Safras recordes e um elevado déficit de armazenagem de grãos no Brasil têm pressionado os prêmios da soja e do milho para níveis negativos em relação ao mercado internacional, o que indica perdas para a cadeia produtiva do país de R$ 30,5 bilhões em 2023, estimou nesta quinta-feira (4) a consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio.
Das perdas totais, a soja responderia por cerca de R$ 19 bilhões, e o milho, por R$ 11,5 bilhões, apontou a Cogo. Os valores foram obtidos considerando os prêmios negativos — no caso da soja, os piores em cerca de 20 anos — e os embarques já realizados e previstos para os próximos meses.
Gargalos de infraestrutura, que incluem canais de escoamento nos portos, vêm sendo citados também por integrantes do mercado de açúcar como fatores de riscos para as exportações do adoçante.
A situação dos armazéns do país, que pela primeira vez em 20 anos colheu mais na safra de verão do que a capacidade total de armazenagem, foi tratada no início de janeiro em reportagem da Reuters, que alertou também para necessidade de mais investimentos para comportar o crescimento da agricultura.
Com a safra recorde, vendas lentas de produtores e um déficit de armazenagem de 124 milhões de toneladas, considerando a colheita deste ano estimada em 313 milhões de toneladas, houve a formação de uma “tempestade perfeita”, notou o sócio-diretor da consultoria, Carlos Cogo, durante um evento com jornalistas.
Além da questão estrutural (o déficit de armazenagem), ele chamou a atenção para o fator conjuntural.
“Os produtores venderam pouca soja antecipada no ano passado. Quando chegou na colheita (deste ano) tinha menos de um terço da safra vendida, o menor volume de vendas antecipadas nas últimas oito safras”, disse ele, lembrando que a lentidão dos negócios esteve associada a uma alta de custos que interferiu na estratégia dos agricultores.
Cogo observou que é natural que o prêmio em relação às cotações negociadas na bolsa de Chicago seja menor na colheita, especialmente com uma safra recorde como a brasileira.
Mas atribuiu à armazenagem uma importância preponderante, já que agricultores poderiam segurar seus produtos nos armazéns, sem aceitar qualquer preço, se houvesse capacidade.
Em abril, houve uma mínima recorde para os prêmios no Brasil, que bateram -2,10 dólares por bushel, com a média do mês ficando em -1,90 dólar/bushel.
“Isso só tinha acontecido em 2004”, afirmou ele, acrescentando que para embarques em maio os diferenciais estão em -1,50 dólar/bushel.
“Estamos com prêmios negativos até agosto, coisa que também não é inédita, mas muito raro”, disse, lembrando que os diferenciais ficam mais fracos para compensar problemas no carregamento, pagamento de multas por atrasos nos embarques dos navios, tempo de espera nos portos, entre outros fatores.
Ele disse que esse fator estrutural do déficit de armazenagem vai permanecer e “mostrar sua pior face na colheita da safra de milho” –a segunda safra cereal chega ao mercado entre junho e julho–, mas também deverá prosseguir no ano que vem.
Ociosidade na indústria
Enquanto a capacidade estática de armazenagem no Brasil vem crescendo a uma taxa de 2,8% ao ano, a produção agrícola avança 5,5% nos últimos anos, citou Cogo, comentando que fechar a lacuna silos/produção não é tarefa fácil.
O setor tem capacidade de produzir ao ano silos para receber pouco mais de 5 milhões de toneladas de grãos, abaixo dos níveis do avanço da produção agrícola — considerando somente a soja, a safra cresceu em 2022/23 mais de 20 milhões de toneladas.
Ainda assim, a indústria de silos vem trabalhando com ociosidade, mesmo após investimentos nos últimos anos para ampliar fábricas, segundo executivos da Kepler Weber, líder em produção de armazéns no país.
“Hoje estamos trabalhando em torno de 30% de ociosidade, concorrentes estão trabalhando com mais, há noticias de férias coletivas (nas indústrias)”, disse o diretor financeiro da Kepler Weber, Paulo Polezi, citando questões econômicas.
“É uma dicotomia grande, os fluxos (agrícolas) explodindo e as empresa com capacidade ociosa”, acrescentou.
Segundo executivos da Kepler Weber, o Brasil precisaria de políticas que estimulassem a ampliação de armazéns no longo prazo, como parte da solução para o problema.
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