Pará vem apostando na bioeconomica para produzir com sustentabilidade

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Bruno Kelly/Reuters

Vista aérea de área desmatada da Amazônia em Manaus

O seringueiro Manoel Magno, 71 anos, caminha pela selva ao redor de sua casa na ilha fluvial de Cotijuba, na Amazônia, inspecionando as árvores como um pai faria com seus filhos.

Usando o conhecimento transmitido através de gerações, ele semeou dezenas de seringueiras e cultivou variedades híbridas mais robustas ao longo de décadas.

Todos os dias Magno caminha sozinho pela floresta tropical quente e úmida, selecionando árvores e fazendo cortes superficiais em seus troncos para retirar látex, que ele recolhe em pequenos baldes.

Os seringueiros do Pará aprenderam seu ofício há mais de um século, quando o estado era fornecedor da Revolução Industrial europeia. Magno, porém, atende a uma indústria mais moderna: a moda.

O látex coletado por Magno é transformado em fio de borracha por sua filha Corina e outras mulheres em Cotijuba. O fio é então vendido para a start-up local Da Tribu e transformado em acessórios como anéis e colares, ou enviado a estilistas internacionais que usam material biodegradável em suas roupas.

O primeiro pedido da Da Tribu rendeu cerca de R$ 3.000 para a família Magno, mais que o dobro do salário-mínimo mensal.

“Ela trouxe saberes acadêmicos … e juntou com os nossos saberes da floresta”, disse Corina, 38 anos. “Eu nunca esperava ganhar R$ 3.000 por algo assim no quintal de casa”.

O Pará está apostando alto em pequenos negócios como o de Magno, que fazem parte da emergente “bioeconomia” do estado.

Em uma corrida para parar a destruição das florestas nativas e da vegetação que cobrem cerca de 78% de seu território, o Pará está implementando um ambicioso plano de bioeconomia, chamado PlanBio.

O objetivo é gerar empregos e preservar o meio ambiente, aumentando o apoio às empresas locais sustentáveis.

Apresentado em novembro passado na cúpula climática da COP27 pelo governador do Pará Helder Barbalho, estima-se que o PlanBio custará pelo menos R$ 1,2 bilhão nos próximos cinco anos, financiado pelos cofres dos governos estaduais e federal e por fontes externas.

O plano é essencial para transformar o Pará – hoje o principal emissor de dióxido de carbono (CO2), que gera aquecimento global – em um estado neutro em carbono, através do que Camille Bemerguy, diretora de mudanças climáticas, serviços ambientais e bioeconomia do Pará, chama de “reconciliação” entre seus desafios ambientais e socioeconômicos.

Proposta COP30

Desenvolvido ao longo de dois anos, o PlanBio tem como objetivo incentivar a pesquisa, desenvolvimento e inovação ambiental.

Ele pretende fomentar negócios que se utilizem da biodiversidade local de forma sustentável e agreguem valor a práticas como as de Magno, derivadas do conhecimento tradicional e indígena.

Em janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva esteve ao lado de Barbalho para anunciar uma proposta para Belém, capital do Pará, sediar a cúpula climática da COP30 da ONU em 2025.

A proposta é mais do que um simples aceno político para o Pará, onde Lula venceu as eleições com uma margem confortável. Embora não seja membro do Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula, Barbalho é um aliado – e seu irmão, Jader Barbalho Filho, é ministro de Lula.

Se Belém ganhar a COP30, o Pará terá a chance de mostrar sua bioeconomia para o mundo. Mas isso também significaria um prazo de menos de três anos para cumprir algumas das promessas do PlanBio.

“Três anos não é muita coisa”, admitiu Bemerguy.

O Pará é o segundo maior estado do Brasil e o mais populoso da região amazônica, com cerca de 8,7 milhões de habitantes.

Ele foi responsável por quase um quinto de todas as emissões de carbono causadoras de aquecimento climático no Brasil em 2020, de acordo com dados coletados pelo Observatório do Clima, uma organização brasileira sem fins lucrativos.

Apesar de uma queda de 21% em relação ao ano anterior, em 2022 cerca de 4.141 km2 de floresta foram perdidos no Pará – mais do que em qualquer outro lugar do Brasil, segundo os dados do governo. As árvores liberam CO2 quando são cortadas e apodrecem ou são queimadas.

No início de fevereiro, Barbalho emitiu um decreto de “emergência ambiental” para 15 cidades, onde cerca de três quartos de todo o desmatamento no estado ocorreu, entre 2019 e 2021.

O ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, no governo de 2019 a 2022, foi acusado de enfraquecer as agências ambientais do governo e incentivar a exploração ilegal de madeira e mineração em áreas protegidas.

Com a eleição do novo governo de esquerda de Lula, no entanto, há uma expectativa de que o Brasil reforce sua luta contra o desmatamento.

Em janeiro, com poucos dias da presidência de Lula, a agência ambiental federal Ibama lançou sua primeira incursão para capturar madeireiros ilegais no estado do Pará.

Embora a remoção de madeireiros e garimpeiros ilegais das áreas protegidas seja necessária para conter a perda de árvores, Bemerguy disse que, a longo prazo, a esperança para as florestas do Pará é ganhar dinheiro com elas, mantendo-as de pé.

De acordo com um estudo da The Nature Conservancy (TNC), organização sem fins lucrativos sediada nos EUA, a bioeconomia do Pará cresceu uma média de 8,2% ao ano de 2006 a 2019 – e poderia aumentar 30 vezes até 2040, gerando R$ 170 bilhões em receita anual.

Isso quase dobraria o atual produto interno bruto do estado, observou Bemerguy.

A chave do sucesso é tornar as atividades que preservam a floresta mais lucrativas do que a exploração ilegal de madeira e mineração, disse Juliana Simões, gerente adjunta de estratégia de povos indígenas e comunidades tradicionais locais da TNC Brasil.

“Será necessário que o governo federal faça sua parte”, disse Simões, que ajudou a conceber o PlanBio.

Isso significa punir os madeireiros e garimpeiros ilegais e criar incentivos para as empresas que mantêm a floresta em pé, e desestimular aquelas que a destroem, acrescentou.

Agroindústrias

Ainda assim, desenvolver uma bioeconomia próspera é um desafio em um estado pobre onde cerca de 5% dos residentes ainda não têm acesso à energia elétrica e 47% não têm água limpa em casa, de acordo com dados do governo citados no PlanBio.

“A vida era dura”, lembrou Dilma Lopes, filha de um líder em Campo Limpo, uma comunidade rural sem eletricidade até 2008.

Em 2002, Natura & Co, uma das maiores empresas de cosméticos do Brasil, procurava fornecedores de priprioca, uma erva aromática tradicionalmente encontrada na região amazônica.

O pai de Lopes e outros membros da comunidade se organizaram em uma cooperativa chamada Aprocamp e fizeram um acordo com a Natura para plantar priprioca – agora sua principal fonte de renda.

Lopes cresceu em uma casa improvisada feita de madeira, como muitos em sua comunidade. Mas com a priprioca, isso mudou.

“Hoje graças a Deus todo mundo tem a sua casinha de alvenaria”, disse Lopes, que é a presidente da Aprocamp.

Com o tempo, os habitantes locais que haviam migrado para fora da comunidade para trabalhar retornaram, e a Aprocamp cresceu de 20 famílias para uma cooperativa de 75.

A promoção de cooperativas é um dos objetivos do PlanBio.

Para isso, o Pará – famoso pelo açaí, um fruto roxo consumido em todo o mundo como “superalimento” – quer desenvolver agroindústrias envolvendo pequenos produtores, aumentando seus lucros agregando valor ao que eles cultivam, como o cacau.

Em algumas partes do Estado, tais atividades estão começando a criar raízes.

Em Campo Limpo, a Natura montou uma fábrica para extrair óleo de priprioca, usado para fazer perfume. Os moradores locais estão sendo treinados para administrá-la e serão donos da fábrica assim que ela estiver operacional.

“A gente espera que a vida de todo mundo melhore – bastante”, disse Ronelson Ribamar, um membro da Aprocamp que está sendo treinado para trabalhar nas instalações.

A fábrica trará uma renda mais estável, disse Ribamar, que planeja continuar plantando priprioca e legumes em seu próprio terreno, e até mesmo contratar alguém para ajudá-lo.

Enquanto isso, Da Tribu está montando uma oficina em Cotijuba para automatizar a fabricação de fios de borracha.

A ideia é treinar mulheres da aldeia para dirigi-la, permitindo-lhes produzir mais em uma fração do tempo, disse Tainah Fagundes, cofundadora da Da Tribu.

Na Cofruta, outra cooperativa que atende a Natura, uma fábrica de processamento de frutas está dando oportunidades a uma nova geração.

Manoel Rodrigues, 28 anos, filho de um fazendeiro, começou a trabalhar no campo aos 13 anos. Dois anos depois, ele conseguiu um emprego na fábrica da Cofruta, permitindo-lhe terminar o ensino médio.

Agora ele tem grandes esperanças para sua filha de 5 anos, Alice, que quer se tornar veterinária ou bombeira quando crescer.

“Eu pretendo que ela faça universidade, porque eu não tive a oportunidade”, disse Rodrigues.

Produtos inovadores

Para desenvolver novas tecnologias e usos para os produtos da floresta amazônica, o estado do Pará planeja abrir um centro de pesquisa até 2025, além de oferecer financiamento para pesquisadores na área.

A empresa de cosméticos Natura foi pioneira em tais pesquisas na Amazônia quando começou, há mais de 20 anos. Agora desempenha um papel de grande porte na bioeconomia local, comprando produtos a granel de 46 comunidades amazônicas, metade delas sediadas no Pará.

O parque industrial da empresa em Benevides, uma cidade a cerca de 34 km de Belém, produz 90% dos sabonetes que a Natura vende no mundo inteiro e tem um centro de inovação para encontrar novos usos para os recursos da Amazônia.

A empresa às vezes compra frutas e ervas não sabendo o que pode fazer com elas até que cheguem ao laboratório, segundo executivos.

No ano passado, a Natura registrou 43 patentes, mas a empresa não fornece uma discriminação de quantas se relacionam a produtos com base na Amazônia.

As pequenas empresas também estão investindo em tecnologia.

Tatiana Lima, uma química de Belém, desenvolveu o jambu – uma planta conhecida por causar uma sensação de formigamento na boca quando comido – em um spray afrodisíaco. Sua empresa, Sinimbu, também fabrica jambu em conserva e cachaça de jambu infundida com esta erva.

Obstáculos financeiros

Para elaborar seu plano de bioeconomia, o governo do Pará realizou seminários em todo o estado para falar com povos indígenas e tradicionais, empresas e grupos sem fins lucrativos, para saber sobre seus problemas e como o estado poderia ajudar.

As autoridades empresariais locais disseram à Fundação Thomson Reuters que acham mais fácil enviar produtos para processamento em estados mais ricos do sudeste como São Paulo e Rio de Janeiro do que agregar valor no Pará, como o estado quer.

Eles citaram os obstáculos locais, incluindo a falta de financiamento, um ambiente comercial pouco favorável, impostos estaduais elevados, questões logísticas e dificuldade em contratar trabalhadores qualificados.

Isso poderia mudar com o PlanBio, sob o qual o banco regional estatal Banpará oferecerá uma linha de crédito especial vinculada a iniciativas de bioeconomia e as empresas locais serão apresentadas aos potenciais investidores.

Algumas empresas, como a Manioca, empresa que vende produtos amazônicos em supermercados de todo o Brasil, estão à frente do restante.

A Manioca envia garrafas de São Paulo para Belém, enche-as com tucupi, um molho amarelo feito com ervas e suco de mandioca fermentado, e as transporta de volta para São Paulo para distribuição, mantendo empregos e lucros no Pará.

Ela poderia cortar seus custos processando e engarrafando tucupi, seu principal produto, em São Paulo, onde os impostos são mais baixos e os incentivos comerciais mais altos – e a Manioca estaria mais perto dos grandes centros de distribuição.

Mas isso “é algo que a gente não quer fazer”, disse Paulo Reis, um dos sócios da Manioca.

Reis faz parte de um grupo de empresários que se organizaram para melhorar a bioeconomia amazônica e foram consultados sobre o PlanBio.

Embora Reis pense que a estratégia da bioeconomia é boa no papel, ele se preocupa com a eficácia que ela terá na prática. Ele acredita que o governador estadual precisará do apoio do governo federal, especialmente para diminuir as taxas de desmatamento.

Ele teme que a iniciativa de Barbalho possa ser desacreditada se as perdas florestais aumentarem antes que o PlanBio possa ter efeito.

Fernanda Stefani, CEO da 100% Amazônia, uma empresa sediada no Pará que envia produtos amazônicos para 60 países, também está apoiando a economia local.

Sua firma lutou durante dois anos e meio antes de finalmente obter crédito do Banpará para construir uma fábrica de alta tecnologia para extrair a polpa de frutas amazônicas como o açaí.

Com o alto custo de fazer negócios no Pará, Stefani estima que teria sido 20% mais barato estabelecer a unidade de processamento em São Paulo – mas isso seria eticamente indefensável.

“Hoje a maior parte das empresas que realmente ganham muito dinheiro com a floresta estão todas fora da Amazônia”, disse ela. “O que nós precisamos é mudar essa dinâmica”.

Dependência na cadeia de suprimentos

A situação econômica das comunidades na base da cadeia de abastecimento que dependem de Manioca, 100% Amazônia, Natura e outras continua frágil.

Das 46 comunidades das quais a Natura compra, apenas cerca de 10 não dependem dela para a maior parte de sua renda, disseram executivos.

Cerca de 80% da receita da Aprocamp vem da Natura, observou Lopes, que tenta diversificar através da venda para compradores menores como a Manioca, que compra um tipo de chicória da cooperativa.

Se a Natura deixar de comprar, a comunidade não será capaz de se sustentar, admitiu.

Ao mesmo tempo, se as comunidades falharem na entrega dos produtos, ou se o desmatamento se tornar desenfreado, a cadeia de fornecimento da Natura entrará em colapso, disse sua diretora de sustentabilidade global, Denise Hills.

“Se a Amazônia não estiver de pé, não tem Natura, não tem bioingrediente, não tem nada”, disse ela.

Embora o estado do Pará esteja claramente dedicado a desenvolver sua bioeconomia, o processo precisa ser acelerado, acrescentou.

Na ilha de Cotijuba, Corina Magno sente o mesmo. Ela vê sua comunidade como ainda dependente da ajuda do governo, apesar dos esforços da Da Tribu para desenvolver um negócio de borracha sustentável.

Muitos de seus pares abandonaram as florestas da ilha para trabalhar em plantações no sul do Brasil, mas se a economia local melhorasse, eles voltariam para casa, acredita ela.

“A gente tem a vontade”, disse ela. “Falta apoio”.

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