Missão Europa e a diplomacia para uma justiça climática

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Rio Amazonas é um símbolo global da necessidade de cooperação entre povos

Uma guerra no leste europeu, provocando atrasos na implementação de medidas de combate à emergência climática, sinalizando crise de insegurança alimentar e energética, são ingredientes que colocam em xeque a visão de globalização tão difundida em tempos de paz. Este foi o cenário que encontrado no velho continente, por ocasião de nossa ação diplomática, liderada pelo IMAC (Instituto Mato-grossense da Carne), com a participação e engajamento de seus formadores: governo de Mato Grosso, Acrimat (Associação de Criadores de MT) e Sindifrigo (Sindicato das Indústrias de Frigoríficos MT), na chamada de Missão Europa que aconteceu nesta segunda quinzena de junho. O desafio foi estabelecer um diálogo justo e realista com interlocutores europeus sobre a nova legislação que pretende garantir, ao eleitor/consumidor europeu, alimentos livres de desmatamento.

Com o objetivo de sermos respeitados como iguais, como cidadãos do mesmo mundo, tentamos demonstrar que ações unilaterais e colonialistas que privilegiam europeus em detrimento de países mais pobres, como “boicote” ou “exclusão”, devem dar lugar à construção de diálogos legítimos e cooperação, dentro do novo paradigma que se estabelece. Uma missão para contextualizar a existência de uma ambiciosa legislação ambiental, representada pelo Código Florestal brasileiro, explicar a diferença do desmatamento ilegal para o legal e entender a resistência europeia em pagar pelos serviços ambientais prestados em nosso território ainda rico em biodiversidade.

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Durante a missão, promovemos uma ação coordenada ao longo de uma agenda de 10 dias, quando conversamos com representantes da Alemanha, Holanda, Dinamarca, Espanha e Portugal, além do Parlamento Europeu e Comissão Europeia. Amparados por dados e por nossa legislação, procuramos demonstrar que a iniciativa dos europeus não poderia ser levada adiante sem o real respeito e valor à legislação e biodiversidade brasileira, sob risco de se promover polarização e insegurança ao produtor rural e uma grave exclusão de pequenos produtores da cadeia da carne no país.

Separar o joio do trigo

Nas reuniões, compartilhamos da mesma preocupação com o clima, reforçando que as relações diplomáticas e comerciais entre países devem levar em conta questões ligadas à biodiversidade, modelos de produção agropecuária sustentáveis de baixo carbono e rastreabilidade. Mas não concordamos com a estratégia adotada pelo bloco, não nos parecendo justo vincular a “classificação de risco” para um país como o Brasil apenas ao desmatamento, sem diferenciação se legal ou ilegal. Desta forma estarão promovendo concorrência desleal, beneficiando nossos maiores competidores no mercado de carne global, que não precisam passar por isso, pois além de não existir mais biodiversidade abundante em seus territórios, também não há obrigação de mantê-la viva dentro de suas propriedades.

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Biodiversidade abundante dentro das propriedades deve ser visto como patrimônio social

Além disso, o aumento da população mundial e o maior poder aquisitivo dos asiáticos pressiona os países produtores de alimentos além dos limites naturais. Nossos maiores concorrentes não serão capazes de suprir as demandas globais por alimentos e a “Guerra” somada a “onda de calor” que assola Europa e EUA, irão fomentar o pragmatismo onde a pressão pela segurança alimentar sobrepujará a pressão pela conservação. Em países emissores e sem biodiversidade, é preciso transformar suas fontes de energia em renováveis e plantar árvores. Já em países onde ainda existe biodiversidade, é preciso reconhecer esses estoques de CO2 florestais, os serviços ambientais prestados por eles e valorizá-los.

Promotores de serviços ambientais na agenda

Por isso precisamos de apoio a projetos que agilizem a regularização ambiental das propriedades de Mato Grosso, junto à Sema (Secretaria Estadual do Meio Ambiente); estimulem a melhora do balanço líquido de emissões de GEE (gases de efeito estufa) por arroba de gado produzida, através da redução da idade de abate, recuperação de pastagens com baixa produtividade e implementação de boas práticas. Além do desafio de levar a 100% os 85% de abates verificados no estado (com o Ministério Público Federal) e encontrar uma solução para a rastreabilidade dos indiretos – os bezerros que muitas vezes estão em pequenas propriedades. É preciso dar condições de regularização a todos. Em Mato Grosso, atuando em sintonia com as demais entidades estaduais do setor, estamos dedicados a uma agenda positiva e conciliadora e queremos a cooperação da Europa em ações similares, que possam ser executadas em parceria com associações e com nossos parceiros do terceiro setor, em especial Earth Inovation, Instituto Ação Verde e IPAM (Instituto de Previdência e Assistência do Município).

Em oposição ao modelo global que prevaleceu até agora de devastação da biodiversidade, industrialização emissora de GHG (GreenHouse Gases) e protecionismo dos países “ricos”, o Brasil destina à conservação aproximadamente 66% do seu território com toda sua rica biodiversidade. Em Mato Grosso, estamos empenhados na adoção de modelos sustentáveis de produção. Destinamos aproximadamente 62% do território do Estado, segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), à conservação e produtores estão cientes de sua missão de produzir alimentos e serviços ambientais dentro de suas propriedades, apesar da dificuldade de regularização ambiental, complexidade de interpretar a biodiversidade, com seus biomas distintos em dimensão continental.

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Sistemas integrados são prestadores de serviços ambientais ao planeta

Por isso, a importância de estarem bem definidas as regras do jogo para todos. O moderno Código Florestal Brasileiro, resultado de mais de uma década de discussões e aprovado no Congresso Nacional, já garante a conservação e é provavelmente o maior programa de conservação do mundo, inovador por terceirizá-la para o setor privado. Daí que ele não pode ser simplesmente ignorado, por uma exigência europeia pelo “desmatamento zero”. Nossa demanda é por uma justiça climática, onde Europa, EUA, China e outros países que se desenvolveram emitindo e devastando, agora paguem pelos serviços ambientais prestados por nações que ainda detém essa riqueza escassa.

Problemas distintos, soluções distintas

No Brasil, queremos e ainda podemos nos desenvolver com biodiversidade. Mas precisamos do apoio e cooperação da Europa, pressionando nossos governos federal e estaduais pela implementação total do Código Florestal e pelo combate sem trégua ao que for ilegal. É hora da implementação de instrumentos claros e efetivos de PSA (Pagamento por Serviços Ambientais) prestados, fazendo justiça às nossas características e dando fim a um calote ambiental histórico dos países “desenvolvidos”. É preciso reforçar esse conceito de justiça climática aos países com biodiversidade.

Mas como frear o desmatamento respeitando a legislação brasileira? Dois problemas distintos exigem duas soluções distintas: o Código garante, por si só, boa parte da conservação: um estudo revelou que a esmagadora maioria da área desmatada na Amazônia e no Cerrado, nos últimos dois anos, está relacionada a atividades ilegais. Segundo análise feita por pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), do ICV (Instituto Centro de Vida) e Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), 94% do desmatamento registrado nesses biomas pode ter sido feito sem autorização dos órgãos ambientais federais e estaduais, à revelia da lei.

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Desmatamento ilegal deve ser punido e não ficar nas costas dos produtores

A pequena parcela do desmatamento que ocorre dentro da legalidade, precisa ser respeitada (mesmo que esse direito não seja exercido), para que os produtores de alimentos se sintam seguros e envolvidos na solução. A redução do desmatamento legal dentro das propriedades rurais, a ser adotada de forma soberana pelo proprietário da terra, deverá ser obtida a partir de incentivos financeiros, fortalecendo o mercado de Créditos de Carbono (e PSA), formalizado na última COP (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), colocando as forças do mercado financeiro a serviço do combate às mudanças do clima.

Não parece justo impor uma lei que atende apenas os anseios do consumidor europeu, aliviando sua culpa por se alimentar de produtos envolvidos com desmatamento, sem levar em conta que o modelo de desenvolvimento insustentável nasceu na Europa, colonizando, desmatando, escravizando, industrializando com combustíveis fósseis, entre outras ações. Não adianta lavarem as mãos e fingirem que não são parte do problema. A justiça climática novamente cabe aqui.

Olhar os pequenos e integrá-los

Dentro de um diálogo bilateral, nossa sugestão é: em vez de classificar o Brasil como de “alto risco”, penalizando assim a maior biodiversidade do planeta, deveriam, sim, exigir a implementação da lei brasileira e pagar pelos serviços ambientais reguladores do clima global (PSA), podendo ajudar a definir a forma de aplicação desses recursos. E colocar como de “maior risco” as verdadeiras causas que nos levaram a esta situação.

Além da injustiça à nossa biodiversidade, também fez parte relevante da Missão Europa, alertar os legisladores europeus para o risco de sua nova legislação atingir os mais vulneráveis, criando uma categoria subalterna de produtores rurais. Hoje, toda a carne abatida e exportada no estado de Mato Grosso já passa por rígido sistema de monitoramento pelas indústrias, que buscam agora uma solução para a rastreabilidade do gado no nascimento, desde sua fazenda de origem onde eram bezerros (os chamados “indiretos”). Em muitos casos, esse bezerro é criado em pequenas propriedades ou assentamentos, onde falta apoio financeiro, regularização ambiental e assistência técnica para produzirem melhor e de forma mais sustentável.

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Produtores de bezerros precisam de assistência para ficar no mercado

Ao exigir o impossível, o desmatamento zero, estarão promovendo a marginalização do pequeno produtor, causando mais pressão pela abertura de novas áreas e o produtor de bezerros será empurrado para fora do mercado formal e terá maiores desafios financeiros. Uma vez no vermelho, este produtor não conseguirá se manter verde e poderá enxergar no desmatamento uma fonte de renda imediata, uma vez que esteja fora do alcance do monitoramento da cadeia formal. Estamos falando, agora, de justiça social, tema que os europeus conhecem bem, uma vez que subsidiam boa parte de seus pequenos produtores.

Ao analisarmos os primeiros resultados da nossa Missão Europa, o balanço é positivo. Estabelecemos contato, exercitamos diplomacia climática, colocando na mesa de negociações nossos posicionamentos, assumindo os problemas internos e mostrando o quanto estamos engajados em solucioná-los. Podemos decidir, por não exercer nosso direito de desmatar a parcela a que nos faculta a lei, se tivermos o reconhecimento e a monetização desses ativos de nossa biodiversidade. Para isso, precisamos da cooperação e dos recursos da Europa: de não boicote, de não calote ambiental e de não exclusão de vulneráveis. Precisamos de justiça e de diplomacia climática e social de verdade, porque estamos todos no mesmo planeta.

* Caio Penido é pecuarista na região da Serra do Roncador, em Mato Grosso. É mentor da Liga do Araguaia, movimento que nasceu em 2015 visando a adoção de práticas sustentáveis e que neste ano se tornou o Instituto Agroambiental Araguaia. Também é presidente do IMAC (Instituto Mato-grossense da Carne) e vice-presidente do GTPS (Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável)

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