Quando setembro chegar, a Volkswagen entregará as primeiras unidades da ID. Buzz, releitura moderna da Kombi. Não se trata do primeiro carro elétrico vendido pela marca alemã, mas talvez seja o êxito mais emblemático de um plano de eletrificação iniciado ainda na década de 70 – com a própria Kombi, aliás.
No começo daquela década, a Volkswagen deu início a um projeto cujo objetivo era “explorar fontes alternativas de energia para se tornar menos dependente de combustíveis fósseis”.
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Apresentado na Hannover Trade Fair (uma feira de negócios na Alemanha) de 1972, o Elektro-Transporter foi um experimento destinado a frotas de empresas e estatais.
Um dos “clientes” foi a cidade de Berlim, que segundo a marca alemã comprou sete das cerca de 120 unidades montadas da Kombi elétrica. Chegou a instalar, no distrito de Tiergarten, uma estação para que se trocasse a bateria esvaziada por uma cheia, bastando para isso remover a peça, instalada sob o compartimento de carga. Simples como abrir e fechar uma gaveta, essa operação durava cinco minutos.
Mas era possível recarregar a bateria também através de um conector. No mesmo compartimento onde originalmente ia o motor boxer refrigerado a ar, um elétrico da Bosch rendia 22 cv, com picos de 44 cv e 16 kgfm de torque, o bastante para alcançar razoáveis 75 km/h de máxima. A capacidade de carga era de 800 kg, sendo que apenas a bateria pesava 880 kg.
Jogos Olímpicos
Quase na mesma época, a BMW usou os Jogos Olímpicos de Munique para dar fama ao 1602 Electric, uma versão movida a energia de uma linha de sedãs lançada em meados da década de 1960.
As 12 baterias sob o capô denunciavam as limitações dos carros elétricos de 50 anos atrás. “Não havia dúvidas de que baterias de chumbo pesando 350 kg e com um alcance de cerca de 60 quilômetros dificilmente eram ideais para um carro de produção”, admite a BMW. O motor de 32 kW (equivalente a 43 cv) era igualmente raquítico.
Os dois exemplares construídos jamais chegaram ao mercado, e serviram apenas como meio de transporte para os membros da comissão organizadora. Hoje compõem o acervo de clássicos do museu da marca, na Alemanha.
Mas a BMW não desistiu da ideia de um elétrico. Em 2008, durante o Salão de Los Angeles, a montadora apresentou o Mini E. Dona da marca inglesa desde 1994, a BMW inaugurava o Project i, que se tornaria sua grife de modelos eletrificados. Quem mais apto a desbravar os novos caminhos da mobilidade urbana do que um Mini, por essência um carro urbano?
Foram construídos cerca de 600 protótipos, entregues a voluntários dispostos a desembolsar uma quantia mensal que variava em cada país – apenas alguns estados dos EUA, além de Alemanha, Inglaterra, França, Japão e China viram de perto o Mini E. Na Califórnia, rodar com um desses custava US$ 850 por mês; em Londres, £ 330. Mais de 25 mil pessoas se candidataram ao experimento.
Um ano depois, a BMW recolheu os carros para examiná-los. Reconhecia que o Mini E era um teste fundamental para a mobilidade elétrica, mas descartava oferecer um veículo do tipo em massa nos próximos cinco anos. (O i3, primeiro elétrico produzido em escala pela fabricante, é de 2013).
Houve também um Fiat Panda elétrico. Qualquer semelhança visual com o Uno não é mera coincidência: ambos foram desenhados pelo mago Giorgetto Giugiaro, que também tem no currículo a autoria de ícones como Lotus Esprit, Maserati Ghibli, DeLorean DMC-12 e Volkswagen Passat. Já o nome nada tem a ver com o urso preto e branco, mas sim com Empanda, a deusa romana dos viajantes.
Com a versão Elettra, de 1990, o Panda flertou com a eletricidade muito antes do avanço em curso dos híbridos e elétricos. Dotado de 12 baterias de chumbo-ácido acomodadas sob o capô e no porta-malas, rodava cerca de 95 km com uma carga e não passava dos 70 km/h. Resistiu até 1998.
Entre campainhas e carros
E esses nem foram os exemplos mais distantes elétricos e híbridos de hoje, com suas baterias de íon de lítio sob o assoalho e seus motores elétricos instalados em cada eixo.
Ferdinand Porsche sempre apostou na eletricidade como solução para qualquer tarefa. Escondido do pai, fazia experimentos no sótão; aos 18, equipou a casa da família com iluminação elétrica e campainha.
Seu primeiro grande projeto na área automotiva nasce em 1898: Egger-Lohner C2 Phaeton, uma carruagem equipada com motor elétrico de 5 cv e que esbarrava nos 25 km/h de velocidade máxima. Abandonado num galpão na Áustria desde 1902, foi recuperado em 2014 e hoje faz parte do acervo do Porsche Museum.
Encurtando a história, no ano seguinte Porsche vai parar na Jacob Lohner, uma fabricante vienense de carruagens luxuosas ciente de que os dias de transporte a cavalo estavam contados. Por isso contratara o jovem engenheiro, designado para desenvolver uma nova fonte motriz – àquela época disputada entre vapor, gasolina e eletricidade.
E assim, em abril de 1900, durante a Expo Paris, apresenta-se o Lohner-Porsche Electromobile, dotado de um conceito revolucionário: ao invés de um, dois motores elétricos, agora instalados nos cubos das rodas dianteiras, somando 5 cv e levando o veículo a 37 km/h.
No entanto, o mesmo problema de peso se repetia, e talvez por isso o Semper Vivus – o primeiro híbrido da história – estreou no Salão de Paris de 1901 sem carroceria. Uma evolução dele, batizada de Lohner-Porsche Mixte, apareceu no fim do ano, com 25 cv e menos capacidade elétrica devido a baterias menores, uma solução para reduzir peso.
Até 1905, apenas 11 unidades foram comercializadas. Por custar o dobro do que um carro convencional e ter um sistema de propulsão complexo e caro de manter, o Mixte fracassou, enquanto do Lohner-Porsche puramente elétrico vendeu-se 65 exemplares no mesmo período.
Em 1908, uma crise enfrentada pela incipiente indústria automotiva pôs fim ao desenvolvimento de híbridos e elétricos – por motivos enfrentados novamente hoje: falta de rede de recarga, baterias pesadas, autonomia curta e desenvolvimento oneroso…
E por que agora?
Forbes Motors conversou com especialistas para entender por que os híbridos e elétricos enfim vingaram.
“Primeiro temos a questão do aquecimento global, hoje mais urgente e que exige uma redução acentuada das taxas de emissão de CO2. Depois há o desafio da segurança energética: precisamos de energias mais limpas para reduzir a dependência de fontes fósseis, como o petróleo”, pondera Éverton Silva, diretor de Tendencias Tecnológicas da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva).
Paralelamente, há evoluções tecnológicas no decorrer da história do automóvel.
“O ponto central é a capacidade de energia que um carro pode carregar. Ou seja, a densidade energética da bateria. Ainda não é o que precisamos, mas avançamos em taxa de carregamento e densidade das baterias, o que torna essa tecnologia viável hoje. Em resumo, trata-se de uma conjuntura de situações que levaram a uma corrida mais acentuada pela eletrificação”, conclui o engenheiro.
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