Quando eu tinha uns 10 anos, fui passar férias com meus pais em um hotel no interior de São Paulo e resolvi escrever um livro no bloquinho de papel que havia no quarto. Era uma história da minha cabeça — como tantas outras que eu criava desde que aprendi a escrever. Lembro que a brincadeira logo virou um compromisso e, quando estava na piscina ou fazendo alguma atividade ao ar livre, pensava no livro. “Preciso escrever” era uma frase que não saía da minha mente, me fazendo pensar em novas cenas para meu enredo e me chamando de volta para o quarto.
Lembrei disso outro dia, quando me sentia ansiosa com a quantidade de diferentes pratinhos que tenho hoje para equilibrar. A memória veio como um flash que diz: “Não se trata do que você tem para fazer, mas de uma forma de encarar que sempre esteve aí, desde quando o trabalho era só uma brincadeira”.
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O compromisso com os papéis que a gente assume na vida é sério, mas não precisa ser pesado. Como todo mundo, eu transito por alguns no meu dia a dia — jornalista, escritora, empreendedora, gestora, praticante de yoga, estudante, esposa, filha, amiga, para ficar nos básicos —, mas não quero nem acredito que preciso viver ansiosa. Como equilibrar tudo isso de modo que eu possa saborear cada um dos momentos e dos papéis?
Tenho refletido muito sobre a questão porque até alguns meses atrás, quando me lembrei da história de infância, eu estava trabalhando demais, e tomei algumas decisões que venho praticando e compartilho aqui com você:
1. Achar que é “só um momento” atípico é ilusão. Claro que há fases na vida mais desafiadoras do que outras. Mas o problema não são elas, e sim como lidamos com elas. Sempre haverá motivos para justificar o hábito de passar do ponto. Mas para quem mesmo precisamos nos justificar? O que ganhamos com isso? Dizer que estou “na correria”, “com muita coisa para fazer” ou que “não tem jeito, preciso entregar esse projeto” tem me causado até constrangimento. Porque já sei que depende de mim decidir prioridades, reconhecer limites e não me deixar levar pelo turbilhão que parece ditar o mundo lá fora.
2. Não basta organizar e dar conta — é preciso saborear. Pratico yoga há 16 anos, falo sobre os conceitos que fazem parte dessa filosofia de vida e experimento muitos deles, mas leva tempo e precisa disciplina para começar a sentir na pele o que significam. O mais essencial dos aprendizados talvez seja o de ter presença. O de estar onde se está. O de aproveitar o momento — o que é muito diferente de cumprir metas e dar “check” na lista de tarefas. Não me satisfaço mais cumprindo o que me propus. Quero sentir o sabor de estar ali. Quero sentir cheiros, gostos, olhar ao redor, mergulhar nos olhos das outras pessoas, ouvir inteira o que têm a dizer, compartilhar sem economias.
3. A decisão é simples. Complicado é ter coragem de decidir. Geralmente a resposta para uma demanda é: sim ou não; isso ou aquilo; vou ou não vou. Mas a gente se perde facilmente em “preciso”, “tenho que”, “não posso”, “tem que ser hoje” e afins. E, muitas vezes, a conta das 24 horas não fecha. Antes de sair fazendo algo só porque está na lista, tenho pensado: “Daqui a 30 anos fará diferença eu ter feito isso, que acredito que preciso fazer hoje?”. Muitas vezes a resposta é não, e fica mais leve ter a coragem de simplesmente mudar os planos. Ajuda muito ter um — e lembrar do — propósito maior. O que você quer para a sua vida no longo prazo? Quais são seus valores essenciais? O quanto a próxima tarefa da sua lista te afasta ou aproxima disso? Quando a resposta é positiva, ganha-se uma motivação real (muito além do “tenho que”) para seguir o plano — com presença.
4. Executar o que planejou e aprender a planejar melhor. Quando falta motivação, a importância real (e não a que se engancha em qualquer justificativa) de uma atitude é o que nos move. Então ter uma lista atualizada de tudo o que queremos fazer no dia, na semana, no mês, no ano (e, por que não, na vida?) ajuda a não perder o foco no principal. Fazer — com propósito e presença — traz satisfação real. Mais serena do que eufórica. Uma sensação de estar intimamente caminhando na direção do que importa para si. Com a experiência, a gente pode aprender a editar a nossa lista de tarefas, deixando-a mais realista, divertida e flexível.
5. Ter abertura e disposição para mudar de ideia. Quando não der para fazer todo o planejado, não faça, aceite. Reorganize, ajuste a rota. Um plano é só um plano. Às vezes acreditamos que algo vai ser rápido, mas acaba se estendendo. Outras vezes precisamos de um intervalo não previsto para respirar e voltar aos afazeres com qualidade e atenção. Faz parte.
Uma das principais lições que o empreendedorismo me ensinou é que a lista de tarefas nunca acaba. Nem se trata disso. O importante é manter um ritmo de realização saudável, em que eu consiga usufruir hoje da vida que escolhi e plantar as sementes essenciais para os frutos que vislumbro. Manter a roda girando — ora mais rápido, ora mais devagar. Para sentir a vida pulsando e aproveitar cada momento porque, de fato, ele é único.
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional.
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