O medo de uma recessão nos Estados Unidos tem preocupado os investidores nas últimas semanas. O motivo é simples: uma retração econômica no país – que é a maior economia global – não se limita a perdas somente por lá, já que outros países podem sentir as perdas do Tio Sam, como é o caso do Brasil.
Relações comerciais de importação e exportação, a Bolsa brasileira e empresas nacionais que possuem forte operação no país podem sofrer perdas se o mercado norte-americano continuar a desacelerar.
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Durante a pandemia, o banco central dos Estados Unidos (Federal Reserve) montou uma grande operação para manter a roda da economia girando: compra ilimitada de títulos públicos, auxílios em dinheiro para a população desempregada, redução dos juros a zero e incentivos para os estados fazerem o mesmo. Foi a maior injeção de capital já vista por lá.
Mas agora veio a conta. O excesso de dinheiro em circulação no país resultou na maior inflação vista nos EUA em 40 anos. O acumulado de 12 meses do indicador já chega a 8,6%, enquanto a meta do Fed era de 2% para este ano.
Na tentativa de aplacar esse incêndio inflacionário, o banco central fez sucessivos aumentos na taxa de juros americana até chegar ao patamar entre 1,5% e 1,75%, alcançado no último encontro do Comitê de Política Monetária, em junho.
Segundo o presidente do Fed, Jerome Powell, a taxa neutra – aquela que nem estimula nem pressiona a economia – está em algum ponto entre 2% e 3% de juros ao ano. Porém, o próprio banco central e outras instituições financeiras já indicam que os juros devem passar de 4% entre o final deste ano e o início do próximo.
O risco de uma política monetária tão restritiva em um país historicamente de juros baixos está na desaceleração econômica se intensificar e migrar para uma recessão, ou pior: uma estagflação (cenário em que a economia se mantém fraca e a inflação alta).
Powell chegou a fazer um mea culpa ao afirmar que o Fed subestimou o avanço da inflação no final da pandemia e agora o cenário é “significativamente mais desafiador”. Ele afirmou ainda que o risco de recessão existe e o mercado espera a retração entre o final de 2022 e início de 2023.
Recessão é quando o PIB (produto interno bruto) de um país registra dois trimestres consecutivos de valores negativos. Por lá não é algo comum: só aconteceu três vezes nos últimos 22 anos, de acordo com o National Bureau of Economic Research, instituição que avalia os ciclos econômicos dos Estados Unidos. Primeiro em 2001, com o estouro da bolha das pontocom, depois em 2008, com a crise do setor imobiliário que culminou em uma crise global, e em 2020, devido aos lockdowns da pandemia.
Ontem (29), o Departamento do Comércio divulgou que o PIB do 1º trimestre encolheu 1,6% em termos anualizados, ante uma expectativa de recuo de 1,5%.
Veja cinco empresas brasileiras que estão posicionadas nos Estados Unidos e podem sofrer com a recessão:
JBS
A JBS é uma das maiores indústrias de alimentos do mundo, com quase 90% do seu resultado obtido fora do território brasileiro – mais da metade do faturamento da empresa vem das operações nos Estados Unidos: JBS USA Bovinos, Suínos e Pilgrim’s Pride.
Em 2021, a companhia teve uma receita líquida recorde de R$ 350,7 bilhões. Só a JBS USA Bovinos arrecadou R$ 146,6 bilhões no ano, enquanto a unidade de suínos registrou R$ 4,2 bilhões, e a Pilgrim’s Pride, R$ 79,7 bilhões.
Gabriela Joubert, analista-chefe do Inter Research, explica que a aceleração inflacionária que reduz o poder de compra das famílias tem efeito direto no consumo alimentar, o que pode diminuir o ritmo de vendas da JBS nos Estados Unidos.
“O volume de vendas dos EUA se mostrou muito forte nos últimos balanços da JBS e devemos olhar com mais atenção os números deste segundo trimestre. O impacto de uma desaceleração econômica é gradual e depende muito da deterioração do poder de compra do consumidor”, diz Joubert.
Segundo o jornal The New York Times, a inflação já afeta o comportamento dos consumidores americanos. Em maio, os preços nos supermercados registraram alta de 12% na comparação anual, acima dos 8,6% da inflação geral.
Nesse cenário, os americanos fazem o mesmo que os brasileiros: começam a substituir os alimentos para aliviar os bolsos.
“No hemisfério norte agora é verão, temporada de churrasco e demanda alta por carne. Com a chegada do clima frio, a tendência deve se reverter. Os números da companhia devem sentir o impacto no mesmo momento em que é esperada uma desaceleração maior no país, entre o terceiro e quarto trimestre”, diz Joubert.
Gerdau
Diferentemente da JBS, que depende do poder de compra do consumidor, a Gerdau depende da demanda industrial dos EUA.
Segundo o relatório do balanço do primeiro trimestre deste ano, a operação da América do Norte da companhia está perto da plena capacidade, com os laminadores acima de 90% de utilização. Com isso, 35,5% da receita líquida da Gerdau no período veio da unidade norte-americana, um montante de R$ 27,84 bilhões – 59% maior do que o registrado no mesmo período de 2021.
Se a indústria dos EUA diminuir o ritmo de produção e de novos projetos por causa do aumento dos juros e dos custos de produção, diz Joubert, a Gerdau pode ver seus números desacelerarem por lá.
“Não que os resultados da empresa vão definhar, não é isso. Mas o ritmo acelerado registrado nos últimos balanços pode diminuir.”, afirma a analista-chefe.
A expectativa da empresa no começo do ano, no entanto, era outra. “As perspectivas para 2022 são de demanda positiva para os setores de construção e distribuição [nos EUA]. Para a infraestrutura, o governo americano garantiu que todos os projetos para obras públicas utilizarão o aço fabricado no país, apoiando a indústria nacional”, diz o balanço.
Em novembro do ano passado, Joe Biden sancionou um pacote de US$ 1,2 trilhão (R$ 6,5 trilhões) de investimentos em infraestrutura nos EUA para os próximos anos.
MRV
Com o cenário deteriorado de juros em dois dígitos aqui no Brasil, o setor imobiliário apresenta balanços fracos desde o ano passado. No caso da MRV, uma subsidiária em específico acabou chamando a atenção por registrar números melhores do que o esperado pelos analistas.
A AHS, que passou a se chamar Resia, opera no mercado multi-family dos EUA, na região chamada de Sun Belt, no sul do país, que é a localização mais promissora para esse mercado.
Bruce Barbosa, sócio-fundador da Nord Research, pontua que as sucessivas altas no juros americanos devem afetar o cenário positivo para esse mercado, como aconteceu com o setor imobiliário daqui.
“A AHS está crescendo nos EUA e trouxe um impacto positivo forte nos últimos balanços da MRV. Mas uma desaceleração nas vendas de casas novas com a deterioração da percepção de riqueza das famílias americanas deve reverter o cenário positivo da subsidiária”, diz Barbosa.
No recorte dos últimos 12 meses, as vendas da operação da AHS nos EUA totalizam 24% da operação da MRV, segundo o balanço do primeiro trimestre. As vendas líquidas no período cresceram sete vezes, saindo de uma soma de R$ 271 milhões no 1T21 para R$ 1,98 bilhão no 1T22.
No mês passado, as vendas de casas novas nos EUA surpreenderam positivamente. O Departamento do Comércio divulgou que o indicador subiu 10,7% em maio na comparação com abril, a uma taxa anualizada de 696 mil unidades.
O mercado esperava alta de 0,7%, a uma taxa anualizada de 587 mil unidades. Em 2019, antes da pandemia, os valores mensais de vendas variavam entre 680 mil e 700 mil unidades.
Taurus
Em 2021, 79,6% das vendas da Taurus foram para clientes nos Estados Unidos. Ao todo, a receita líquida da empresa no país foi de R$ 1,83 bilhão no ano passado – três vezes maior do que a do Brasil. Segundo o balanço do quarto trimestre de 2021, a companhia detém liderança absoluta no segmento de revólveres no país, com 61% das vendas.
Durante os anos de 2020 e 2021, a demanda por armas nos Estados Unidos viveu um “boom” que disparou a produção da Taurus de 5,1 mil armas produzidas por dia, em média, em 2019, para 9,3 mil unidades diárias em 2021.
Segundo o sócio-fundador da Nord, a venda de armas nos EUA tem sazonalidade e também conta com fatores culturais do país que alimentam essa demanda.
“Em momentos de grande crise, a busca por armas tende a aumentar por lá, assim como antes de governos democratas [assumirem governos estaduais ou federal]. Mas, com o ‘boom’ que teve na pandemia e a redução no poder de compra agora, a demanda deve diminuir”, diz Barbosa.
A própria Taurus já constatou esse arrefecimento no primeiro trimestre deste ano. No relatório do período, a empresa destacou um “processo de acomodação no mercado” e escreveu que “o mercado em 2022 se mostra estável e mais competitivo, com os distribuidores formando estoques de produtos”.
WEG
A Weg dividiu os analistas em relação ao impacto que a empresa pode ter com uma recessão nos EUA. Isso porque a operação da empresa de motores elétricos é globalmente diversificada. Metade da receita líquida da companhia vem da venda para o mercado externo – os Estados Unidos, sozinhos, respondem por 22% da receita.
Em balanço, a empresa destacou a venda de equipamentos de ciclo curto para a China e os EUA, “com a demanda bastante pulverizada entre diferentes segmentos industriais”. Além disso, o segmento de geração, transformação e distribuição de energia foi citado como negócio importante no país.
Barbosa, da Nord Research, acredita que a empresa está em um momento favorável em que os mercados buscam por soluções de troca de equipamentos à combustão por elétricos. “Não é evidente que a empresa pode perder vendas com uma recessão nos EUA, mas também não é improvável que aconteça. Depende da profundidade da recessão e do quanto ela vai afetar o setor industrial.”
Jennie Li, estrategista de ações da XP Investimentos, aponta que a Europa também passa por um momento delicado, com a zona do euro também na iminência de uma forte desaceleração.
“A América do Norte e a Europa são operações importantes do mercado externo para a Weg. A situação econômica de ambas as regiões estão frágeis e isso pode implicar uma desaceleração para a empresa também. É preciso acompanhar de perto para entender o tamanho da impacto”, diz Li.
Como fica o Ibovespa com uma recessão nos EUA?
Para Barbosa, o Ibovespa pode ter sua carteira teórica dividida em quatro grandes setores: 30% commodities, 30% bancos e 40% empresas de consumo variadas. No que diz respeito ao impacto de uma recessão nos EUA, ele afirma que o setor mais exposto é o de commodities.
“As empresas que podem ser mais prejudicadas são as de commodities, mas ainda assim o fator China também é importante nessa balança. Uma desaceleração nos EUA pode impactar, mas se a China retomar a atividade, as coisas podem se equilibrar”, diz Barbosa.
Segundo o fundador da Nord, embora o mercado esteja preocupado com a possibilidade da recessão na terra do Tio Sam, ele acredita que a crise não se estenderá para além dos dois trimestres que qualificam uma recessão.
Com a Bolsa brasileira já fortemente desvalorizada (queda de 21% em 12 meses), Barbosa afirma que as commodities devem guiar mais as ações por aqui do que os índices de Wall Street.
“O Ibovespa está historicamente muito barato. Neste ano já temos alguma precificação das eleições e do risco-Brasil. Em dias de quedas muito bruscas em Wall Street, a Bolsa deve acompanhar, mas as movimentações das commodities e do cenário interno devem ser um guia de maior força.”
Jennie Li, da XP, e Gabriela Joubert, do Inter Research, acreditam na continuidade da forte volatilidade no Ibovespa. Para Li, a posição mais defensiva e menos arriscada neste cenário é em empresas de consumo básico, como as companhias de saneamento, elétricas e varejistas de alimentos.
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