, faturando R$ 3,2 milhões) e os seis cursos da Dr. Cannabis (com destaque para psicólogos e enfermeiros), que projeta faturamento de R$ 10 milhões entre 2023 e 2024.
Maria Eugênia Riscala, sócia e fundadora da Kaya Mind, prepara o lançamento de mais quatro cursos livres para este ano, enquanto analisa o promissor mercado de formação em nichos específicos da cannabis, sejam eles legalizados ou não. “Há cursos de todos os tipos. Tem gente ensinando a fazer cultivo, extração, aulas avulsas de cannabis na nutrição, e outros temas que ainda não fazem parte do dia a dia porque não fazem parte de um mercado lícito. Estamos falando de um mercado real, com possibilidades de um mercado futuro cada vez mais forte.”
* Esta matéria foi publicada na edição 108 da Revista Forbes, que pode ser acessada por aplicativo ou na versão impressa.
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