Empresas precisam agir, diz Ana Fontes sobre diversidade e inclusão

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Victor Affaro

Ana Fontes afirma que o tratamento das agendas de DEI e ESG ainda acontece de modo apartado dos objetivos do negócio

Ana Fontes, que ocupa posições em conselhos de administração de empresas como Avon, Plan International Brasil e Unimed Seguros, é uma das poucas exceções à constatação de que os homens brancos são maioria nos escalões decisórios das grandes corporações.

À frente da socialtech Rede Mulher Empreendedora e do Instituto Rede Mulher Empreendedora, que fundou em 2010 e 2017, respectivamente, ela é considerada uma das mulheres mais influentes do Brasil e do mundo. Negra, de origem nordestina, ela saiu de Diadema, na Grande São Paulo, rumo a uma jornada de muito estudo, dedicação e construção de networking como ferramenta de mobilidade e impacto social.

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Ana falou à Forbes sobre a trajetória que tem construído e, com a consciência de quem sabe de onde veio e para onde está indo, ao ser questionada sobre os desafios que se apresentam nesse percurso, ela cita em primeiro lugar a estrutura sistêmica (homogênea e massivamente composta por pessoas brancas), que é, por natureza, excludente. “O primeiro desafio de uma pessoa negra é ser reconhecida. As pessoas que hoje ocupam posições de tomada de decisão precisam olhar para as pessoas negras e entender seu histórico, sua jornada”, afirma. “O segundo é a pessoa negra poder acessar os ambientes de negócio, que são majoritariamente compostos por homens brancos, o que torna mais difícil [para um profissional não branco] conectar-se com esse ambiente. O terceiro desafio é desenvolver um networking que ajude a acessar esse ambiente.”

Um aspecto relevante nessa balança, segundo Ana Fontes, é a capacidade técnica: “As pessoas negras precisam ocupar os espaços não apenas em razão de sua raça e etnia, mas principalmente pelas habilidades que podem fazer a diferença”.

A ausência de pessoas negras nesses espaços, notadamente nos altos escalões e em conselhos de administração, tem origens históricas. O pouco reconhecimento do apartheid social que praticamente nasceu junto com o Brasil impede o entendimento claro de como as estruturas de poder foram construídas no país. O mito da democracia racial e a ausência de políticas de inserção da pessoa negra na sociedade e no mercado de trabalho desde a abolição foram os principais elementos de exclusão e desigualdade social. A divisão racial do trabalho se mantém.

É nesse contexto que as socialtechs, como a RME de Ana Fontes, são capazes de atuar ativamente na construção de um ambiente de negócios mais inclusivo e diverso. “Ter construído uma carreira empreendedora, que inclui negócios que não deram certo, também me ajudou no desenvolvimento de habilidades que hoje são utilizadas nos conselhos”, afirma ela. “Em um país de maioria feminina e negra, é impossível que o board tome decisões que impactem positivamente essa pluralidade se sua composição for majoritariamente masculina e branca. As decisões partem de um lugar de conjectura, e não de reconhecimento. Um board que não representa a diversidade social deixa de ser estratégico.”

Pesquisas recentes confirmam o impacto positivo da inclusão de pessoas negras, mulheres e outros grupos minorizados. Uma delas, realizada pela PwC com membros de conselhos em empresas norte-americanas mostra que 93% deles concordam com a afirmação de que a diversidade traz diferentes perspectivas para o board, 90% afirmam que melhoram a relação com acionistas e 75%, que impactam os resultados financeiros como um todo.

O tema tem sido positivado por meio de reguladoras do mercado e da legislação supralegal. No ano passado, a SEC (Securities and Exchange Commission), a CVM americana, permitiu que a Nasdaq exigisse que, na maioria das empresas listadas, ao menos duas cadeiras do conselho de administração fossem ocupadas por uma pessoa negra, uma mulher e um membro de grupo social historicamente minorizado.

No Brasil, em agosto a B3 seguiu os mesmos passos e colocou em consulta uma proposta para que as empresas tenham ao menos uma mulher e uma pessoa de grupos minorizados em seus conselhos a partir de 2026, no mesmo molde de “pratique ou explique” preconizado pela Nasdaq.

O desafio é substancial. Hoje, de acordo com levantamento da própria B3, 37% das 423 empresas listadas não têm nenhuma mulher em seus conselhos. Quanto ao recorte racial, apenas 11% reportam ter ao menos uma pessoa negra dentro do órgão de governança.

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Cientes desses números e conscientes do imperativo mercadológico, o que falta para que organizações se comprometam e coloquem tração na agenda de equidade étnico-racial com a profundidade e o compromisso que ela demanda? Ana Fontes atribui o descompasso ao desconhecimento da própria agenda: “Ainda existem empresas que não entenderam de verdade a necessidade de investimento no tema, e que ainda não compreenderam a conexão de diversidade, equidade e inclusão com os negócios. Existe a crença de que as coisas vão acontecer sozinhas, independentemente da intenção de se fazer a mudança – dizer que sua empresa é diversa não fará com que ela seja, se não houver intencionalidade seguida de ações”.

Ela cita também o tratamento das agendas de DEI e ESG de modo apartado dos objetivos do negócio. “Precisamos melhorar a divulgação do tema dentro das organizações, levando a alta liderança a entender de que forma é possível fazer a diferença. O fundamental de tudo é fazer saber que DEI é uma jornada, e como jornada precisa ser desenhada, definindo objetivos e responsáveis. Não basta fazer campanhas, não basta falar como empresa diversa. É preciso agir como uma.”

Reportagem publicada na edição 102, lançada em outubro de 2022.

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