Após quatro anos de UOL Carros, esta coluna chega ao nobre espaço da Forbes Brasil, que nos últimos tempos tem se dedicado à cobertura jornalística do universo automotivo. Justo, portanto, que se explique o que é o tal do antigomobilismo, tema central aqui.
Pode soar neologismo, mas é um termo oficial. “Eu o criei quando tive a primeira revista da América Latina de clássicos, a Autos Antigos, que foi de 1979 a 1986. Criei porque havia pouco espaço para textos, então era mais curto usar o termo ‘antigomobilismo’ para descrever ‘hobby de colecionar autos antigos’, ou ‘antigomobilista’ para distinguir ‘colecionador de autos antigos’”, explica o colecionador Malcom Forest.
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“Coube a José Roberto Nasser formalizar no dicionário Houaiss”, complementa Roberto Suga, presidente do Conselho da Federação Brasileira de Veículos Antigos (FBVA), se referindo ao jornalista, advogado e fundador do Museu do Automóvel de Brasília, morto em 2018. Hoje virou estilo de vida e nem é preciso ser dono de um clássico para se considerar um antigomobilista.
É também um enorme mercado. Pesquisa socioeconômica encomendada pela FIVA (Federation Internationale Vehicules Anciens) e executada pela JDA Research revelou que o antigomobilismo no Brasil movimentou R$ 32,6 bilhões em 2019. De acordo com o estudo da consultoria britânica, o montante é composto por R$ 16,1 bi gastos com seguros, manutenção, restauração, armazenamento e combustível, entre outros serviços; R$ 12,3 bi em compra e venda de veículos históricos, R$ 3,5 bi em eventos de veículos históricos (hotelaria, alimentação e inscrições) e R$ 768 milhões em gastos considerados indiretos, como mensalidades de clubes, revistas especializadas e souvenirs.
Quanto aos carros, motos, caminhões ou qualquer outra coisa sobre rodas, há certas nuances, pois nem todo antigo é clássico. Daqui a 30 anos – a idade mínima para um automóvel se candidatar a obter o Certificado de Originalidade, documento reconhecido pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) que atesta o cumprimento dos requisitos de originalidade e conservação exigidos – um Chevrolet Celta será tecnicamente um carro de coleção. Será um clássico? Provavelmente não.
Por outro lado, nem todo clássico é tecnicamente antigo. Um Porsche 911 fabricado em 1998 já é considerado clássico, mesmo lhe faltando seis anos para completar os 30 de produção. As diferenças entre um e outro residem em fatores como relevância histórica, número de unidades produzidas (quanto menos, mais colecionável), desejo, status, vanguardismo tecnológico e significado na história do automóvel.
E há “divisões” de clássicos: veteranos (até 1904), vintage (até 1930) e pós-vintage (1930 até o final da 2ª Guerra Mundial). Sem falar nos neoclássicos, que vão até o fim dos anos 1990, começo dos anos 2000. Um Volkswagen Golf GTI 1995 é um neoclássico. Um Audi RS 4 fabricado em 2000 idem.
Outro termo que vai aparecer aqui com certa frequência é “barn find”. É um dos mais específicos no universo do antigomobilismo, que qualifica veículos abandonados em celeiros (daí o “barn” do nome), fazendas, sítios, quintais, garagens… Geralmente são acompanhados por grandes histórias – divórcios, mortes e esquecimentos em geral predominam – e há quem viva de caçá-los.
Um exemplo de “barn find” ficou famoso em 2018, quando a Land Rover resgatou um Series I (que anos adiante se converteria no Defender) a poucos quilômetros de sua fábrica, em Solihull, completamente deteriorado. É raro uma empresa se interessar por carros abandonados, mas aquele não era qualquer Series I, mas sim um dos três que foram exibidos no Salão de Amsterdam de 1948, quando a empresa fez sua estreia mundial
Ninguém sabe o destino desse jipe depois do evento, mas descobriu-se que seus últimos passos foram dados nos anos 1960. E que depois disso ele ficou abandonado num campo por 20 anos, até ser comprado por alguém que planejava restaurá-lo. Novamente esquecido, foi definhando até ser resgatado pela Land Rover – justamente no aniversário de 70 anos do modelo.
Também pode ser considerado um “barn find” o Mercedes-Benz 300SL Roadster 1961, com ferrugem dominando a carroceria e as rodas e interior mofado e rasgado, vendido há pouco mais de dois anos por US$ 800 mil. Não que a deterioração tenha elevado seu preço. É que, mesmo arrasado, esse Mercedes tinha valor – tratava-se, afinal, de um 300SL, um dos modelos mais valorizados da história.
Segundo a Beverly Hills Car Club, que o pôs à venda do jeito que o encontrou, certos “quitutes” automotivos incrementaram o valor desse 300SL, como estar completamente original, mantendo inclusive a rara configuração de exterior e interior combinados em azul, e conservar o histórico de serviços de manutenção, a nota fiscal de venda e o manual do proprietário. Pois é, certos elementos que podem ser banais quando se trata de carro zero-quilômetro têm valor no cosmo antigomobilista.
É o tipo de carro que, quando em estado virginal, tem portas abertas nos Concours d’Elegance, ou concursos de elegância. São eventos exclusivíssimos, apenas para o olimpo do antigomobilismo, onde veículos são escolhidos criteriosamente por especialistas e historiadores de acordo com sua relevância histórica, seu vanguardismo na engenharia e, claro, sua beleza. E depois avaliados. O vencedor leva o título de “Best Of Show”.
Formado pela Universidade Metodista de São Paulo e com passagens por G1, Folha de S. Paulo e Uol, Rodrigo Mora é jornalista automotivo há 15 anos. Neste espaço, abordará as diversas facetas do antigomobilismo: cultura, histórias, personalidades, negócios e tendências. Também é editor de Forbes Motors.
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