Ao refletir a respeito de como trazer o tema finanças dentro de uma semana em que a pauta, mais do que nunca, precisa ser sobre direitos das mulheres, vejo que é impossível ignorar a importância social do assunto do ponto de vista de gênero e, principalmente, do tamanho da responsabilidade de todos nós, como sociedade, em prover condições para que cada vez mais mulheres possam trilhar o caminho da independência financeira.
Debater sobre direitos das mulheres passa pelo entendimento de que o recurso mais precioso que todos temos, o tempo, custa mais caro para elas, e isso impacta diretamente sua possibilidade de alcançar a liberdade financeira.
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Por que o tempo custa mais caro para as mulheres?
São elas que, segundo estudos da OIT (Organização Internacional do Trabalho), dedicam às tarefas domésticas o dobro do tempo dedicado pelos homens. E, mesmo com tantos avanços, possibilitando que elas sejam hoje quase 52% da força de trabalho ativo no mercado, a divisão de tarefas continua injusta.
Isso já as coloca em desvantagem quando o assunto é possibilidade de se preparar melhor, estudar e alçar vôos mais altos em suas carreiras. Mas as mulheres são incrivelmente resilientes e, mesmo frente a essa injusta correlação de oportunidades, elas têm maior nível de escolaridade. Bacana, não é mesmo?
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Eu gostaria de dizer que sim, mas, infelizmente, mesmo sendo maioria nos cursos superiores, mestrados e doutorados, mulheres continuam ganhando, em média, 30% a menos que os homens em funções equivalentes. Percebe como mais uma vez o tempo delas é usurpado?
Além da jornada dupla que mencionei, a forma como a sociedade está organizada também desperdiça esse tempo que elas empenham em qualificar-se nas escolas e universidades, pois dedicam-se em dobro, mas as oportunidades não chegam a ser metade do que aquelas destinadas aos homens.
Independência financeira e seu papel na vida das mulheres
Uma pesquisa do Sebrae evidenciou que mulheres empreendedoras são responsáveis pela abertura de mais de 50% das empresas, no entanto dedicam, em média, 17% menos horas para seus negócios do que os homens empreendedores e o motivo já sabemos: jornada dupla, divisão de tarefas injusta, ausência de políticas públicas efetivas que lhes deem suporte.
No final de 2022, a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados realizou um seminário sobre autonomia econômica feminina. Nele, a vice-presidente da Caixa Econômica Federal, Mônica Monteiro, mencionou que mais de ⅔ das famílias que estão cadastradas no Auxílio-Brasil são chefiadas por mulheres, sobre as quais recai todas as responsabilidades pela criação dos filhos. Ela citou ainda que, durante a pandemia da Covid-19, foram as mulheres que mais perderam empregos e mais tiveram dificuldade de retornar ao mercado de trabalho.
Percebe que os obstáculos para alcançar melhores condições econômicas e trilhar o caminho da independência financeira são muito maiores para as mulheres? Isso, inclusive, é uma das variáveis que explica por que muitas mulheres permanecem em relacionamentos abusivos e não denunciam violência doméstica, seja ela física ou psicológica.
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A vulnerabilidade econômica ainda é um componente desse vergonhoso e cruel cenário brasileiro, onde, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a cada minuto, em média, 8 mulheres sofrem algum tipo de violência, a cada 10 minutos ocorre um estupro e a cada 7 horas acontece um feminicídio. Diga pra mim: quem consegue estudar e planejar metas para alcançar melhor qualidade de vida, enquanto está preocupada em defender sua integridade física e se manter viva? Não é justo, nem aceitável.
Independência financeira não é apenas acumular fortuna, mas, sim, assegurar dignidade e autonomia de escolhas. Trata-se de oportunizar, especialmente às mulheres, caminhos para que produzam renda e recebam apoio, educação financeira e acompanhamento para que gradativamente possam ter renda passiva lhes assegurando liberdade e segurança.
Temos que parar de enxugar gelo
Como educador financeiro, meu repertório envolve criar roteiros, explicar o passo a passo para uma vida mais próspera e autônoma, ensinar em linguagem acessível às diversas modalidades de investimento, e essa atividade me dá muita alegria pelo potencial transformador que tem para a vida das pessoas.
Ainda assim, quando vejo estatísticas como essas que mencionei acima e a injusta diferença de oportunidades que a sociedade dá a mulheres e homens, fico me perguntando se não estou literalmente enxugando gelo.
Afinal, se não mudarmos nossos valores e hábitos culturais arraigados, continuaremos relegando as mulheres, que são mais de 50% da população, a condições sempre inferiores e limitantes e aqui temos uma simples questão de lógica: se mais de 50% de um povo vive sob insegurança física, econômica e sob regras e valores injustos, a outra metade, das quais a primeira é mãe e educadora, terá mesmo um futuro de qualidade?
Como diz uma antiga canção do Samuel Rosa (Skank), “se o país não for pra cada um, pode estar certo, não vai ser pra nenhum”
Eduardo Mira é formado em telecomunicações, com pós-graduação em pedagogia empresarial e MBA em gestão de investimento. É analista CNPI, certificado CPA10 e CPA20, ex-gerente do Banco do Brasil e da corretora Modal.
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