Anúncios de laticínios geralmente falam sobre vacas felizes ou satisfeitas. Isso não é apenas uma sacada de marketing. As vacas produzem mais leite, e leite da mais alta qualidade, quando estão saudáveis, se sentem seguras, recebem bastante ração de que gostam, são ordenhadas quando estão de úberes cheios e não estão nem com calor e nem com frio. Pessoas que lidam com gado leiteiro têm todos os incentivos para mantê-los felizes, mas à medida que a mão de obra ser torna cada vez mais escassa, o nível de atenção necessário para monitorar as vacas vai ficando difícil de ser alcançado.
“O futuro da agricultura é de alta tecnologia”, diz Adam Hurtgen, produtor de leite de Elkhorn, município localizado em Wisconsin, EUA. O estado possui um dos maiores rebanhos de bovino do país, sendo o maior produtor de queijo e manteiga e o segundo maior produtor de leite.
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A fazenda de Hurtgen, a Hurtgenlea Holsteins, tem um rebanho de cerca de 300 vacas holandesas registradas. Como pecuaristas familiares de várias gerações, Adam e seus pais, Leo e Karen, produziram a vaca e o touro nº 1 no ranking genético do Net Merit, reconhecido em todo o mundo. Criado em 1994 pelo USDA (Departamento de Agricultura dos EUA), o Net Merit é composto por um índice que mede a qualidade dos animais pela produção do leite e pelo seu tipo.
Os Hurtgen têm se esforçado ao longo dos anos para produzir “leite de qualidade, de vacas de qualidade”. Como muitos produtores de leite nos EUA, a Hurtgen queria maximizar o nível de atendimento prestado aos laticínios, para manter a fazenda lucrativa. Foi, então, que tomou uma decisão: era preciso buscar soluções tecnológicas. Algumas fazendas leiteiras já utilizam máquinas de ordenha robótica que ajudam a tornar a ordenha mais fácil e eficiente, além de proporcionar uma experiência mais agradável de bem-estar para as vacas.
No entanto, essas máquinas não são um meio suficiente de monitoramento para problemas de saúde dos animais. Depois de vasculhar a web, Hurtgen descobriu uma empresa austríaca chamada Smaxtec que oferece uma solução para ajudar os produtores de leite a rastrear individualmente o estado de saúde de vacas usando IA (inteligência artificial) e IoT (Internet das Coisas).
Sensores que vão dentro das vacas
A empresa austríaca oferece dispositivos de monitoramento eletrônico que podem medir importantes parâmetros de saúde e digestão usando um sensor introduzido no primeiro estômago da vaca – o seu rúmen.
Depois que o sensor é engolido pelo animal, ele mede sua temperatura, a atividade e ciclos de ingestão, mais as contrações musculares do rúmen, justamente para monitorar a ruminação. Existe outra opção de sensor que mede o pH do rúmen. Esses dados são transmitidos do sensor para um hub, cujo alcance pode ser modificado com uma antena para se adequar à escala de qualquer operação em confinamento, áreas de pastagem ou “piquetes”. O hub carrega os dados na nuvem; funcionalidade habilitada com experiência e conectividade da empresa parceira, AT&T. O sistema é conhecido como “Connected Cow”. Faz parte de um conjunto mais amplo de plataformas de conectividade global que a AT&T, líder em IoT, está desenvolvendo para o campo, como um sistema para melhorar a eficiência da irrigação para culturas como arroz, por exemplo. Além da agropecuária, a AT&T também fornece conectividade IoT em uma variedade de indústrias, desde manufatura, transporte, saúde, educação e entre outros.
“Avaliamos outros sistemas de monitoramento no passado, mas nenhum realmente mudou nossa lida, como a ferramenta austríaca”, disse Hurtgen. “O sistema foi o mais certeiro que já vi e instalá-lo em nossa fazenda rapidamente rendeu dividendos.” Um dos principais objetivos da Hurtgen é melhorar seu rebanho com testes genômicos, que fornecem informações sobre os pontos fortes e fracos de cada animal, para que tenham uma vida mais longa, saudável e produtiva. O rebanho também foi selecionado para ser um plantel de proteína de leite “A2”. Muitos estudos mostram que a proteína do leite A2 é mais facilmente digerível para alguns humanos quando comparada à proteína do leite A1, que é uma proteína também encontrada no leite.
Em vacas leiteiras, a tecnologia empregada fornece um nível sem precedentes de dados detalhados sobre cada bovino, bem como sobre o rebanho. A tecnologia pode não rastrear o bem-estar animal, mas pode detectar ou dar sinais de problemas muito cedo. Para isso, software resume os dados e os reporta para múltiplas plataformas, de smartphones a computadores em tempo real. Usando dados de centenas de operações, os algoritmos interpretam os dados e reconhecem padrões que refletem problemas específicos no rebanho.
Reconhecendo os problemas o mais cedo possível, o sistema permite alavancar a lucratividade pela prevenção. Isso não apenas ajuda no gerenciamento de operações em escala, mas também faz um refinamento do que ocorre na lida diária do rebanho mesmo a longa distância. Outra ajuda é a troca de conhecimento e experiência dentro da comunidade que a empresa austríaca vai formando com os usuários do software e com os próprios cientistas de dados, permitindo que cada usuário avalie seus resultados em relação à comunidade mais ampla.
“Uma solução inteligente fornece dados inestimáveis de vaca, que é um exemplo fantástico do que pode ser feito quando um produtor aproveita a escala da conectividade IoT da AT&T”, disse Joe Mosele, vice-presidente de mobilidade, IoT e 5G da AT&T.
Uma vantagem do monitoramento in vivo em tempo real é que os problemas de saúde de um animal podem ser detectados mais cedo (até quatro dias antes dos sinais clínicos). Isso permite que as vacas sejam tratadas com um ou dois níveis de cuidados preventivos, como probióticos ou suplementos alimentares que muitas vezes evitam a necessidade de um tratamento mais agressivo. Isso diminui o uso de antibióticos supervisionado por veterinários. Os produtores relatam uma redução de até 70% no uso, segundo a Smaxtec. Usar menos antibióticos nos animais não é apenas benéfico para os produtores de leite, mas também para os consumidores com resistência a antibióticos que continua aumentando.
Outros benefícios para a detecção precoce de problemas de saúde incluem minimizar os custos do tratamento e a perda de produção de leite, resultando em melhor desempenho e fertilidade durante toda a vida da vaca. Isso porque quando as vacas recebem tratamento veterinário elas são removidas da produção. “No final do dia, quando nossas vacas estão saudáveis e felizes, temos mais leite no tanque para venda”, diz Hurtgen. “Os alertas da empresa, baseados na detecção precoce de dados em tempo real, nos permitem ser mais proativos, levando a uma maior lucratividade.”
Mais bezerros por vaca
As vacas leiteiras passam por muitos ciclos de “parição” ao longo da vida. Por isso, informações sobre fertilidade podem ser valiosas. Com base em desvio padrão das atividades regular da vaca, temperatura e atividade ruminal, os cientistas de dados identificaram as pistas que indicam se uma vaca está em estro – o que significa que está pronta para a inseminação artificial. Perder essa janela é bastante caro em termos de produção de bezerros. Os sensores também fornecem dados que dão pistas antecipadas sobre quando uma vaca prenha está pronta para parir, dando tempo para os preparativos necessários a um parto seguro, notificando seus tratadores entre 36 e seis horas antes de seu início.
O sensor também mede o movimento dentro do rúmen. Esse é um órgão onde as vacas, com a ajuda de certas bactérias, podem digerir a celulose – uma forma abundante de energia armazenada nas plantas que só é disponibilizada aos humanos por esse processo que passa pela produção de proteína – no caso, o leite. As vacas “ruminam”, o que significa que elas fazem o alimento dar algumas idas e vindas entre o primeiro estômago e a boca para “ruminar”. Se esta atividade for constante, é um bom sinal de que a vaca está comendo e digerindo com conforto. Isso significa bem-estar animal. Se houver interrupções na atividade de ruminação, pode indicar algo tão simples como parte da ração sendo picada inadequadamente, ou pode ser motivo para consultar o nutricionista da fazenda.
“Percebemos algumas variações acontecendo entre nossas vacas um dia, mas no dia seguinte elas estariam bem”, disse Hurtgen. Depois de avaliar os dados, conseguimos identificar um protocolo de misturador de ração TMR que não estava na ordem correta. Ao entender o que estava acontecendo com as vacas e cada uma de suas ruminações individuais, fomos capazes de resolver rapidamente o problema, nivelando quaisquer desequilíbrios no rúmen e trazendo as vacas de volta à ativa.”
A tecnologia é uma benção para a pesquisa aplicada se um operador tiver dois ou mais galpões para ter um grupo tratado e outro de controle. O operador pode realizar seus próprios experimentos para tentar uma nova fonte de forragem. Se o agricultor também estiver envolvido na criação, esta pode ser uma forma de documentar vantagens para uma nova linhagem de descendentes.
Para aperfeiçoar os sistemas, pesquisadores acadêmicos e de empresas de todo o mundo estão recrutando as operações “Connected Cow” da Smaxtec, como cooperadores, para testar novos aditivos alimentares, o papel da dieta animal no desenvolvimento de enfermidades, histórico de recuperação de doenças, os benefícios financeiros e sociais dos cuidados preventivos e outros conceitos de melhoria da produção, como gerenciamento de transição otimizado. As equipes de pesquisa podem procurar quaisquer diferenças no perfil de dados da empresa e correlacioná-las com a quantidade e a qualidade do leite no nível da granja leiteira. Essa também pode ser uma maneira de avaliar estratégias, como a adição de algas marinhas na ração para reduzir a produção de metano – um problema significativo de gases de efeito estufa para o setor de laticínios.
A economia desse sistema varia de acordo com a escala e o design de cada fazenda leiteira, mas o custo inicial do hub de dados e do serviço de conexão pode ser pago rapidamente, com base na consistência ou melhoria na qualidade e volume do leite e na economia de medicamentos ou piquetes de tratamento vazios. Na fazenda de Hurtgen, segundo o produtor, o custo operacional diário é de até US$ 0,14 (cerca de 0,73) por vaca para vigilância 24 horas. Segundo o produtor, é particularmente adequado para aqueles que abastecem o segmento de mercado de leite de alta qualidade.
Steven Savage é colaborador da Forbes EUA. Trabalha com tecnologias agrícolas há mais de 40 anos. Formado em biologia em Stanford, fez mestrado e doutorado em Plant Pathology (estudo das doenças das plantas) na Universidade da Califórnia.
O post Vacas conectadas: IA e IoT para produzir mais e melhor leite apareceu primeiro em Forbes Brasil.