Mulheres que desenvolvem doenças nas mamas ou no útero são mulheres que querem “maternar” o mundo, mas são impedidas de exercer seu propósito por uma série de fatores. É uma doença, mas é também símbolo de muito amor.
Apesar de eu ainda não saber, aquele não seria um dia como os outros. No momento em que recebi o diagnóstico de câncer de mama, tomei um susto absurdo. Meu primeiro pensamento foi “como assim, eu?!”. Não dei chance para a emoção tomar conta e, imediatamente, organizei meus pensamentos: “vai dar tudo certo”. Segui à risca os próximos passos: consultas com toda a equipe médica multidisciplinar e exames. Confesso que me senti no controle da situação.
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Em mais de duas décadas no mundo corporativo, nunca faltei a um compromisso e, talvez exatamente por isso, enquanto eu me dizia “isso é inaceitável, como você deixou essa doença chegar, Luciana?!”, o quartinho de bagunça escondido na minha cabeça gritava “das consequências de ter se controlado tanto, você não vai escapar”. Eu, que me achava uma mulher forte por ter passado uma vida inteira acreditando que não tinha o direito de sofrer por questões que não fossem extremamente graves, percebi que foi, talvez justamente por isso, que deixei meu corpo doente.
Na última semana de trabalho, eu estava numa sala de reunião e senti meus batimentos cardíacos fora do compasso. A respiração já não me obedecia mais. A cirurgia de mastectomia estava marcada para o 6 de janeiro (o Dia da Gratidão), a exatos 21 dias e as pendências do trabalho só aumentando. Senti um hidrante prestes a explodir dentro do meu corpo e, quando percebi, uma enxurrada de lágrimas já tinha ensopado minha roupa. Só pensei em desaparecer.
De acordo com algumas pesquisas, o choro produz uma espécie de analgésico natural quando é formado e libera uma série de hormônios no nosso organismo. Essas substâncias, como a ocitocina e a endorfina, trazem uma sensação de bem-estar e ajudam a aliviar a dor física e emocional. Chorar é maneira que o corpo tem de entrar em equilíbrio. E o meu estava em completo desequilíbrio.
Ainda que perder o controle nunca estivesse nos meus planos, agora eu estava perdendo. E duas vezes. Uma do meu corpo, com as células que deveriam me proteger me atacando, e outra da minha emoção, chorando como alguém que nunca sorriu. Fugi pela escada de incêndio.
O que era para ser uma gota d’água veio em forma de caminhão pipa. E não parou mais.
Chorei no caminho para casa. Chorei baixinho. Chorei alto. Chorei o dia inteiro. Chorei por ter conseguido expor minha vulnerabilidade durante o processo de descoberta da doença, por me permitir verbalizar para minhas milhas filhas e marido o quão sensível eu me sentia.
Chorei de gratidão por ter descoberto o tumor maligno logo no começo. Chorei por ser forte demais, por ser fraca demais, de tristeza, medo, ansiedade e raiva (Brené Brown ficaria orgulhosa de como usei habilmente o “Atlas do Coração”).
Chorei quando a minha psicóloga perguntou do que eu tinha medo. Chorei de alegria quando a minha mastologista, Dra Patrícia Valentini Melo, constatou que o câncer estava no primeiro estágio e a cura era iminente. Chorei porque ela foi além da medicina e usou sua intuição sobre qual seria o melhor procedimento para mim. Chorei quando ela segurou minha mão depois da cirurgia transmitindo todo seu amor e usando todo seu conhecimento para me manter nesse plano.
Chorei recebendo transfusão de sangue. Chorei de gratidão pela pessoa que me doou o sangue. Chorei por saber que nunca mais poderia doar sangue. Chorei por não poder respirar. Chorei por não conseguir agradecer à enfermeira que estava cuidando de mim. Chorei quando tirei dois drenos e, ainda mais, quando tirei o último. Chorei querendo rir quando imaginei que o que eu precisava era de um dreno para os olhos.
Chorei aliviada porque achava que minha missão na Terra era apenas servir e, de repente, eu estava ali do outro lado recebendo tanto carinho e atenção. Chorei de tanta dor. Chorei quando assisti “De repente 30” (Columbia Pictures) com as minhas filhas Isadora e Manuela, pois compreendi que havia me tornado a adulta que gostaria de ser aos 13 anos, sem deixar de lado meu caráter, meus princípios, meus valores e minha integridade.
Chorei quando consegui dormir quatro horas direto. Chorei de agradecimento por ter a rede de apoio mais maravilhosa do mundo. Chorei por todas as mensagens, orações, flores, chocolates e áudios que recebi. Chorei quando o segurança do hospital me contou que a esposa dele estava passando pela mesma doença e, que se tinha dado certo para mim, havia esperança para ela também.
Chorei quando tomei banho sozinha pela primeira vez. Chorei, no caminho para o médico, ouvindo a música do Bob Marley “No Woman, No Cry”. Como assim, Bob?! Chorei observando minhas cicatrizes e agradecendo por tudo que aprendi com cada uma delas. Chorei por todas as mulheres que já superaram o câncer e, seguirei chorando por todas que, infelizmente, ainda passarão por esse processo tão dolorido. Chorei pela ironia de não conseguir pegar um copo d’água enquanto minhas lágrimas poderiam encher três.
Chorar foi o que precisei para me fortalecer.
Tenho certeza de que a cura é coletiva e agradeço ao meu marido, às minhas amigas, minha família, enfermeiras, médicos e ajudantes que tenho em casa. Eles foram minha máscara de oxigênio quando meu avião caiu.
O câncer de mama ocupa a primeira posição em mortalidade por câncer entre as mulheres no Brasil. Fazer o autoexame, a mamografia, cuidar da saúde mental, se alimentar direito, se exercitar são um ato de amor com você mesma e essenciais para descobrir essa doença no início e ter a chance de cura total.
“A qualidade mais importante que você pode ter ao longo do seu dia é a gratidão pelo que você viveu, mesmo por aquilo que foi difícil, pois isso lhe permitiu aprender e crescer.”
Dalai Lama
A verdade é que depois do câncer, tenho me sentido agigantada pela vida. Aqui começa um novo capítulo, com mais intenção e reconhecimento.
P.S.: Agradeço imensamente à Fernanda Guerreiro, minha amiga tão generosa, talentosa escritora e fundadora da plataforma para mulheres maduras @she_t, que trouxe seu olhar sensível para este que é, sem nenhuma dúvida, o artigo mais importante que já publiquei.
Luciana Rodrigues é CEO da Grey Brasil, conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho da Iniciativa Empresarial pela Igualdade e do comitê estratégico de presidentes da Amcham. Também é aluna de pós-graduação em neurociências e comportamento.
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