“Antes da transição, chovia headhunter no meu LinkedIn. Depois que eu fiz, eles sumiram”, diz a engenheira de software Daniele Junior, que desde o início deste ano faz parte da equipe do Nubank. Uma recrutadora da fintech encontrou seu perfil e a convidou para participar da 4ª edição do Yes, She Codes, o programa de contratação do banco voltado para mulheres que trabalham com engenharia de software. Daniele ficou insegura por ser uma mulher trans, mas acabou entre as 150 contratadas das mais de 4 mil inscritas.
Sua trajetória ora se aproxima ora se afasta das vivências de outras pessoas trans. Aos 38 anos, ela ultrapassa em 3 anos a expectativa de vida dessa população no Brasil. E, como outras pessoas trans, já teve inseguranças relacionadas à sua orientação sexual e sentiu a falta de apoio da família. Mas, quando finalmente decidiu fazer a transição, no começo de 2021, tomou a atitude de começar a contar sobre o processo para todos que conhecia. “Acho que foi o momento mais libertador da minha vida.”
Quando chegou a hora de levar a informação para o trabalho da época, uma empresa onde desenvolvia sistemas para portarias de condomínios, o que ouviu dos chefes e do RH também ajudou a tranquilizá-la. “Já estava pronta para ser demitida, mas meu chefe falou só falou ‘Ainda bem que é isso, pensei que você ia pedir demissão.’”
A notícia foi uma surpresa para os colegas, mesmo porque ela não costumava ter muita proximidade com a equipe, até por conta das poucas relações que de fato cultivava. “Antes da transição, era uma pessoa em casa e uma no trabalho”, diz. Em 20 anos de experiência em tecnologia, não acumulou muitos amigos. Fugia de conversas, de pessoas e de happy hours para não ter que falar de sua vida pessoal. Hoje, isso também mudou. “Tenho grupos com as meninas do processo seletivo do Nubank e com mulheres que tive um contato mais próximo.”
Trajetória na tecnologia
Daniele nasceu em uma família tradicional de São Caetano do Sul, região metropolitana de São Paulo (SP). Desde criança, já tinha interesse por tecnologia e era obcecada por “montar e desmontar coisas”. “Quando era bem pequena, eu desmontei um telefone que não estava funcionando, peguei um outro que também não funcionava e comecei a juntar as peças até conseguir fazer um funcionar. Era meu passatempo.”
As dúvidas sobre a sexualidade começaram na adolescência. “Eu não me via como um homem, só que ao mesmo tempo, gostava de mulheres”, conta. Em vez de ir para a balada, enfiou a cara nos estudos como fuga desses questionamentos. Fez aulas no SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), participou de competições e olimpíadas e trabalhou como professora da instituição. Em sua primeira aula de programação, ao fazer o programa básico “Hello World”, pequeno código que pode ser desenvolvido em diferentes linguagens de programação, Daniele se apaixonou pelo tema. “Quando vi a telinha com os caracteres, pensei: ‘É fantástico! Olha só o que eu posso fazer.’”
Já na graduação em engenharia elétrica com ênfase em computação, participou de uma iniciação científica patrocinada pela Microsoft ao mesmo tempo em que já trabalhava na área para pagar a faculdade. O curso foi o pontapé para entrar no mundo da tecnologia e da programação mas, segundo ela, a área exige um estudo contínuo. “A tecnologia é muito avançada. O que eu aprendi em 2008, hoje eu não uso mais.”
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Rede de apoio para mulheres trans
Daniele acredita que ter a esposa ao lado foi uma parte essencial de sua transição. Juntas desde 2011 e, quando foram morar juntas, formaram uma grande coleção de DVDs. Nos votos de casamento, Disse que imaginava que elas teriam muitos filmes repetidos, mas tinha apenas um, Star Trek. De resto, elas se completavam.
A engenheira falou sobre suas inseguranças desde o início do namoro e, ao tomar a decisão de fazer a transição, teve o apoio da esposa, uma mulher heterossexual. Ela sabe que esse apoio foi essencial e quer que outras mulheres trans tenham o mesmo suporte, dentro e fora da tecnologia, e agora quer dar mentorias para capacitar pessoas trans no mercado. “Eu tenho muito conhecimento e preciso passar para frente, para gente como eu.”
Segundo a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), 90% da população trans está em situação de prostituição. É importante, segundo ela, que essas pessoas vejam que é possível ser trans para além das ruas. “Para mim, a única possibilidade era viver na rua e eu morria de medo.”
No Nubank, entre os 2500 funcionários, são cerca de 40 pessoas trans entre os 930 que fazem parte de um grupo chamado Pride, que engloba pessoas LGBT+. “Hoje, há as grandes empresas fazem um movimento em direção à inclusão, mas muitas para garantir um selinho de diversidade”, diz. “Mesmo se for por isso, tudo bem, pelo menos eles estão dando oportunidades e mudando um pouco esse cenário de marginalização.”
Quando entrou na empresa, toda a sua documentação foi feita com o nome social. Daniele também descobriu que finalmente poderia ter esse nome no cartão de crédito, e não mais o civil. “Eu consegui me realizar na vida profissional e na vida pessoal de uma forma geral, porque agora eu não sou mais uma pessoa diferente em cada lugar, sou só eu mesma.”
Quem me ajudou
“Minha esposa, Tamara, foi parte importante para tudo isso. Ela me acolheu e me ajudou muito a me encaixar no mundo.”
O que ainda quero fazer
“Quero ajudar pessoas trans a entrar na área de tecnologia, a virarem bons programadores e arrumarem bons empregos.”
Minha formação
“Engenharia elétrica com ênfase em computação no Instituto Mauá de Tecnologia.”
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