São tempos barulhentos estes em que vivemos. Na moda, a questionável máxima “quem fala mais alto é mais ouvido” parece se mostrar eficiente diante da lógica que opera com algoritmos de performance digital. Mas ainda há quem acredite na criação humana como fator para provocar emoção – e, ainda bem, computadores jamais saberão fazer isso. Desde que assumiu o posto de CEO da Fendi, em 2018, o francês Serge Brunschwig vem celebrando o legado da maison com atenção especial às mãos que a constroem. Só no último ano, o chairman inaugurou em Capannuncia e Fermo, na Itália, fábricas dedicadas ao craftsmanship que reclamam de volta aos artigos da marca o título de “made in Italy” – um lugar por onde muitas empresas de origens diversas passearam nos últimos anos.
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“Para nós, é claro que temos uma enorme responsabilidade quanto a isso; trabalhamos com artesãos extraordinários, muitos dos quais aprenderam suas expertises com os pais. Nosso papel é fazer com que esse conhecimento seja transmitido às novas gerações, indo além dessas famílias e entrando também em instituições de ensino”, afirma. Em São Paulo para a reinauguração da butique da grife no Shopping Cidade Jardim (e também para conhecer mais de perto o mercado nacional – “no Brasil, o futuro está diante de nós”), Serge falou à Forbes sobre os contornos do luxo para o amanhã.
Forbes – O significado de luxo mudou com o tempo?
Serge Brunschwig – Não mudou em nada. O verdadeiro luxo e os valores por trás dele são os mesmos de sempre. Se analisarmos a palavra “luxo”, eu sempre pensei no significado errado, pois, como um homem francês, pensava na palavra de origem latina “lux”, que provém de “luz”. Quando aprendi italiano, entendi que “luxo” vem de “lusso”, de “lussazione” – um literal “twist”, uma “luxação”. Luxo, portanto, é torcer e distorcer, é trazer o estranho, o inesperado, com objetivo de atingir o belo. Desse ponto de vista, respeitamos a história da Fendi e criamos um apelo ao novo, simultaneamente, com ideias inovadoras realizadas através de processos artesanais. Preservamos a herança – simplesmente temos que nos comunicar pelo TikTok também.
Há uma nova energia pulsante na marca. Como foi a chegada do estilista Kim Jones como diretor artístico?
Sinto como se ele tivesse entrado em uma família – e, de fato, entrou. A Fendi é, antes de mais nada, uma família. Mas não uma qualquer; costumamos dizer que se trata de uma família de membros escolhidos, de pessoas que não hesitam em se enriquecer com sangue novo. Os dois fundadores, Adele e Edoardo, tiveram cinco filhas: Paola, Anna, Franca, Carla e Alda, que assumiram o negócio. A decisão mais importante que elas tomaram foi a de adotar, em 1965, o então jovem estilista alemão Karl Lagerfeld, que trouxe sua criatividade e permaneceu na família por 54 anos, até o último dia de sua vida. Durante esse tempo, Karl adotou Silvia [Venturini Fendi], filha de uma das irmãs, que continuou a história e, por sua vez, adotou Kim. Pareceu perfeito, portanto, que a primeira de todas as decisões de Kim à frente da marca fosse a de adotar Delfina [Delettrez], filha de Silvia, como especialista em joalheria. Para mim, foi uma maneira muito bem-sucedida de se entrar na marca.
Mas como funciona quando o convidado da família é considerado um concorrente, como no caso da Versace, com a qual fizeram a coleção “Fendace”?
A coleção “Fendace” foi uma ideia absolutamente genial. Durante uma noite, Kim, Silvia e Donatella [Versace] se perguntaram: por que não fazemos uma troca de nossos mundos? E, de repente, isso concretamente aconteceu: Kim visitou os arquivos da Versace em Milão; Donatella visitou os arquivos da Fendi em Roma, e ambos começaram a desenhar coleções, reinterpretando os códigos alheios. Se puder ser honesto, de início eu não entendi quem iria vender o quê [risos], mas houve muita confiança, pois Kim sabia exatamente o que ele estava fazendo. E não é que a Fendi comercializou uma coleção da Versace e a Versace comercializou uma coleção da Fendi? Foi um enorme sucesso. Isso sim é o “twist” do luxo.
Reportagem publicada na edição 104 da Forbes.
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