Dentro de um terreno de 150 mil m2 em Campos do Jordão, no interior de São Paulo, um edifício de 5.400 m2 se tornará o maior museu de veículos da América Latina quando for inaugurado, em junho de 2024. Não apenas pela quantidade de carros, mas também pela relevância histórica de cada um.
Emprestados das coleções de Lia Maria Aguiar, Luiz Harunari Goshima e Luiz da Silva Goshima – respectivamente presidente, conselheiro e diretor da Fundação Lia Maria Aguiar –, os cerca de 500 carros se revezarão para contar a história do Brasil por meio do automóvel. Além de 150 veículos, o espaço abrigará um restaurante e uma escola de restauração, onde aprendizes estão neste momento reerguendo um Ford Model T.
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“Fizemos diversas visitas aos principais museus do mundo dedicados ao tema, com o intuito de agregar referências e adquirir aprendizados. Através dessas experiências pudemos constatar que a formatação daquelas coleções sempre contemplava a história de uma marca ou então a memória de colecionador. A partir daí desenvolvemos um ângulo diferente para o nosso projeto: um espaço dedicado à valorização da cultura e da história do Brasil tendo o automóvel como protagonista nesse processo”, explica o diretor Goshima.
A museografia está sendo desenvolvida por Gringo Cardia, designer, arquiteto, cenógrafo e curador de museus e exposições. Excluindo os carros da conta, já foram investidos R$ 60 milhões.
O museu – cujo nome ainda não foi definido – se agiganta diante das mais importantes coleções internacionais pelo elenco raro, sofisticado e eclético de automóveis. A começar por um De Dion Bouton 1902, o mais antigo do acervo, há patrimônios culturais como Isotta Fraschini 8A Cabriolet D’Orsay, Cord 812 Supercharger Sedan, BMW 327 Cabriolet, KDF Kubelwagen, Volkswagen Type 14A Hebmuller e Rolls-Royce 20 HP, entre outros.
Quanto aos nacionais, destacam-se relíquias como um Fiat Oggi CSS com apenas 61 km rodados, um dos três Volkswagen Fuscas convertidos pela Sulam (quando a empresa já havia cessado a produção do modelo), o único Monarca de que se tem notícia e um Willys Interlagos II, que jamais entrou em produção.
Falando em Willys, também serão vistos exemplares originais da equipe que lançou pilotos como José Carlos Pace, Emerson, Fittipaldi, Wilson Fittipaldi e Bird Clemente.
Em alta no mercado internacional, os neoclássicos são representados no museu de Campos do Jordão por nomes como BMW M3, Mercedes-Benz 190E, Honda NSX, Lamborghini Diablo, Porsche 911 Turbo e até mesmo um raríssimo Jaguar XJ220, superesportivo lançado em 1992 que apenas 30 anos depois começa a ter o merecido reconhecimento. Audi RS 2, o carro que desbravou o caminho das peruas de sangue quente? Há quatro deles na coleção.
Um dos principais personagens é uma Ferrari F50. Mas não uma das 349 produzidas, e sim o segundo protótipo construído. É o exemplar que veio para o Brasil para o Brasil Motor Show de 1997 e acompanha um atestado do especialista em Ferraris Marcel Massini, ratificando ser esta a segunda unidade de pré-série da F50. Do mesmo naipe – o protótipo de um superesportivo – é o McLaren Senna GTR 2020 XP.
“Fizemos a curadoria desses veículos dentro de um trabalho de pesquisa que envolve um grupo dedicado de historiadores, que atua tanto nas frentes automotivas quanto históricas. Ao longo dos próximos meses seguiremos concluindo a restauração dos exemplares que vão integrar essa primeira exposição, de grandes clássicos do período pré-guerra aos pioneiros da indústria automobilística nacional”, antecipa Goshima.
Legado
Colecionador e diretor do Veteran Car de minas Gerais, Boris Feldman vê a iniciativa da Fundação Lia Maria Aguiar como a primeira abordagem profissional quando o assunto é museu de carro antigo no Brasil. “Tivemos o da Ulbra, que se desfez, e outras dezenas de tentativas menores. O próprio Veteran chegou a assinar contrato para ter um acervo no Palácio da Liberdade, mas o projeto não foi adiante”, lamenta.
Para Feldman, dois grandes legados do museu de Campos do Jordão: perceber a importância de se preservar automóveis importantes e instituir uma escola de restauração. “Não se trata de um bando de malucos colecionando carros antigos. Há uma filosofia por trás. E transmitir o ofício do restauro é fundamental, pois a mão de obra está cada vez mais escassa”, pondera o entusiasta.
Ele adverte, porém, que é fundamental um olhar mais detalhado para a história do automóvel nacional: “Carros como Democrata, FNM Onça, Hofstetter e Adamo GT, entre tantos outros, foram carros que só existiram aqui e por isso precisam ser valorizados em um museu como este”.
Noel Agápito, presidente do Clube do Chevrolet, relembra que Og Pozzoli foi um dos principais personagens do antigomobilismo nacional a prever a importância que teria no futuro guardar e preservar uma coleção em funcionamento. “Esses automóveis contam muito da história e da evolução não só dos próprios carros, mas em alguma medida também da humanidade”, reflete.
Og Pozzoli
Tudo começou quando a empresária Lia Maria Aguiar decidiu adquirir parte da coleção de Og Pozzoli, em 2018, e doá-la à fundação que leva seu nome, que desde 2008 atua na região nas áreas de educação, meio ambiente e inclusão social.
Natural do Rio de Janeiro, Og Pozzoli foi criado em Natal e se mudou para São Paulo aos 26 anos. O trajeto entre as duas capitais foi rea[1]lizado ao volante de um Opel P4 1937, numa viagem de 17 dias. Em 1958, um Lincoln Continental inaugurou sua coleção, que chegou a 170 veículos.
Com Roberto Lee e Eduardo Matarazzo (outros baluartes do antigomobilismo nacional), ajudou a fundar em 1968 o Veteran Car Clube, primeiro clube do gênero. Dirigiu seu Lincoln K 1938 para levar o papa João Paulo II à missa que celebrou no Estádio do Morumbi, em sua primeira visita ao Brasil, em 1980. A mesma função exerceu quando o imperador Akihito e a imperatriz Michiko vieram para a comemoração dos 70 anos da imigração japonesa.
Dominado por modelos americanos, seu acervo tem exemplares que carregam as digitais também de políticos. Como o Studebacker 1925 que pertenceu ao presidente Venceslau Brás e o Oldsmobile 1926 do senador Rudge Ramos. Ou ainda o Packard 1946 que serviu ao presidente Eurico Gaspar Dutra.
Famosos também são os Fiat Jardineira, um de 1912 e outro de 1914. Este último, único no mundo, despertou a cobiça de Gianni Agnelli (1921- 2013) quando, então presidente da Fiat, visitava o Brasil para a instalação da fabricante em Betim (MG). O neto do fundador da marca teria oferecido US$ 1 milhão pelo carro, mas Og declinara.
Og morreu em novembro de 2017, aos 87 anos. Em 2021, se tornou o único brasileiro a ingressar no FIVA Heritage Hall of Fame, organizado pela, a Fédération Internationale des Véhicules Anciens. Na lista de apenas 14 nomes também estavam os lendários designers Giorgetto Giugiaro e Marcello Gandini.
Veja fotos de alguns dos modelos que estão no museu de Campos de Jordão:
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