Quando Vladislav Smolyanskyy saiu do tanque do Shark Tank, ele entrou em pânico. Era 2016. Durante as filmagens da oitava temporada do reality show, o então jovem de 21 anos havia acabado de concordar com um acordo que daria o controle majoritário de sua empresa, a Pinblock, ao famoso investidor e empresário Kevin O’Leary.
Depois de Smolyanskyy compartilhar sua história sobre a imigração de Kyiv, na Ucrânia, para Nova York e iniciar seu negócio de brinquedos – um concorrente da Lego em que cada bloco tem a mesma forma, permitindo que os usuários criem modelos 3D complexos – O’Leary ofereceu ao jovem empresário um negócio tipicamente de tubarão: ele daria a Smolyanskyy US$ 100 mil (R$ 523 mil) em troca de metade da empresa, dependendo de a dupla firmar uma parceria com uma grande fabricante de brinquedos.
Smolyanskyy tinha 85% da Pinblock (seu cofundador, que não estava mais envolvido, tinha os 15% restantes), então ele ficaria com uma participação minoritária se o negócio fosse fechado. Nenhum outro tubarão colocou uma oferta na mesa e O’Leary trouxe um argumento forte: “Vou te colocar na indústria de brinquedos porque todos retornam minhas ligações”, disse o investidor durante o episódio, destacando seu relacionamento próximo com a gigante da indústria Mattel. “Você não tem chance de fazer isso sozinho com sucesso”, disse O’Leary.
Smolyanskyy estava visivelmente chateado enquanto gravava sua entrevista após o pitch, sentindo que havia entregado muito, e um produtor do Shark Tank tentou tranquilizá-lo fora das câmeras de que o acordo com O’Leary valeria a pena. “Tive que fazer muito exercício mental para me convencer de que era uma boa ideia”, disse Smolyanskyy. Mas ele logo ficou entusiasmado com a perspectiva de trabalhar com o investidor.
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Cerca de quatro meses depois, Smolyanskyy diz que recebeu um longo email da equipe de O’Leary, dizendo que o investidor estava cancelando o negócio. Havia muita concorrência na indústria de brinquedos e os fabricantes provavelmente não gostariam de correr o risco de trabalhar com a Pinblock, dizia o email. Não houve oportunidade de negociação e Smolyanskyy ficou arrasado. Ele não apenas queria trabalhar com O’Leary, mas a essa altura também dependia dos US$ 100 mil prometidos para atender à demanda que esperava de seu episódio, que coincidiu com a temporada de férias. “Eu estava perturbado”, disse Smolyanskyy. A Pinblock, que vendeu 80% de seu estoque quando o programa foi ao ar, agora está “meio que adormecida” depois de se debater após o Shark Tank. “Entrei com muita confiança, esquecendo que programa é programa.”
A verdadeira história por trás do Shark Tank
Exibido pela primeira vez em 2009, o Shark Tank da ABC, agora em sua 14ª temporada, cresceu e se tornou uma espécie de ídolo americano do empreendedorismo. Todos os anos, dezenas de milhares de proprietários de pequenas empresas competem pela oportunidade de apresentar seus produtos a uma audiência nacional de milhões e garantir um acordo com um dos investidores de alto escalão do programa.
Cerca de dois terços dos quase 100 empreendedores que chegam ao ar a cada temporada saem com um aperto de mão e grandes planos de expansão traçados por seu investidor. Mas uma análise de 112 empresas que ofereceram acordos nas temporadas 8 a 13 do programa revela que cerca de metade desses negócios nunca são realmente fechados e outros 15% acabam com termos diferentes quando as câmeras são desligadas.
A Forbes tentou contato com cerca de 300 empresas que fecharam negócios, mas apenas 112 responderam. Uma pesquisa semelhante de 2016 realizada pela Forbes descobriu que cerca de 73% dos negócios nas primeiras 7 temporadas mudaram ou fracassaram.
Muitos dos empresários entrevistados pela Forbes pediram anonimato por causa de acordos estritos de não-divulgação que assinaram para entrar no programa. Ainda assim, a Forbes conseguiu uma visão inédita do que realmente acontece quando a gravação termina.
Os pitches são filmados meses e às vezes até mais de um ano antes de os episódios irem ao ar. Vários empreendedores disseram que foram instruídos a aceitar os negócios ou correriam o risco de não serem exibidos na televisão, fato que o investidor bilionário Mark Cuban confirmou à Forbes. Alguns admitiram que foram ao programa para publicidade e nunca quiseram atrair um novo investidor. E pelo menos 10 outros disseram que desistir do negócio foi uma “decisão mútua” entre eles e o investidor.
Mas a maioria confessou que a desistência foi uma decisão do tubarão – às vezes sem explicação – ou dos empreendedores, depois que os termos mudaram tão significativamente que eles sentiram que eram inaceitáveis e, em alguns casos, até colocariam seus negócios em risco.
Quais jurados realmente fecham negócios
Os cenários variaram bastante dependendo do tubarão. A magnata do setor imobiliário Barbara Corcoran teve a maior probabilidade de fechar seus negócios (60% dos empreendedores com quem conversamos disseram que os negócios que fizeram com ela foram finalizados após as filmagens), seguida por Daymond John (56 %). Embora provavelmente fechasse um acordo, John, que ganhou milhões com sua empresa de roupas FUBU, também era o mais propenso a mudar os termos – 4 dos 5 empresários que fecharam acordos com ele disseram que os termos mudaram após as filmagens.
O bilionário Mark Cuban, que fechou 54% dos 37 negócios que levantamos, investiu em mais que o dobro do número de empresas que outros investidores. Cuban disse que provavelmente fecha ainda menos negócios do que a Forbes calculou e culpou os participantes que “só vieram para o comercial”, o que ele diz ter se tornado mais comum nas últimas temporadas.
Os dados coletados não incluem as dezenas de empresas cujos episódios não vão ao ar a cada temporada; muitos desses empreendedores também recebem ofertas, mas não está claro quantos desses negócios realmente são fechados (Cuban e O’Leary disseram que às vezes fecham, enquanto John disse que “muito raramente”.)
Cuban, John e O’Leary foram os únicos investidores que responderam às perguntas desta reportagem. John e Cuban disseram que muitos de seus negócios fracassaram por causa de novas informações descobertas durante o período após as filmagens. “Quando fechamos acordos no Shark Tank, eles são baseados em pitches orais com pessoas que se apresentam bem na TV em seu ‘primeiro encontro’, que estão apenas dando sua palavra e nenhuma documentação escrita sobre seus negócios”, disse John em uma resposta por email.
Efeito Shark Tank
O’Leary, que gerou polêmica recentemente por seu papel como porta-voz da falida empresa de criptomoedas FTX, reconheceu em um telefonema que os empresários precisam abrir mão de muito no Shark Tank, mas argumentou que ainda vale a pena. “Não quero parecer arrogante, mas só existe um Mr. Wonderful [como ele é conhecido]. Não sou como um capitalista de risco qualquer. Ninguém pode fazer o que eu faço por você, e você vai pagar por isso. Se você não quer pagar por isso, não faça. Vá buscar seu VC genérico”, disse O’Leary. “Em um minuto outra pessoa vai entrar por aquela porta e você estará morto para mim. Nunca vou me lembrar do que você disse.”
A ABC se recusou a comentar para este artigo, mas falando com a Forbes para a matéria de capa de setembro de 2022, o produtor Clay Newbill disse que a ABC não controla o que acontece após as filmagens. “Daquele ponto em diante, é entre os empresários e os tubarões”, disse Newbill.
Com ou sem acordo, quase todos os empresários entrevistados pela Forbes disseram que participar do Shark Tank valeu a pena apenas pela exposição. Uma média de 4,2 milhões de pessoas assistiram a cada episódio da 14ª temporada de Shark Tank quando ela começou a ser exibida em setembro de 2022, de acordo com dados da Nielsen. Os episódios também são distribuídos para a CNBC, transmitidos no Hulu e no YouTube em trechos, atraindo milhões de espectadores.
Muitas empresas relatam o equivalente a meses de vendas em apenas algumas noites após a exibição do programa, em um fenômeno conhecido como “Efeito Shark Tank”. Muitos também creditam o sucesso atual de seus negócios às oportunidades que surgiram ao aparecer no programa. “O Shark Tank foi projetado para ajudar empresas iniciadas em porões e pequenas cidades por fundadores inexperientes a levar seus negócios a lugares que eles nunca poderiam sonhar em ir”, disse Cuban.
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