Em alguns países da África, do Oriente Médio e do sul da Ásia, como a Índia, por exemplo, o natural é comer com as mãos. Mesmo no México, algumas iguarias dispensam o uso de utensílios. A cultura ocidental, porém, considera os talheres como acessórios indispensáveis à mesa.
Diversos registros históricos mostram que, até o século 11, as pessoas utilizavam as mãos para levar os alimentos à boca. Os mais educados eram aqueles que usavam apenas três dedos.
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Isso mudou a partir do casamento de Domenico Selvo, membro da corte de Veneza, com a princesa Teodora, de Bizâncio. Ele levou no enxoval um objeto pontudo, com dois dentes, usado para espetar os alimentos, o que pode ser considerado como o primeiro garfo. Domenico foi considerado herege: naquela época o alimento era considerado sagrado, pois era fornecido por Deus, por isso tinha que ser comido com as mãos. Durante muito tempo, esse objeto foi proibido pela Igreja, pois lembrava as forquilhas das imagens de representação do diabo. O “espeto” só ganhou mais dentes e foi integrado às refeições no século 17.
A faca, por sua vez, é considerada o mais antigo dos talheres e sua criação é atribuída ao Homo erectus, que utilizou as pedras para criar um objeto cortante para caça e defesa. Por volta de 3000 a.C., as facas passaram e ser feitas de metal e ser utilizadas também para descascar frutas.
A colher foi criada depois da faca, mas antes do garfo: algumas escavações arqueológicas descobriram objetos com mais de 20 mil anos de idade, com um formato de concha, feitos de madeira, pedra e marfim. Tudo indica que a colher já surgiu como um objeto de uso coletivo para mexer os alimentos durante seu preparo ou jogar molho neles. Somente por volta do século 17 a colher passou a fazer parte dos utensílios das refeições para tomar sopas e cremes. Considerados mais higiênicos que garfos e colheres, os hashis surgiram por volta de 2500 a.C.. Os primeiros modelos, feitos de bambu, eram utilizados somente para grelhar carnes. Por volta de 1776 a.C., o uso de hashis começou a ser adotado nas refeições.
A França se destaca por popularizar e definir regras para o uso de talheres. Por volta de 1630, o cardeal francês Richelieu, precursor das boas maneiras, sugeriu que cada pessoa deveria ter um talher para ser usado exclusivamente à mesa. A rainha Catarina de Médici apresentou o conjunto completo de utensílios para os banquetes da corte de Luis 14. Vem daquela época o uso correto de talheres como parte das regras de etiqueta social e bons modos à mesa, como, por exemplo: ter um garfo específico para comer peixe; o uso do garfo na mão esquerda, e da faca na mão direita, para levar a comida à boca.
No Brasil, os talheres desembarcaram no século 17, na bagagem dos portugueses. No princípio, porém, a prataria ficou guardada, pois eles usavam o dedo polegar, o indicador e o dedo médio para levar o alimento à boca, da mesma forma que os árabes, responsáveis pelo hábito de chegar às refeições com as mãos limpas.
Carla Bolla é restauratrice do La Tambouille, em São Paulo.
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Artigo publicado na edição 99 da revista Forbes, em agosto de 2022.
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