Desmatamento não é problema da produção de comida, mas sim caso de polícia. Para entender o tema é preciso conhecer um pouco sobre a história de como o Brasil se tornou um dos maiores produtores de alimentos e um dos principais agentes de combate à fome do mundo.
Desde 1600, a coroa portuguesa já se preocupava com as riquezas da Amazônia. Tanto é que se deu ao enorme trabalho de mapear, ocupar e negociar com os espanhóis, ao longo de vários séculos e de vários tratados, o direito à região.
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Já naquela época, o corte de árvores para produção de madeira, só podia ocorrer com autorização legal. Havia uma listagem das árvores que deveriam ser preservadas e é justamente daí que deriva aquela expressão famosa “madeira de lei”, que era a madeira protegida pela lei desde os primórdios dessa ocupação portuguesa por aqui.
Nos últimos 50 anos, foram abertos mais de 80 milhões de hectares, em sua maior parte promovidos pelos governos da época e necessários para que o Brasil deixasse de ser importador líquido de alimentos para ser um dos maiores produtores globais de comida.
Ainda assim, nada disso aconteceu sem que houvesse lei para ser seguida. O Código Florestal de 1965, e depois seu sucessor de 2012, formaram a base para que a gente pudesse preservar até hoje o que representa 66,3% do território nacional. É isso mesmo, a gente preserva tudo isso apesar de pouca gente saber.
Se considerarmos as dimensões continentais do Brasil, dá para ter uma ligeira ideia do que isso representa. São mais de 5 milhões de quilômetros quadrados de Amazônia Legal que compõem o maior ativo ambiental do planeta, de longe.
Então, considerando esse ponto, não é difícil entender que a Região Amazônica seja palco de todo tipo de atividade ilegal que se possa imaginar. Para ter uma ideia, tem municípios em que o tráfico de drogas emprega mais gente do que as atividades formais. Vocês têm uma ideia disso?
Sem infraestrutura, pela própria natureza da preservação – bem como uma área imensa de florestas e de fronteiras de milhares de milhares de quilômetros – a fiscalização se torna uma tarefa realmente hercúlea. Praticamente impossível, especialmente em tempos de crise quando falta contingente. Por isso, não deveria ser de se espantar que tenhamos sempre enfrentado problemas com o desmatamento ilegal.
Entretanto, o problema desse desmatamento ilegal tem três naturezas. A primeira, é que o objetivo é sempre a posse da terra em questão. Por isso, a segunda é que esse problema se dá em áreas públicas, não em áreas privadas. E a terceira, é que a produção entra como meio de se legalizar essa posse. E a atividade mais facilmente, mais rapidamente desempenhada nessas áreas, depois que você derruba a floresta, a mais prática e mais rápida é a pecuária de corte pelas suas características de investimento e de produção. Por termos lei estabelecida e ocorrências em áreas públicas, o desmatamento no Brasil é caso de polícia e fruto da ação de criminosos e estelionatários. Não é do agronegócio profissional brasileiro.
O Brasil precisa, urgentemente, comunicar melhor sobre sua história, seus ganhos de esforços pela preservação e pelo combate à fome. Não tem paralelo no mundo e isso deveria ser considerado em qualquer debate sobre preservação e produção.
* Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Atualmente é CEO da AgriFatto. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone.
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