Dentre várias séries e filmes que a Disney anunciou na semana passada, durante a D23, evento voltado aos fãs e realizado na Califórnia, Iwájú, primeira produção africana dos estúdios, se destaca pelo contexto da safra de produções com temática afrofuturista sendo anunciada recentemente. Desenvolvida em parceria com a Kugali, empresa de entretenimento criada na Nigéria, a animação conta a história de uma herdeira e um menino pobre, Tola e Kole, numa versão futurista de Lagos, na Nigéria. O lançamento está previsto para 2023.
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Outra produção, anunciada no ano passado, desenvolvida pela atriz vencedora do Oscar Lupita Nyong’o, em parceria com a startup queniana Kukua, Super Sema, foi a primeira série animada de super-heróis infantis com personagens do continente africano. Ao falar sobre o projeto, em junho deste ano, durante o Collision, evento de inovação realizado em Toronto, no Canadá, Lupita destacou a importância da representatividade no entretenimento. “Quando criança, nunca tive um personagem que gerasse identificação com a cor da minha pele ou minha origem e isso é muito poderoso.”
Muito além do cinema
Ale Santos, afrofuturista brasileiro, autor do livro O Último Ancestral, explica que a ficção negra tem conquistado cada vez mais espaço no mundo pop e não apenas no cinema. Filmes como Pantera Negra, diretores como Jordan Peele, álbuns como de Beyoncé, The Weekend ou Doja Cat, segundo ele, têm mostrado o poder do afrofuturismo pelo mundo. “É um movimento que veio para ficar e está em ampla expansão.”
“O principal desafio para acelerar esse processo no Brasil é ir além. Eu citei grandes nomes do afrofuturismo que são estadunidenses, ainda há muito espaço para uma visão mais plural, brasileira, latino-americana e até africana desse movimento, mas que sem a preocupação de dar visibilidade para essas vozes serão suprimidas pelos que já estão no topo fazendo sucesso. É mais seguro e conservador para uma televisão brasileira distribuir filmes do Jordan do que desenvolver novos roteiristas afrofuturistas para si”, alerta Ale.
Afrofuturismo no Brasil
No Brasil, o autor reforça que nomes criativos dentro do movimento vêm surgindo de forma relevante. Entre eles, Sandre Menezes, Lu Ain Zaila e José Roberto o Ogam. “Isso na literatura, enquanto na música tem Jonathan Ferr, Xênia França e Gaby Amarantos colocando sua visão no movimento. É questão de tempo para tudo acontecer, meu livro O Último Ancestral ganhará uma adaptação para a TV, então as coisas já estão em movimento para que o futuro seja grandioso para autores afrofuturistas nacionais”, pontua Ale que está prestes a anunciar um novo romance afrofuturista com a Harper Collins e tem planos para um RPG e uma HQ.
Alê Garcia, eleito pela Forbes na lista de Inovadores Negros, completa que as grandes empresas de entretenimento estão aprendendo a contar histórias de pessoas e culturas ao redor do mundo — que até então eram invisibilizadas. “É um movimento que, obviamente, obedece a necessidades óbvias de mercado, mas carrega também verdadeiras ótimas intenções nas mãos de seus realizadores. Se utilizar do afrofuturismo diz respeito também a uma escolha estética e de visão, que envolve retratar imageticamente a África na qual as potencialidades e possibilidades tecnológicas são ricas e garantem o apelo visual e narrativo que uma série deste porte deseja.”
“Como diáspora africana, temos muitas possibilidades de explorarmos este movimento. Já temos alguns exemplos, como a narrativa criada por Ale Santos que, dos livros, vai ser transposta para uma série. E ele é um autor brasileiro que escolheu focar sua ficção na temática afrofuturista. A estética cultural, filosófica, artística e científica do afrofuturismo permite uma série de intersecções com a realidade brasileira, dialogando com o que acontece no Brasil de maneira verossímil. Empresas de tecnologia nascidas nas favelas, arte transgressora de jovens periféricos: tudo isso e muito mais são insights para se criar histórias surgidas daqui”, afirma Alê Garcia.
Bruno D’Angelo, fundador da WIP, aceleradora de estórias e negócio e uma startup que vem se especializando em trazer diversidade para as narrativas culturais, audiovisuais e do entretenimento, explica que o Brasil é um território fértil para produtos, obras e histórias afrofuturistas.
“É um país de maioria negra, um público que até hoje, minorizado na mídia, não pode ser ver em histórias, sejam de passado, presente ou futuro, e quando se via era sempre em um cenário triste, violento ou injusto. A verdade é que, com algumas aberturas do mercado – que podem ser traçados desde a inclusão de pessoas negras na educação universitária – até mesmo a atenção dada a conteúdos da diáspora africana pós o impacto da morte de George Floyd. Hoje, em muitos slates da mídia, já podemos ver projetos brasileiros criados ou desenvolvidos por roteiristas negros, ou mesmo propriedades intelectuais sendo compradas e adaptadas. Há uma demanda deste tipo de conteúdo, e não só no audiovisual, pode ser em música, produtos ou mesmo eventos”, explica mencionado projetos como Fissura, de Diogo Paulino, Jamila, de Marcelo Lima, Quebrados e Colados, de Camila Piva além de outras referências como Hugo Canuto, MM Izidoro, Everlane Moraes e Raul Perez.
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