“Foi às 7:30 da manhã do dia 1 de janeiro deste ano. Foi nesse dia que tomei posse”, diz o paranaense Gabriel Garcia Cid, pecuarista de 48 anos e atual presidente da centenária ABCZ (Associação Brasileira de Criadores de Zebu). Na diretoria da ABCZ desde 2016, esta é a sua primeira gestão como presidente. Na manhã deste sábado (29), outra atividade inédita para Garcia Cid foi abrir oficialmente a maior feira de gado zebu do mundo, o tipo de animal que predomina em absoluto a atividade pecuária no país, a 88ª ExpoZebu (Exposição Internacional de Gado Zebu), em Uberaba (MG), evento que vai até dia 7 de maio.
Mais do que representar cerca de 24 mil criadores de gado que se dedicam ao melhoramento genético desse grupo de raças, em busca de produção de carne e leite, o que Garcia Cid e seu grupo fazem e verbalizam, faz pender a balança de uma parte significativa da pecuária brasileira. Porque denominar a ABCZ como uma entidade poderosa não é uma mera figura de linguagem.
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No final do dia, e ainda sem hora para terminar, com sua ante sala e corredores da sede da ABCZ, no parque Fernando Costa, ainda lotados, e de um burburinho frenético de rodas de pecuaristas por todo lado, Garcia Cid interrompeu a agenda que cumpria na pista de julgamento dos animais de genética para conceder à Forbes a seguinte entrevista:
Forbes: Um dos temas da Expozebu deste ano é o mercado de carbono na pecuária. Ele é utopia ou realidade?
Gabriel Garcia Cid: É realidade e a indústria frigorífica, as maiores do Brasil, já tem compromisso com seus clientes internacionais de só vender carne de animais oriundos de fazendas que têm certificado de carbono neutro. Temos que nos preparar para isso, um mercado que está posto para 10 anos, 15 anos que seja, vai estar na nossa porta. Para isso, para oferecer esse produto, a própria recuperação de pastagem é um caminho viável. A produção de capim sequestra carbono, até mais que alguns casos de estudo de outros setores. É isso que precisamos desmistificar.
F: O pecuarista vai ganhar dinheiro no mercado de carbono?
GC: Mais do que somente com floresta, o produtor pode ganhar dinheiro com isso. Levar informação nesse momento é fundamental para a cadeia da pecuária. Temos feito um trabalho de pesquisa na nossa fazenda experimental, aqui em Uberaba, de, exatamente, quantificar e medir diversos sistemas de produção, mostrando qual o impacto, qual o resultado disso na equação e no balanço do carbono.
Isso é uma novidade e hoje o mundo não quer saber apenas de carne de qualidade, ele quer saber como é produzida. Está posto e nós temos como dar resposta para esse consumidor que tem acesso à informação. É a demanda de uma geração nova, em que 20% dela, segundo li em alguns estudos, já nasceu nesse ambiente de internet. Ele quer saber o que está comendo, de onde veio e se esse alimento vem com responsabilidade. Para nós, isso não é nenhum “bicho de sete cabeças”. Quando se fala em bem-estar animal somos nós os primeiros interessados, porque calor em excesso, animal mal alimentado, não tratado de forma adequada, perde peso em carne e leite. Digo que nós não precisamos ter medo desse assunto, porque quem gosta de boi é pecuarista.
F: Está programado para ocorrer durante a Expozebu uma reunião com presidentes de raças que não são zebuínas, como é o caso da angus. O que vocês pretendem?
GC: Estamos chamando um grupo de associações, cerca de 20 foram convidadas. São entidades detentoras de registros de animais no Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária). Queremos criar uma frente para alinhamento de questões técnicas junto ao Mapa, e também de questões políticas referentes ao setor. A gente entende que hoje temos uma capacidade de dialogar, porque as outras raças não são competidoras das raças zebuínas. No mercado, competimos com outras fontes de proteínas. Não podemos olhar as associações de raças puras como se elas tivessem do outro lado da mesa.
F: Mas já olharam como se estivessem…
GC: Na minha opinião é ignorância, a gente é humano, mas hoje não cabe mais. Há pautas comuns e necessárias e quando elas não forem comuns e específicas, cada um vai procurar os seus próprios interesses e espaços. A ideia é ter agilidade de comunicação entre nós e criamos uma frente de presidentes de entidades onde todos terão assento igual, como se fosse um grande conselho.
F: No caso da carne vinda de animais cruzados, por exemplo angus com nelore, vendida como angus. Ou no caso dos programas de nelore aceitar cruzados de angus e a carne ser vista como de nelore. Esse tema já rendeu grandes discussões entre produtores. Ele vai entrar na pauta?
GC: Cada associação tem a sua pauta, mas você pode aprender. Conhecer o sucesso de marketing de uma associação pode ajudar você a aplicar o seu projeto. Isso é interessante e mostra um nível de maturidade. Em 2022 estive em Esteio (nr: onde acontece a Expointer, maior feira gaúcha de gado) e me encontrei com o presidente da associação de angus, que colocou à disposição o plano de marketing da entidade, e eu disse o mesmo sobre as experiências da ABCZ. Isso é saudável para todo mundo.
No cruzamento industrial, principalmente os machos F1 – resultados do cruzamento do angus com a matriz nelore – são uma das engrenagens que ajudou o Brasil ser o maior exportador mundial de carne. A base da nossa pecuária é a zebuína em mais de 80%. Então, aqueles produtores que procuram fazer o cruzamento industrial – e nós somos responsáveis pelo melhoramento genético das raças zebuínas – precisam ter a melhor informação sobre a qualidade das matrizes. Porque sem a matriz zebuína não se faz cruzamento industrial no Brasil.
F: Essa oferta de matrizes nelore atende ao mercado?
GC: Em termos de reposição de matrizes que vão saindo do sistema produtivo, só para ter uma ideia da demanda por touros no Brasil, nós não temos ainda como atender plenamente esse mercado. Faltam tourinhos melhorados. Nos últimos anos houve um crescimento em torno de 30% a 35% da venda de sêmen e, embora tenha caído um pouco no último ano, da ordem de 5%, o histórico é muito bom. Porque a venda de sêmen de zebu cresceu 9%, segundo a Asbia (Associação Brasileira de Inseminação Artificial). Esse é o reflexo de um mercado que investe em tecnologia. A gente tem de caminhar junto e é possível fazer muita coisa boa com outras associações.
F: O que as fazendas estão fazendo hoje, em comum, que as colocaria todas na mesma régua?
GC: Podemos colocar nessa régua as fazendas que têm a pressão da agricultura ou outra atividade pecuária. A gente consegue ver que essas fazendas são de gente que sabe fazer conta. A palavra agricultura parece que só se refere a grãos e pronto, mas na reforma de pasto, que a finalidade é o capim, os grãos estão no modelo.
F: Mas a agricultura então é mandatória na pecuária?
G: A de ser um farol para pecuária, sim, é mandatória, porque o pecuarista precisa produzir comida para o gado dele. Investir em genética do gado e não investir em alimentação é perder dinheiro, é abrir mão de receita.
F: Como vê essas tecnologias de integração da pecuária com agricultura e floresta, do ponto de vista da velocidade de adoção?
GC: Todas essas tecnologias de integração dão respostas satisfatórias quando usadas de forma correta e com boa orientação técnica. Nos últimos anos, acredito que esses sistemas amadureceram muito, principalmente a assistência de engenheiros agrônomos e médicos veterinários. Houve muito modismo, mas também veio muita novidade boa e hoje está muito claro que nessas tecnologias o produtor precisa de retorno financeiro.
F: Qual é a tarefa imediata do produtor de genética hoje, porque a pecuária é uma atividade de ciclo longo e o que se aplica no melhoramento genético hoje só vai ser visto no prato do consumidor daqui uma década, se pensarmos em larga escala.
GC: A primeira necessidade é o produtor dessa genética se encontrar com o consumidor dela. E esse consumidor não é o consumidor final de carne. O cliente dele é o pecuarista de corte ou de leite. Esse consumidor está no meio da cadeia, entre o produtor de genética pura e aquele que vai produzir o bezerro, o leite, para então chegar no consumidor. O que esse produtor de genética pura deve fazer é se comunicar melhor para ter acesso ao seu cliente e mostrar as vantagens do custo-benefício de se investir em genética pura. Porque aí se cria gado em menos tempo e em menores espaços. Ele se torna mais eficiente, mais produtivo e mais lucrativo.
F: Como fazer essa lição, de incrementar o uso da genética como ferramenta?
GC: A mais antiga é a comunicação. Tem de aprender a fazer. A ABCZ tem ajudado esse grupo a se comunicar melhor. Grandes grupos hoje têm suas estruturas e estão investindo nisso, mas a grande maioria não sabe e por isso a comunicação é uma das nossas tarefas.
F: Qual o caminho para isso?
GC: Um deles é incrementar as feiras regionais. Temos as feiras de vendas de tourinhos, em parceria com a Emater, e elas são para vender animais de corte, para carne. Até o final do segundo semestre retomaremos uma feira especializada em genética bovina leiteira aqui em Uberaba. Anos atrás já tivemos a Mega Leite, que saiu de Uberaba e foi para a capital Belo Horizonte. Queremos trazer para o calendário mais um espaço também para o debate sobre a cadeia do leite.
F: O Brasil produz 34 bilhões de litros de leite, uma parte do setor é estruturada em grandes fazendas, outra parte do setor fala da necessidade da construção de um mercado exportador, mas o fato é que a cadeia do leite como organismo é bem desestruturada e, quando se olha para o leite, o que salta aos olhos é a raça holandesa, que não é uma raça zebuína. Como agir nessa cadeia?
GC: Com certeza, a grande raça e a mais procurada, por causa de sua genética, é a holandesa dos países frios e de clima temperado. Mas em ambiente tropical, quem viabiliza a produção leiteira são as raças zebuínas, com uma grande participação da raça gir. Por isso, o cruzamento do gir com o holandês para daí tirar a raça girolando. Há cerca de um mês, fizemos parceria de um software para controle leiteiro destinado a dar mais agilidade na interpretação dos dados, fazer melhores aferições de leite das vacas. Essa parceria vem com a Associação Brasileira de Criadores da Raça Holandesa.
Hoje, a grande bacia leiteira do Brasil é em Castro, no Paraná. Deu certo porque tem uma organização em forma de cooperativa que estimula os seus produtores e paga mais por qualidade. Estão por volta de 2,5 milhões de litros de leite, por dia, com alto nível de robotização. Em Minas Gerais, a região de Patrocínio vai no mesmo caminho. Esse modelo de produção de leite, por conta do cooperativismo em bacias leiteiras, é muito mais justo que o modelo de produção de carne, que é dependente da indústria frigorífica. No caso da carne, há exemplos pontuais de cooperativismo, como a Maria Macia, de Campo Mourão (PR), com cerca de 150 produtores, mas não é a regra. No caso do leite, é necessário fazer esse sistema de cooperativismo avançar, para ser um modelo de negócio.
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