Revolução: consultorias puxam agenda de transformação no mercado

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O mercado mundial de consultoria deve crescer a um ritmo médio de 10% ao ano

A evolução do mercado obrigou as consultorias a se reinventarem. Esqueça a imagem de consultores dedicados a extensos relatórios de recomendações. Hoje, as consultorias são, antes de tudo, implementadoras e conectoras de soluções – por vezes, até sócias. É a distância dos US$ 130 bilhões em vendas de serviços de consultoria em 2021 para os US$ 900 bilhões que a cena movimentou globalmente na transformação de negócios, segundo a plataforma Statista. A diferença é de recorte: de um segmento operacional ao ecossistema que atraiu agentes de soluções corporativas de todas as esferas, de Microsoft e Google a ONGs e startups.

E esse ainda não foi o salto derradeiro. As empresas apenas começaram a endereçar as questões de uma nova realidade de mercado. Na Deloitte, a maior operação de consultoria no mundo, metade do faturamento no país vem de frentes que não existiam seis anos atrás.

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A Alvarez & Marsal (A&M) vive algo semelhante: 35% dos ganhos anuais vêm de negócios que não existiam no ano anterior. Há cinco anos, a taxa de renovação do portfólio de serviços da companhia não chegava a 5%.

São ofertas voltadas à transformação digital e às demandas do stakeholder capitalism, em que emerge a agenda ESG (do inglês, ambiental, social e governança). Na toada do crescimento, as grandes consultorias aceleram a globalização de suas operações, ao passo que se especializam nos desafios de mercados locais. É a tônica de um mundo em que está mais difícil para os negócios passarem incólumes às crises econômicas e às frequentes ondas de disrupção nas mais diversas indústrias.

Diante dessa revolução, o mercado mundial de consultoria deve crescer a um ritmo médio de 10% ao ano, o que elevaria as cifras do jogo para US$ 1,3 trilhão em 2026, de acordo com a Statista. “A consultoria não é mais só um prestador de serviços, é um parceiro de negócio. Com isso, precisou assumir os riscos dos projetos”, explica João Gumiero, sócio-líder de market development da Deloitte. Com os riscos, sobem também os ganhos.

O Brasil no radar

A Bain & Company estima que o setor de consultoria tenha se tornado mais relevante na economia brasileira por sua capacidade de mobilização do mercado e de geração de negócios. A tendência é de expansão do segmento por aqui ao ritmo de dois dígitos. O Brasil representa 1% dos negócios globais e 31% do faturamento no mercado latino-americano de consultoria. Movimentou, assim, US$ 14,4 bilhões (R$ 74 bilhões) em 2021, segundo dados do Euromonitor. Embora concentrado nas mãos das multinacionais, o número de consultorias ultrapassou 161 mil empresas ativas no país. “O Brasil tem potencial para criação de valor de exportação, porque o mercado nacional tem especificidades que o tornam relevante tanto em demanda quanto em oferta”, conta Marcos Aguiar, diretor executivo e sócio do Boston Consulting Group (BCG).

Em 2022, a Oliver Wyman elegeu a operação brasileira como uma das prioridades globais. A decisão seguiu um ano de crescimento recorde no país, onde concentra sua atuação nos setores financeiro, telecomunicações e em agenda climática. “À medida que o open banking se estabelece, precisaremos desenvolver modelos de crédito melhores e ajudar clientes a ganhar competitividade”, reflete Ana Carla Abrão, líder da companhia no Brasil, sobre as demandas locais. O equilíbrio da participação de diferentes setores da indústria na economia diferencia o país entre os emergentes, pondera Rodrigo Cambiaghi, líder de consultoria da EY na América Latina Sul. E o mais importante: é um mercado de custo acessível.

A nova fronteira logística

Esses pontos podem favorecer o Brasil na reorganização da cadeia de suprimentos global. Análises da Bain & Company sobre esse cenário têm apontado para o surgimento de dois blocos: um liderado pela China e o outro, pelos EUA. No Ocidente, o Brasil atrairia investimentos para fortalecer uma indústria próxima desses mercados consumidores, reflete Alfredo Pinto, diretor da consultoria na América do Sul. “Existe uma conversa sobre a evolução das cadeias regionais e discussões com empresas norte-americanas sobre como mover as operações da Ásia para o Brasil”, afirma Rodrigo Cambiaghi.

O tema se desdobra em uma agenda de infraestrutura no país. Entram no radar: matriz e capacidade de fornecimento energético, qualificação de mão de obra e rede logística. O horizonte deve começar a se consolidar em três anos, mas a preparação começa agora. A KPMG já estuda as possibilidades de realocar a estrutura de produção com base em acordos ou alternativas do mercado local. “Outra questão central são os centros de serviços compartilhados, porque partes da estrutura de administração vêm sendo terceirizadas para ganho de escala e redução de custo”, explica o presidente da consultoria para a América do Sul, Charles Krieck. A pauta das despesas voltou à mesa com o ambiente hiperinflacionário.

A necessidade de se reinventar

Uma vantagem das empresas hoje, reflete João Carlos Santos, líder de strategy e consulting da Accenture para a América Latina, é que o mercado já tem se estruturado sobre arquiteturas mais simples, que permitem a conexão de componentes de solução. Esse novo parâmetro é chave para os negócios se reconfigurarem com agilidade.

Há 30 anos no setor, Marco Kalil, head da IBM Consulting no Brasil, ressalta que a velocidade é o que distancia esse trabalho do passado. “Enquanto levava um ano para transformar um negócio antes, hoje isso é feito em semanas.”

O avanço da inteligência artificial, da nuvem e do big data permitiu aos consultores rodar grandes volumes de dados para avaliar cenários. No varejo, começam a aparecer novas relações e variáveis de venda e consumo – antes imperceptíveis. “Assim, conseguimos chegar a um nível de prescrição muito mais assertivo. Temos nos baseado nisso para o desenvolvimento de produtos, como softwares, aplicativos e APIs, na sustentação ou no alcance de resultados”, conta Viviane Martins, CEO da Falconi.

Na McKinsey, essa transformação provocou uma mudança de perfil no quadro societário. “Uma proporção relevante de nossos talentos hoje sabe codificar e estruturar negócios e apoia a atração de pessoas para operar soluções no cliente”, conta Tracy Francis, líder global de branding, comunicação e marketing da empresa.

Apesar dos ganhos em agilidade, eficiência e capacidade de execução, o tempo ainda é inimigo para o trabalho das consultorias. “Temos sido procurados por empresas que foram afetadas por concorrentes que entraram no mercado há um mês. A necessidade de adaptação da gestão está mais urgente”, conta Marcelo Gomes, CEO da A&M Brasil.

Mesmo em um cenário imprevisível, a evolução do mercado está apoiada em três pilares: transformação digital, agenda ESG e pessoas. São frentes que estruturam organizações para estarem “melhores que ontem e preparadas para o amanhã, ainda que não se saiba exatamente o que será o amanhã”, reflete o presidente da KPMG na região.

A estrutura de mercado sobre três pilares

ESG

As consultorias alavancaram as pautas ESG no mercado, inclusive puxando para si metas audaciosas dessa agenda. Hoje, 90% das empresas líderes têm programas de ESG fundamentados. De doações milionárias ao apoio a causas, as consultorias buscam casar discurso e prática em um trabalho modelo para seus clientes.
A Accenture, por exemplo, é parceira da ONG Gerando Falcões. Durante a pandemia, ajudou a executar a campanha “Unidos pela Vacina”, movimento criado pela empresária Luiza Trajano. Também nesse período, a Oliver Wyman ajudou o governo do estado de São Paulo a desenhar os planos de reabertura econômica. Já o BCG tem trabalhado com a COP (Conferência das Partes) para a organização da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. “A agenda ESG é imperativa no mundo dos negócios hoje. Sem essa preocupação, as organizações serão relegadas ao segundo plano”, reflete Marcos Aguiar, do BCG.

Pessoas

A diversificação da força de trabalho, a qualificação profissional e a saúde do ambiente corporativo estão na mira das consultorias. Enquanto a transformação digital forçou as organizações a estruturarem sistemas para a capacitação dos trabalhadores, os índices de adoecimento mental escalaram. A abordagem das consultorias nesse pilar é ajudar as empresas a se entenderem como parte do problema e buscar maneiras de ser parte da solução.

Na frente de diversidade, que puxa a discussão sobre inclusão nos ambientes corporativos e de lideranças, a atenção recai sobre a cultura.

“É comprovado que equipes diversas produzem resultados superiores e criam um ambiente de desenvolvimento profissional. Trata-se de uma evolução das competências da empresa”, conclui Charles Krieck, da KPMG.

Transformação digital

Para alavancar a transformação, as consultorias estabelecem laços com milhares de empresas e polos de inovação espalhados pelo país. Com tentáculos de norte a sul, a capacidade dessas empresas para operar soluções pode se expandir até 100 vezes. Esse potencial se reflete em viradas de cenários como a da Biosev, empresa do setor sucroenergético, vendida para a Raízen por R$ 3,6 bilhões em 2021. Quando a A&M começou a implementar a transformação na Biosev, no fim de 2019, a companhia operava com Ebitda negativo, e as dívidas líquidas se acumulavam em R$ 4,8 bilhões que venceriam nas próximas safras. “Nosso primeiro trabalho foi reestruturar o modelo de custo e de operação. Fizemos uma renegociação de dívida complexa e mobilizamos três startups do nosso ecossistema para entregar tecnologia ao processo da companhia”, relata Marcelo Gomes, CEO da A&M no Brasil. As soluções foram da automação no campo à digitalização do contato com clientes.

O resultado começou a aparecer com a melhoria dos índices de gestão operacional, e o salto em rentabilidade apareceu com a geração de quase R$ 500 milhões em Ebitda novo e a queda dos custos. Paralelamente, melhorias no sistema de cálculo de impostos e tributações permitiu recuperar créditos que a empresa tinha, o que ajudou a acertar o negócio com a Raízen.

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