Cinco perguntas sobre a Americanas – e três consequências possíveis

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Ueslei Marcelino/Reuters

Fachada de loja da Americanas em Brasília: maior vendedora de ovos de Páscoa

No início da tarde de ontem (19), para surpresa de quase ninguém, a Americanas (AMER3) entrou com um pedido de Recuperação Judicial (RJ) na 4ª Vara de Direito Empresarial do Rio de Janeiro. Em uma longa petição de 5.564 palavras, em que citavam participações no Big Brother Brasil e qualificavam a empresa como “a maior vendedora de ovos de Páscoa do mundo”, os advogados culparam os bancos pelos problemas da varejista. O pedido foi aceito poucas horas depois, e a rede de varejo está, oficialmente, protegida de seus credores pelos trâmites legais.

A decisão era esperada. Rememorando: no dia 11 de janeiro, após o fechamento do mercado, a empresa divulgou um Fato Relevante em que informava “inconsistências contábeis” estimadas em R$ 20 bilhões. No dia seguinte, em uma apresentação restrita a poucos investidores e analistas, Sergio Rial, o então recém-empossado CEO, disse que o problema era devido à contabilização incorreta de uma prática comum no varejo, o chamado risco do sacado.

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Por essa prática, as empresas de varejo antecipam o pagamento a fornecedores captando dinheiro nos bancos. O erro da Americanas foi não indicar isso diretamente em sua contabilidade. Insatisfeitos, os bancos começaram a bloquear recursos da empresa neles depositados para cobrar as dívidas antecipadamente. Isso drenou o caixa da Americanas e a levou a pedir a recuperação judicial, uma semana e um dia após a divulgação da notícia.

O que vai ocorrer agora? Forbes conversou com analistas e advogados

1) O que é uma recuperação judicial?

É um procedimento jurídico em que uma empresa que não consegue pagar suas dívidas (nem negociar com os credores) pede para o processo ser intermediado pela Justiça. No caso, a Americanas tem dívidas maiores que seu caixa. Vários bancos, entre eles BTG Pactual, Itaú Unibanco e Safra estão pedindo pagamentos antecipados. Se a Americanas não conseguir pagar, os bancos podem pedir sua falência. Por isso ela pediu a recuperação judicial, abreviadamente chamada RJ.

2) Ela vai deixar de pagar os credores?

Ela vai pagar na medida do possível e de acordo com determinações da Justiça. No caso, a 4ª Vara de Direito Econômico do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Quando uma empresa entra em recuperação, há uma ordem nos pagamentos. Em primeiro lugar vêm os trabalhadores em regime CLT, com “carteira assinada”. Em seguida a empresa tem de pagar os impostos. E se sobrar dinheiro os fornecedores, prestadores de serviços, bancos e investidores em debêntures recebem sua parte.

3) Os negócios serão afetados? É seguro continuar comprando na Americanas?

A princípio não. A filosofia de uma RJ é exatamente permitir que a empresa continue funcionando enquanto acerta suas dívidas. Por vezes, os problemas são sérios demais e a recuperação judicial apenas posterga uma quebra da empresa. Não parece ser o caso. Ou seja, é plenamente possível comprar uma televisão no site da Americanas e ela será entregue normalmente.

4) Financiei uma compra em 12 prestações, e só paguei três. Preciso pagar as outras nove?

Sim. Quem deixar de pagar compras financiadas será considerado inadimplente e terá seu nome inserido nos cadastros de maus pagadores. Para o consumidor, as atividades da Americanas seguem funcionando normalmente. “A RJ presume a continuidade da empresa e os contratos têm de ser cumpridos normalmente”, diz o advogado Ricardo Castro, do escritório L.O. Batista. E uma vez ocorrendo inadimplemento de aluguéis vencidos após o pedido, esses poderão ser objeto de execução específica e/ou despejo, conforme o caso, mas não integram os créditos submetidos à RJ.

5) Quais são os riscos?

Uma recuperação judicial interrompe o fluxo tradicional dos negócios de uma empresa. Se a Americanas deixar de pagar um fornecedor, ele tem limites à cobrança. Se essa situação se prolongar muito e se a Americanas não der sinais claros de que está acertando suas contas, aumenta a probabilidade de os fornecedores restringirem suas vendas à empresa. Isso pode comprometer o total de vendas. Porém, a Americanas vinha avançando no processo de se tornar um marketplace, em que diversos fornecedores usam seus recursos para vender. Teoricamente, os negócios das empresas que vendem por meio da estrutura digital da Americanas não serão afetados.

Segundo os especialistas, há três cenários possíveis para as Americanas:

1) Recuperação

A empresa recebe uma injeção de capital dos sócios de referência, os bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, acerta seu caixa e sai da RJ. No início do processo, segundo comentários de mercado, os três sócios ofereceram uma injeção de R$ 6 bilhões em recursos. Os bancos credores pediram R$ 10 bilhões, e foi esse impasse que levou ao bloqueio de recursos. No entanto, a hipótese de uma injeção de dinheiro novo não está descartada. “A dívida de R$ 43 bilhões que a Americanas anunciou no pedido de RJ é elevada, mas Lemann e seus sócios estão entre os maiores investidores do mundo, conhecem muita gente e podem levantar muito dinheiro com alguns telefonemas”, diz o gestor Marcos Elias, sócio da casa de análise independente Contra a Corrente.

2) Fechamento de capital ou troca de controle

No dia 11, antes de divulgar os problemas, a Americanas valia R$ 10,87 bilhões na bolsa. Ontem, após a decretação da RJ, esse valor havia caído para R$ 902 milhões, uma baixa de 91,6%. A empresa está valendo uma fração do que valia. Há sérios problemas contábeis, admitidos pela própria Americanas, e ela deverá passar a ter relações mais difíceis com os bancos e com seus fornecedores. Porém, os papéis estão baratos e estão atrativos para investidores com apetite para risco, que podem assumir o controle da empresa e fechar seu capital. “Qualquer acionista ou até um terceiro poderá fazer uma oferta pública para comprar as ações da Companhia que estão sendo negociadas em Bolsa de Valores”, diz o advogado José Antônio Miguel Neto, sócio fundador do Miguel Neto Advogados.

3) Encerramento dos negócios

É o cenário mais drástico e menos provável, e só deverá ocorrer na hipótese remota de a empresa não conseguir chegar a um acordo com os bancos e for riscada da lista de clientes por seus fornecedores atuais. Porém, isso é pouco provável. O argumento de ser a maior vendedora de ovos de Páscoa do mundo, inserido no pedido de RJ, não está ali por acaso. Destina-se a relembrar à Justiça e às demais partes interessadas que a quebra da Americanas não interessa para ninguém, especialmente para seus investidores de referência. “Nessa altura da vida, o maior risco que os três sócios correm é um arranhão em suas reputações”, diz Elias, do Contra a Corrente. “E eles muito provavelmente não querem ser lembrados como os investidores que deixaram uma empresa centenária quebrar.”

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