“Win on sunday, sell on Monday”. A expressão cunhada na América dos anos 1960 traduzia a relação íntima entre pistas de corrida e lojas de carro: se você vencer no domingo, consumidores vão comprar seus produtos na segunda-feira, sugeria o lema.
Não há indícios de que hoje clientes optem por este ou aquele modelo em decorrência do seu desempenho esportivo no dia anterior, mas a proximidade entre os dois universos continua. Mudaram apenas os interesses.
A Fórmula E – projeto do empresário Alejandro Agag e do então presidente da Federação Internacional do Automóvel (FIA), Jean Todt, e que finalmente desembarcou no Brasil, após oito temporadas – não é a primeira categoria do automobilismo internacional a servir como laboratório de tecnologias, mas talvez seja atualmente a principal transmissora dos aprendizados coletados nas pistas e emprestados aos carros de rua.
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Mais simpática do que a Fórmula 1, tem se tornado também ambiente propício para marcas fomentarem negócios e relacionamentos.
Só no camarote
“Esse tipo de evento é muito importante para promover a marca e mostrar nossa proposta para clientes, parceiros e concessionários”, explica Paulo Manzano, Diretor de Marketing da Jaguar Land Rover.
“Os resultados são obtidos das mais diversas maneiras. Além de uma grande exposição nas mídias sociais e em matérias em meios de comunicação importantes, também conseguimos mostrar aos nossos clientes um pouco de como será o futuro da Jaguar, que a partir de 2025 será uma marca 100% elétrica. Isso contribui para dar a dimensão de nossa visão de futuro, nossa herança de esportividade e para gerar entusiasmos nas pessoas”, conclui, avisando que a marca não sairá da competição tão cedo.
Sem carro no grid de largada, a Seres esteve no e-Prix de São Paulo apenas para se apresentar. “Colocamos quatro veículos no Anhembi: um de exposição e outros três que foram utilizados pela equipe de organização. O público manifestou muito interesse pelo SF5 e nossos executivos atenderam compradores potenciais durante todo o dia. O camarote da Seres recebeu empresários, políticos e integrantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”, conta Arthur Marcial, sócio-diretor da marca chinesa que em breve começará a vender SUVs elétricos e utilitários comerciais.
Uma das equipes há mais tempo na Fórmula E, a Nissan ainda colhe as benesses de imagem que a categoria proporciona.
“Na corrida, a empresa pode divulgar seus produtos e tecnologias, além de também se relacionar com diferentes públicos, convidando gente para assistir às provas, preparando ações especiais, etc. Tudo isso faz com que a marca mostre seu posicionamento e, ao mesmo tempo, reforça na mente das pessoas essa associação da Nissan com a categoria, com a tecnologia”, esclarece Humberto Gómez, diretor de Marketing e Vendas da Nissan América.
Mais potência e autonomia
Há, claro, a questão técnica, ainda a prioridade para as fabricantes que competem na Fórmula E.
“Entender e aprimorar a eficiência energética do conjunto é um importante aspecto de desenvolvimento nas pistas. Este aprendizado, tanto com a Fórmula E, quanto com o protótipo Mission R, já se materializou em uma melhoria para o Taycan, que por meio de uma atualização de software ganhou autonomia, ao gerir de forma mais eficiente o controle de temperatura da bateria e desacoplamento do motor dianteiro em determinadas situações”, explica Rodrigo Fonseca, Gerente de Produto e Preço da Porsche do Brasil.
Nesta nona temporada, a principal novidade é a estreia do Gen3: com dois motores elétricos, posicionados um em cada eixo, o novo bólido chega a 600 kW, o equivalente a 815 cv. Outro destaque é o sistema de recarga rápida desenvolvido pela ABB para a categoria. Ele funciona no pitstop e recarrega a bateria do veículo em segundos. Essa carga pode chegar a 600 kW e, se aplicada a um carro de rua, poderá recarregá-lo num tempo muito próximo ao que se gasta hoje em um posto de combustível comum.
“No 99X electric Gen3, o principal componente desenvolvido e aprimorado pela Porsche é o motor traseiro, responsável por gerar até 350 kW de potência de propulsão”, complementa Fonseca, que explica ainda que “as tecnologias se desenvolvem de forma contínua e cada vez mais rapidamente, sendo assim as pistas proporcionam um aprendizado contínuo”.
Capazes de atingir uma velocidade máxima de 322 km/h, são 53 kg mais leves e montados sobre um chassi menor, otimizado para corridas de rua. Dois motores equipam os carros: um dianteiro de 250 kW de potência e um traseiro, 350 kW. Dobram assim a força produzida pelo antecessor Gen2, com mais de 40% da energia usada na corrida regenerada durante a frenagem.
Noventa e sete anos depois de Alfieri Maserati vencer a tradicional corrida italiana Targa Florio com um Tipo 26 – evento que marcou a estreia da fabricante em competições –, a empresa inaugura uma nova era em sua trajetória automobilística com a equipe Maserati MSG Racing e os pilotos Edoardo Mortara e Maximilian Günther. A missão é clara.
“A Maserati nasceu nas pistas há mais de 100 anos, então voltar para as corridas foi uma escolha natural. E por que a F-E? Porque estamos caminhando rumo à mobilidade elétrica com a linha (de carros de rua) Folgore. Até 2025 todo carro da Maserati terá uma opção eletrificada, e a partir de 2030 só teremos elétricos. Então é uma oportunidade de gerar conhecimento”, justifica Giovanni Tommaso Sgro, responsável pela Maserati Corse.
“Queremos entregar aos nossos clientes o melhor carro elétrico possível, não somente quanto ao seu desempenho, mas também no design. Portanto, não se trata apenas de dados matemáticos, mas do feeling dos pilotos ao volante, do consumo de energia e autonomia, entre outras coisas”, acrescenta o diretor da divisão de competição da marca italiana.
Fundada em 1963 pelo piloto neozelandês Bruce McLaren, a equipe inglesa é outra lenda do esporte que pela primeira vez põe nas pistas um carro de corrida que não emite sons ou poluentes. Jake Hughes e René Rast são os pilotos da escuderia. Bem como suas rivais, recorre à Fórmula E como peça-chave para seu programa de desenvolvimento de veículos elétricos de rua.
Na contramão
Há, contudo, quem inverta a ordem dos fatores. “Na Fórmula E podemos dizer que fizemos o caminho inverso em um primeiro momento, que chamamos de “Fase Um – estrada para pista”. Nas duas primeiras temporadas da marca na categoria (2018/2019), os objetivos técnicos foram concentrados em levar a experiência e aprendizados do Leaf para desenvolver o desempenho do carro de corrida”, explica Gómez, da Nissan.
O Ariya, lançado em 2022 na Europa e no Japão, usa um sistema de gerenciamento dos dois motores elétricos que agora também serviu de base para os bólidos pilotados por Sacha Fenestraz e Norman Natoo na Fórmula E.
Com o Gen3, a marca entra no que chama de “Fase Dois – pista para estrada,” onde o campeonato ajuda a Nissan a evoluir recursos existentes e também novos sistemas para serem adotados em seus modelos 100% elétricos.
“Ou seja, a base da tecnologia é a mesma. Contudo, a Fórmula E desempenha um papel de plataforma de testes para nosso departamento de Pesquisa & Desenvolvimento, porque definitivamente produzimos propriedade intelectual adicional, principalmente para motores elétricos de altíssima performance”, conclui Gómez.
Circuito x ruas
Outra particularidade da Fórmula E – cujo nome oficial é ABB FIA Formula E World Championship – é que suas disputas são nas ruas de grandes cidades, como Berlim (Alemanha), Londres (Inglaterra), Roma (Itália) e, estreando nesta temporada, São Paulo.
“Como a regeneração proporcionada pelos modelos Gen3 aumentou de forma significativa, a frenagem ao longo da corrida é realizada na maior parte apenas pelos motores elétricos, por meio da capacidade de regeneração, que proporciona 40% da energia total utilizada na corrida. Desta forma, com as corridas disputadas em circuitos de rua, com frenagens intensas, a regeneração se intensifica, proporcionando quantidade elevada de energia para a corrida”, justifica Fonseca, da Porsche.
Gómez acrescenta que “as pistas urbanas reforçam a mensagem de mobilidade ao colocar carros elétricos competindo nos centros de grandes cidades, nas mesmas avenidas e ruas que o consumidor passa normalmente. E, claro, em circuitos com traçados mais próximos da realidade do dia a dia é possível testas e desenvolver tecnologias que poderão ser usadas nos carros elétricos de produção”.
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