Num sábado de manhã, Nancy Whiteman se deu conta que estava chapada no meio de um supermercado em Boulder, Colorado. A co-fundadora da empresa de produtos comestíveis à base de cannabis Wana Brands estava testando uma nova espécie de goma que sua empresa, criada em 2010, havia desenvolvido. Sua equipe pediu que ela identificasse quais efeitos tinha em seu corpo, especificamente em sua energia física ou mental. Whiteman ingeriu o comestível pouco antes de uma aula de pilates e, duas horas depois, se deu conta que estava fascinada pelos rótulos e produtos no supermercado.
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“Eu sempre sou a cobaia”, diz Whiteman, que testa todos os produtos que a Wana cria, incluindo balas de goma infusionadas com cannabis projetadas para deixar os consumidores calmos, com sono ou focados. “Não era uma questão de fome, era mais cognitivo. Eu disse para mim mesma: ‘Meu Deus, quem diria que há atum em vidros envoltos em azeite de oliva extra virgem?’ De repente, isso me intrigou.”
Em pouco mais de uma década, Whiteman, a executiva apelidada de “rainha da maconha legal” construiu uma das marcas mais bem-sucedidas da indústria da cannabis. Ela não é um nome conhecido do público em geral, mas silenciosamente e metodicamente fez da Wana uma das maiores empresas de produtos comestíveis à base de cannabis do mundo, com uma receita estimada de $115 milhões em 2022 (R$ 575 milhões).
Mercado de cannabis movimenta R$ 131 bilhões
Em 2021, ela fechou um acordo para vender a Wana por US$350 milhões (R$ 1,76 bilhão) para a empresa de cannabis Canopy Growth Corporation e se tornou uma das empreendedoras mais ricas da indústria legal de cannabis, que movimenta R$131 bilhões no mundo.
A Canopy está sediada no Canadá, onde a maconha é legal, e decidiu criar uma entidade nos EUA para fechar o acordo com a Wana mais rapidamente. O acordo é único: convenceu a Canopy a comprar a opção de adquirir a Wana, e a Canopy pagou a ela US$297,5 milhões em dinheiro por 85% da empresa. Os 15% restantes serão pagos quando a transação for concluída.
Após impostos, um generoso pagamento em dinheiro para seus funcionários e uma doação de US$50 milhões para sua organização sem fins lucrativos, a Forbes estima que Whiteman tenha um patrimônio líquido de US$225 milhões (R$ 1,12 bilhão), o suficiente para estrear no ranking das Mulheres de Negócios Mais Bem-sucedidas dos EUA.
“Ela venceu”, diz Emily Paxhia, investidora de cannabis e co-fundadora do fundo de hedge pioneiro Poseidon, em San Francisco, e que não apoiou a Wana. “Ela alcançou uma das maiores vendas, em termos de valor, como proprietária individual. Ela acertou no momento e todos na categoria de gomas devem agradecer a Nancy. É fácil seguir, mas ela foi quem começou.”
A Wana não é a marca mais chamativa nem uma queridinha da mídia como as concorrentes Wyld ou Kiva, mas é a mais constante da categoria. “Nós não nos importamos muito em sermos descolados”, diz Whiteman enquanto toma um café da manhã com ovos mexidos e batatas no Lambs Club de Manhattan. “Nós nos importamos em ser eficientes e inovadores.”
Comestíveis de maconha faturam R$ 17,7 bilhões
De acordo com a empresa de dados Headset, os comestíveis representam cerca de 13% do mercado legal de cannabis, o equivalente a cerca de US$ 3,4 bilhões (R$ 17,7 bilhões) em vendas no ano passado. No estado natal do Colorado, a Wana é a segunda marca de comestíveis mais vendida, logo atrás da Wyld, que tem uma participação de mercado estimada em 26% e US$ 61 milhões em vendas no varejo em 2022, de acordo com dados da Headset.
No geral, a Wana e suas licenciadas produzem quase 100 milhões de gomas por ano. Embora Kiva e Wyld sejam marcas maiores em termos de vendas, a Wana é a mais difundida, disponível em 15 estados dos EUA, Porto Rico e nove províncias canadenses. “Acredito que a estratégia da Wana é ser ampla em vez de profunda, no sentido de que eles têm mais exposição do que a maioria das marcas em cada estado”, diz Cy Scott, CEO e cofundador da Headset.
Whiteman não estava destinada a ser uma figura de destaque no mundo da maconha. Nascida em Chicago e criada em White Plains, Nova York, ela fez seu MBA na Universidade de Massachusetts e, no início dos anos 1990, morava em Boston, trabalhando como vice-presidente de marketing na empresa de seguros de vida Paul Revere. Whiteman, seu marido e filho se mudaram para Boulder em 1996 e ela iniciou sua própria consultoria, ajudando clientes como o MSN, da Microsoft. Um dia, em 2010, sua filha trouxe uma amiga para casa e Whiteman começou a conversar com o pai da amiga sobre trabalho. Quando ela perguntou o que ele fazia, ele disse: “Você não aprovaria”, conta Whiteman.
Ele explicou que estava fazendo um “refrigerante com infusão”, e embora Whiteman fosse “extremamente familiarizada” com maconha – ela começou a fumar maconha na adolescência -, não estava familiarizada com a linguagem da cannabis legal. “Eu nem sabia do que ele estava falando, mas ele explicou que era infusionado com maconha. E começamos a conversar”.
Começou dividindo uma cozinha
Whiteman e seu marido começaram a fazer comestíveis em uma cozinha comercial em Boulder que compartilhavam com o pai da amiga de sua filha. Nos primeiros dias da cannabis legal no Colorado, o mercado de comestíveis apresentava principalmente alimentos caseiros, como os encontrados em uma venda de bolos de escola. “Tentamos de tudo – tínhamos produtos assados, tínhamos doces e por um breve período fizemos carne seca infusionada”, diz Whiteman, rindo.
Sem empresas de dados ou software de CRM para ajudar a tomar decisões sobre produtos, Whiteman visitou cada dispensário que vendia seus produtos para descobrir quais eram os mais populares entre os clientes. “Paramos de fazer as coisas que eles não compravam. E continuamos fazendo as coisas que eles compravam”.
No final de 2011, os Whitemans haviam se mudado para sua própria cozinha – e se divorciado. (Sete anos depois, ela comprou a parte de seu ex-marido para se tornar a única proprietária da Wana.) Eles haviam desenvolvido uma versão do produto pelo qual a Wana se tornaria conhecida – a goma de THC. Nessa época, em Denver, um concorrente havia começado a comprar ursinhos de goma e borrifá-los com óleo de haxixe. Whiteman achou que poderiam fazer melhor e fez, do zero, a primeira goma de pectina vegana.
“Entramos nesse segmento de produto muito cedo, antes dos dados nos mostrarem que a goma seria o aplicativo matador, por assim dizer, dos comestíveis”, diz ela. “Agora, é claro, as gomas representam cerca de 75% da categoria e realmente se tornaram a plataforma para comestíveis.”
Em 2015, a Wana expandiu-se para Oregon. Como a maconha era e ainda é proibida em nível federal, a cannabis não pode atravessar legalmente as fronteiras estaduais. Whiteman teve uma escolha: construir uma cozinha em cada estado em que ela queria expandir ou licenciar suas receitas, formulações e marca para parceiros em outros estados. Ela optou pela licença.
“Escolhemos não sair e levantar muito dinheiro e, em vez disso, ser leves em ativos, o que é uma maneira muito eficiente de fazer as coisas”, diz Whiteman. “Naquela época, todos pensávamos que a legalização federal poderia vir um pouco mais rápido, então havia o espectro de ter que montar instalações em cada estado, com uma boa possibilidade de ter que fechá-las em algum momento.”
A empresa agora tem 16 parceiros nos Estados Unidos e Canadá. Dependendo da necessidade de contratar equipes locais de vendas e marketing, a Wana recebe uma porcentagem entre 15% e 40% da receita. A estratégia nem sempre deu certo. Apesar de ser uma das três maiores fabricantes de comestíveis nos EUA, a Wana não tem mais presença na Califórnia, o maior mercado de cannabis do país, que registrou vendas de US$ 5,3 bilhões no ano passado. Kiva gerou US$ 183 milhões em vendas no varejo lá em 2022, enquanto a Wyld arrecadou US$ 127 milhões, de acordo com a Headset. (Ambas as empresas vendem no atacado). Mas, apesar do dinheiro em jogo, a Wana deixou a Califórnia depois de dois anos e meio. “Aconteceu que entramos no mercado logo quando os preços no atacado começaram a cair drasticamente”, diz ela.
Em 2020, quando parecia que a legalização federal estava próxima sob a administração Biden, Whiteman começou a ter reuniões com algumas grandes empresas de cannabis que tinham instalações de cultivo, fabricação e varejo em vários estados, além de firmas de private equity e investidores fora da indústria para explorar o quanto a Wana poderia valer. “Minha sensação era que a indústria estava começando a mudar”, lembra ela, “e eu senti que estar alinhada com uma organização maior faria mais sentido para uma marca independente.”
Whiteman começou a conversar com a Canopy, que está listada na Nasdaq e da qual a gigante de bebidas Constellation, fabricante da cerveja Corona e da vodka Svedka, possui uma participação de 47%.
“Como todos nós, eu estava mais otimista sobre a legalização federal acontecendo mais rapidamente”, diz ela sobre aquele período. “E certamente gostei da conexão com a Constellation e do acesso que eles tinham às lojas de bebidas. Achei que era a hora certa.”
Com a legalização federal em questão e o preço das ações da Canopy caindo 86% desde abril passado, a Canopy está criando uma entidade nos EUA para concluir a aquisição. Com o acordo, Whiteman se tornou uma das empreendedoras mais bem-sucedidas da indústria da cannabis.
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