Em meados de dezembro, o executivo Ricardo Goldenberg tem viagem marcada aos Estados Unidos. Ele vai conhecer pessoalmente seu chefe e sete dos 11 gerentes de fábricas localizadas no Texas e na Califórnia que ele comanda, desde setembro do ano passado, da sua casa, em São Paulo.
Engenheiro, de 45 anos, Goldenberg é vice-presidente e general manager para Sul e Oeste dos Estados Unidos e México da multinacional americana Greif, especializada em embalagens industriais. Ingressou na companhia no ano passado, depois de retornar ao Brasil. Durante nove anos, Goldenberg trabalhou numa indústria concorrente. Destes, quatro em Chicago (EUA) como diretor de operações da divisão global.
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Quando começou a pandemia, o executivo teve covid e decidiu pedir a conta e retornar ao País. “Voltei para o Brasil com a família sem ter nada em vista”, conta. Nesse recomeço, reativou os contatos profissionais e logo foi sondado pela multinacional para executar trabalho semelhante ao que fazia na antiga empresa. No entanto, a vaga era para um cargo no Texas (EUA).
Com mulher e dois filhos pequenos já readaptados ao Brasil, Goldenberg não estava disposto a voltar a morar nos Estados Unidos. Mas, para sua surpresa, recebeu uma contraposta para exercer a função de forma remota e híbrida, indo presencialmente algumas vezes ao exterior.
‘Ganha-ganha’
O pacote de remuneração oferecido foi em dólar, convertido em reais no fechamento do contrato de trabalho. O executivo calcula que recebe, em reais, 30% acima do que ganharia se estivesse numa empresa nacional em função equivalente. A empresa, por sua vez, economiza na contratação do brasileiro em razão da valorização do dólar em relação ao real. “É um ganha-ganha”, afirma o executivo.
Goldenberg é alvo desse movimento recente de multinacionais contratando executivos brasileiros de forma remota, favorecido pela desvalorização do real, para atender a outros países, mas não o Brasil.
Companhias multinacionais também têm preferido contratar brasileiros para prestar serviços no Brasil e remotamente para a América Latina no lugar de expatriar executivos que estão em outros países, como normalmente faziam no passado, explica Paulo Dias, diretor da Page Executive.
“Para a empresa, é muito mais barato do que contratar um executivo europeu ou americano”, diz ele. Além disso, a companhia tem à disposição alguém que conhece o mercado local. “Ou seja, empresa e executivo saem ganhando.”
Em relação ao países onde está a maior parte de empresas à caça de brasileiros, Dias aponta China, Coreia, Índia, Emirados Árabes, Dubai e países da Europa. “Empresas asiáticas têm procurado executivos brasileiros para atender EUA e México via Brasil.”
Em reação ao avanço das companhias estrangeiras no recrutamento de brasileiros, Giovana Cervi, sócia da consultoria Signium, ressalta que algumas empresas nacionais têm oferecido remuneração maior e estão mais agressivas para conseguir reter talentos.
Multinacionais miram executivos brasileiros
A desvalorização do câmbio e o avanço do trabalho remoto ampliaram, nos últimos meses, as contratações de executivos brasileiros por empresas multinacionais, bancos estrangeiros de investimento e fundos de private equity. Essa conjugação de fatores deixou o passe desses profissionais mais barato em dólar e acessível a companhias estrangeiras.
Até agosto deste ano, cresceu 20% o número de admissões de profissionais brasileiros por empresas estrangeiras, de diversos segmentos, em relação a igual período de 2020, segundo levantamento da Page Group, consultoria internacional especializada em recursos humanos.
Na Signium, outra consultoria internacional de recrutamento, esse movimento foi constatado com mais força no setor financeiro que reúne bancos de investimento e fundos de private equity. Até outubro, as admissões de brasileiros feitas pela consultoria nesse segmento para cargos de alto escalão em instituições estrangeiras com operações locais aumentaram 50% em comparação com igual período de 2020. “Projetamos aumento de 70% para o ano”, diz Giovana Cervi, sócia da consultoria.
Trabalho remoto
Segundo Paulo Dias, diretor da Page Executive, braço da consultoria voltado para o alto escalão, o avanço do trabalho remoto trazido pela pandemia impulsionou esse movimento. “O trabalho remoto foi o estopim, atrelado à desvalorização do câmbio.” Ele argumenta que se apenas o real estivesse desvalorizado e o trabalho continuasse presencial, seria necessário levar os profissionais para o exterior e talvez a redução de custos não fosse tão significativa para as empresas.
Carlos Altona, sócio da consultoria Exec, líder nacional na contratação de altos executivos, concorda com Dias. “O trabalho remoto que veio com a pandemia potencializou essa possibilidade.” Ele observa que o aumento na admissão de brasileiros por empresas estrangeiras sempre foi “natural” toda vez que o câmbio se desvalorizava. Até porque o executivo brasileiro é bem visto no exterior por estar acostumado a gerenciar crises. Mas, desta vez, há o fator extra do home office.
Nas contas de Dias, a desvalorização do câmbio pode representar um acréscimo de até 50% na remuneração em reais dos executivos brasileiros em relação à média de ganhos para funções equivalentes em empresas nacionais.
“A empresa estrangeira economiza porque, se fosse contratar um executivo onde os salários estão inflacionados em dólar, gastaria muito mais para ter um profissional do mesmo nível”, diz Dias. Ele calcula uma economia de cerca de 40% em dólar para as empresas. “Essa margem de diferença entre um e outro é base da negociação dos contratos.”
Além dos bancos de investimento e fundos, a Signium detectou esse movimento também em empresas globais de tecnologia, na área de bens de consumo mas ligada à transformação digital e no ramo farmacêutico. Os profissionais mais procurados são executivos de tecnologia, vendas, marketing e relações com investidores.
Efeito dominó
Essa procura adicional de empresas estrangeiras por altos executivos brasileiros provocou um efeito dominó nas consultorias de recursos humanos, que precisaram aumentar rapidamente as admissões de headhunters para conseguir atender a demanda. Nos últimos meses, tanto a Signium como a Page Executive ampliaram em 20% as contrações de profissionais para ir em busca de executivos no topo da carreira.
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