Quem foi o primeiro escritor a registrar palavras? Não foi Homero, que escreveu a Ilíada e a Odisseia por volta dos séculos VIII ou VII antes de Cristo. Tampouco foi qualquer outro homem. Foi uma mulher. Não foi Sapho, que se consagrou mil anos após o pioneiro, mas sim, uma sacerdotisa e poeta chamada Enheduanna da Mesopotâmia. Ela não foi somente a primeira escritora do mundo, mas também escreveu, em primeira pessoa, sobre deusas, sacerdotisas, fiéis, mães, trabalhadoras e governantes. Além disso, escreveu sobre abuso sexual.
Filha do rei Sargon (2334 a 2279 a.C) do Império Acádio, Enheduanna produziu seus trabalhos literários na língua suméria mostrando sua devoção à deusa do amor sexual e da guerra. Enquanto grande parte da literatura da Mesopotâmia não nomeava seus autores, Enheduanna incluiu seu nome e detalhes de sua vida em vários de seus poemas. Na Mesopotâmia, os escribas eram ensinados a escrever copiando mantras e contos que gerações anteriores tinham registrado em placas de argila. Por isso, os escritos da Enheduanna foram copiados ao longo de centenas de anos nessas escolas.
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Nos seus cânticos, Enheduanna descreve um usurpador que chega, abusa dela, a expulsa de casa e lhe oferece uma adaga para se matar. Felizmente, Enheduanna é salva pela deusa Inanna. Em outro mantra, Enheduanna conta seu processo de dar à luz, que começa com o atear de um fogo na cama nupcial. De forma surpreendente, não era porque Enheduanna era filha de um rei que ela tinha qualidade de vida, mas sim, porque na Mesopotâmia as mulheres tinham mais poder do que aquelas do século XIX.
Em exibição no museu e livraria Morgan, está a exposição “Ela quem escreveu: Enheduanna e as mulheres da Mesopotâmia” que, pela primeira vez, uniu uma seleção de trabalhos que mostram as expressões e vidas das mulheres na Mesopotâmia ao longo do final do século IV e o século III antes de cristo. A mostra inclui representações de outras mulheres de cidades antigas da Mesopotâmia, trazendo foco a um público normalmente esquecido na sociedade patriarcal da antiguidade: as mulheres.
“O legado de Enheduanna é multifacetado e o Morgan está honrado de apresentar sua história para uma nova geração de visitantes”, disse Colin B. Bailey, diretor do museu Morgan.
Nos destaques das exposições está um fragmento da parte frontal de uma embarcação com uma imagem de uma deusa do período dos anos 2,4 mil a.C., uma das primeiras imagens de uma deusa antropomórfica criadas na Mesopotâmia. A natureza divina dessa figura está na coroa de chifres com penas e em uma cabeça de animal, bem como nos elementos vegetais acima de seus ombros. A deusa olha diretamente ao observador, mostrando poder e autoridade. Seu cabelo volumoso e as frutas em sua mão direita a retratam como um símbolo de fertilidade e abundância.
Selos de cilindros eram usados na Antiguidade para fazer impressões em superfícies planas, geralmente em argila molhada. Elas eram registradas em caracteres escritos ou cenas figurativas, ou as duas. Essas ferramentas foram inventadas por volta dos anos 3,5 mil a.C. no sul da Mesopotâmia e, um pouco depois, no sudoeste do Irã – além de estarem ligados à invenção da escrita cuneiforme em tábuas de argila.
Um dos objetos mais excepcionais da exposição são os artigos funerários da rainha Puabi, descobertos em 1927 na escavação de sua tumba. Vários ramos formados de padrões florais e vegetais foram encontrados na testa de Puabi, com laços delicadamente feitos em ouro ao redor de seu cabelo e cachos de ouro em sua face. Seu peito é feito de pedras cornalinas, lápis lazúli e pontos de outro de forma padronizada. Esses objetos, representando a perfeição mais antiga do trabalho com metais, ainda são usados atualmente.
A exposição inclui o Disco de Enheduanna do período acádio, por volta de 2,3 mil antes de cristo, com uma inscrição parcialmente preservada de um lado do disco, que foi recuperada uma cópia de um antigo disco de Babilônia. A cena registrada ilustra Enheduanna no centro, desenhada um pouco maior que seus serventes para refletir seu status. Ela usa uma vestimenta em camadas e um acessório circular na cabeça e dois padres atrás dela performam rituais.
“Enheduanna é nada menos que o primeiro escritor registrado pela história. O fato de ela ser pouco conhecida é algo que a exposição de Morgan busca reverter, diz Sidney Babcock, curador da mostra. “Os artigos de mulheres desse período, mostrados aqui pela primeira vez em conjunto, têm sido pouco destacados. É a hora de prestarmos mais atenção no aspecto artístico dessas imagens, além da maneira como elas mostram as contribuições das mulheres no começo da história.”
Para saber mais sobre a exposição, visite o site do museu e livraria Morgan.
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